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série Educador em Construção é voltada para a for-mação de professores. Os volumes que a compõem têmautonomia uns em relação aos outros, podendo ser adotados se-paradamente. Todos eles oferecem aos futuros professores mate-rial de qualidade, acessível ao público do ensino médio, consi-derando sempre a complexa realidade social de nosso país.Escritos por professores atuantes no Magistério, os volumesapresentam contribuições recentes nos diversos campos da edu-cação, tornando-se, assim, um valioso instrumento de trabalho em Psicologia e trabalho pedagógico, as autoras —militantes na prática e na teoria —, a partir da exposição deum quadro das principais correntes da psicologia da educação,apresentam temas centrais do desenvolvimento e da aprendiza-gem da criança, enfocando especialmente a brincadeira, o dese-nho e a escrita. Privilegiando as concepções de Piaget e Vygotsky,e confrontando-as, o livro aborda tanto fundamentos teóricoscomo situações concretas e cotidianas do trabalho com criançasna sua fase inicial da vida escolar.m Roseli A. C. FontanaMaria Nazaré da CruzCopyright desta edição:SARAIVA S.A. Livreiros Editores, São Paulo, 2007.Av. Marquês de São Vicente, 1697 — Barra Funda01139-904 — São Paulo — SPFone: (Oxxll) 3613-3000Fax: (Oxxll) 3611-3308 —Fax vendas: (Oxxl l) 3611-3268www.editorasaraiva.com.brTodos os direitos reservados.Catalogação na fonte doDepartamento Nacional do LivroF679pFontana, RoseliPsicologia e trabalho pedagógico / Roseli Fontana, Maria Nazaréda Cruz. — São Paulo : Atual, 1997.240p.cm. — (Formação do educador).ISBN 978-85-7056-902-8Suplementado por manual do professor.Inclui bibliografia.1. Psicologia educacional. 2. Psicologia da aprendizagem. I. Cruz,Maria Nazaré da. Il. Título. III. Série.CDD-370.15Psicologia e Trabalho PedagógicoDesenvolvimento de produtoGerente: Wilson Roberto CambetaEditora: Vitória Rodrigues e SilvaAssessora editorial: Oscarina CamilloEditor de texto: Noé G. RibeiroPreparação de texto: Célia TavaresEditora de arte: Thaís de Bruyn FerrazPesquisa iconográfica: Cristina AkisinoProjeto gráfico: Irineu SanchesProjeto de capa: Glair Alonso ArrudaImagem de capa: Criança brincando, 1876, Thomas EakinsProdução editorialGerente: Cláudio Espósito GodoyCoordenador: Milton M. IshinoAssistente: Márcia Regina NovaesRevisão: Maria Luiza Xavier Souto (coord.)Vera Lúcia P. Della RosaEditor de arte: Celson ScottonChefe de arte: Irineu SanchesDiagramação: Renata Susana RechbergerEditoração e/etrônica: Silvia Regina E. Almeida (coord.)/Grace AlvesDigitação: Rosangela de Oliveira Vargas/Wagner I. PinProdução gráficaGerente: Antonio Cabello Q. FilhoCoordenador: José Rogerio L. de SimoneFilmes (D.T P.): BinhosVisite nosso site: www.atualeditora.com.brCentral de atendimento ao professor: (Oxx 11) 3613-3030IMPRESSÃO E ACABAMENTOYanotai Gráfica a Editora Ltda.ApresentaçãoTodos os momentos do dia de todos os dias da vida eram para aprender e en-sinar e de novo ensinar e aprendei; vivendo e brincando, trabalhando e sendo...(Carlos Rodrigues Brandão, Lutar com a palavra.)ntendemos assim a educação: algo sempre presente em nossas vidas,mesmo quando não a percebemos no amontoado de fazeres e saberescorriqueiros do cotidiano.Ela está na voz da mãe que acalanta e na mão do avô que ajuda a criança asegurar a colher e levá-la à boca. Está na birra e na palmada, no traço marcado naareia ou no papel, no cabo de vassoura que se transforma em cavalinho.Não é coisa só da escola... Ela se faz também na escola.Está na amarelinha riscada no pátio, na letra escrita na lousa, na dobradura, noproblema de matemática, no livro de histórias, nas conversas do recreio.E assim é porque a prática do fazer-se homem dá-se pelo gesto, pelo jogo, pelapalavra, pela mediação de outros homens, entre risos e choros, silêncios, cumplicida-des, desigualdades. A educação é expressão do humano.Como vida que vem sendo tecida e transformada de geração em geração, a edu-cação é o lugar da psicologia — prática humana de teorização sobre o que somos.Somos nós a matéria sobre a qual a educação e a psicologia se debruçam. A primeirano esforço do fazer, do "lavrar e plantar no campo do nosso próprio corpo", como dizCarlos Rodrigues Brandão. A segunda, na busca do entender e do explicar esse fazer-se humano.Orientadas por essas concepções, encaramos o desafio de escrever este livro.Um livro carregado do desejo de manter vivos e próximos os sons e o movimento dasatividades e das relações entre as pessoas, para que, assim sendo, pudesse nos ajudar,como professores em atuação e em formação, a estudar a criança, descobrindo abeleza dos seus modos de dizer e de compreender o mundo.Um livro em que as teorias não ficassem desgarradas dos fazeres e saberes coti-dianos e em que os psicólogos e seu trabalho não se convertessem num amontoadomaçante de nomes e idéias que a gente não sabe bem por que teve de aprender.Para isso, procuramos partir sempre das práticas educativas, tal qual se desen-volvem na escola, e de sua problematização: Como se processam? Que concepçõesacerca do homem e de seu desenvolvimento as sustentam?Delineadas as questões, voltamo-nos para as explicações e análises desenvolvi-das pelos estudos em psicologia, buscando aí elementos para discutir e refletir so-bre elas.Procuramos também entretecer as análises e discussões com episódios escolarese não escolares, envolvendo as relações entre adultos e crianças e entre crianças,trazendo, através deles, seus dizeres e sua produção gráfica.Assim, cada uma das unidades deste livro começa na escola, dialoga em seguidacom os psicólogos, olha para as práticas educativas não escolares constitutivas dodesenvolvimento da criança e volta à escola numa tentativa de releitura do trabalhopedagógico em seus limites e possibilidades.Na primeira unidade, a relação entre as práticas pedagógicas e as teorias dapsicologia é tematizada a partir das quatro vertentes teórico-metodológicas que mar-cam as discussões sobre a especificidade do humano no nosso século: o inatismo-maturacionismo, o comportamentalismo, o construtivismo piagetiano e a abordagemhistórico-cultural.Nas três unidades seguintes, privilegiamos como foco de discussão e de análiseo desenvolvimento da atividade da criança, tal qual acontece na escola e fora dela.Nessas unidades, nossos interlocutores no campo da psicologia são Piaget eVygotsky, em cujas explicações nos baseamos para examinar as relações da criançacom a palavra, com o jogo, com o desenho e com a escrita.Ao final de cada capítulo, você encontrará sugestões de atividades e de leiturasvariadas, que poderão auxiliá-lo a retomar o estudo do texto e a realizar pequenostrabalhos de iniciação à pesquisa, constituídos por observações, levantamento dedados e análise das práticas educativas e da produção cultural relativa ao desenvolvi-mento infantil.Se conseguimos estar próximos de vencer o desafio a que nos propusemos,você, leitor, é quem nos dirá...Roseli e Nazaré.SumárioUnidade 1 — Desenvolvimento e aprendizagem: as abordagens da psicologiaIntrodução 2Capítulo 1— A psicologia na escola 3Escola é lugar de aprender. E de ensinar 3A psicologia e a educação escolar : 4O que é ensinar? Como a criança aprende? 5O estudo científico da criança: um pouco de história 6Sugestão de atividades 9Sugestão de leituras 10Capítulo 2 —A abordagem inatista-maturacionista 11A questão das diferenças individuais e a hereditariedade dainteligência: "filho de peixe, peixinho é?" 12Padrões de desenvolvimento: o que é próprio de cada idade? 14Pesquisando a criança: a construção dos testes de inteligência 16Pesquisando a criança: a elaboração das escalas de desenvolvimento 17A questão dos comportamentos típicos 18As relações entre desenvolvimento e aprendizagem e as influências doinatismo-maturacionismo na escola 20Sugestão de atividades 22Sugestãoa sua tese deque a maioria das reações emocionais das pessoas é aprendida a partir dainfluência do ambiente. Procurava também explicar "como as pessoasaprendem", explicitando os princípios do condicionamento clássico.Modelagem do comportamento: as pesquisas de SkinnerSkinner, por sua vez, interessou-se fundamentalmente pela apren-dizagem por condicionamento operante, realizando pesquisas inicial-mente com ratos, depois com pombos e, por último, com pessoas.Para estudar o problema da programação do reforço no condiciona-mento operante, Skinner utilizava em suas pesquisas com ratos umacaixa em cujo interior haviaum dispositivo (uma pequenabarra de metal) que, quandoacionado, liberava água oucomida. Essas caixas, comisolamento contra ruídos econtrole rigoroso de tempera-tura e iluminação (para evitarque sons, a luz ou o calor in-terferissem em seus experi-mentos), ficaram conhecidascomo "caixas de Skinner".ar ,Caixa de Skinne,:2930Os experimentos consistiam em programar de modos diferentes aliberação de reforçadores e estudar como cada programação afetava ocomportamento do animal (qual era mais eficiente para levar à aprendi-zagem de um comportamento novo; qual era mais adequado para man-ter esse comportamento por mais tempo; qual representava a melhorforma de extinguir um dado comportamento, etc.).Uma das formas utilizadas, para obter a aprendizagem de um novocomportamento (no caso, pressionar a barra de metal), era colocar orato na caixa de Skinner após ter sido privado de água por certo tempo.Supunha-se que a privação faria da água um excelente reforçador, jáque obtê-la resultaria para o rato na satisfação de uma necessidade.Adotava-se, então, o seguinte procedimento: inicialmente, todavez que o rato se aproximava da barra de metal, o pesquisador liberava-lhe, por meio de um dispositivo, um pouco de água. Após determinadotempo, estando o rato próximo à barra, a água só era liberada se ele atocasse com o focinho ou a pata. Em seguida, reforçava-se (pela libera-ção da água) apenas o comportamento de tocar a barra com a pata e,depois, o de pressioná-la para baixo. Após várias sessões, verificava-seque o rato tinha aprendido a pressionar a barra de metal para obter água.Esse procedimento é conhecido como modelagem do comporta-mento. A modelagem é obtida proporcionando-se reforçadores apósrespostas que gradativamente se aproximam da resposta que se desejaobter do animal (no caso, a pressão na barra).Tal método envolve os princípios do condicionamento operante (ocomportamento emitido pelo animal, se reforçado, tende a se repetir) etem sido utilizado pelos comportamentalistas em uma série de situa-ções, tanto na prática terapêutica clínica quanto no campo do ensino.O que há em comum nos experimentos de Watson e Skinner é atentativa de controlar o comportamento pela manipulação de elementosdo ambiente que precedem (os estímulos) ou sucedem (os reforçadores)ao comportamento. Além disso, os experimentos de um e de outro vi-sam conhecer os princípios pelos quais o comportamento humano éaprendido durante a vida.Assim, os princípios descobertos ou sistematizados mediante si-tuações experimentalmente controladas são os mesmos que explicamos comportamentos aprendidos em situações cotidianas. Conforme aperspectiva comportamentalista, pode-se dizer que pais e educadores,por exemplo, modelam o comportamento da criança por meio de proce-dimentos que-correspondem ao condicionamento operante.Fonte: Nossas crianças. Abril Cultural. 1970. v. 5.Desenvolvimento, aprendizagem e educação:a influência do comportamentalismo na escolaA ênfase dada pelos comportamentalistas à questão da aprendiza-gem é resultado do pressuposto de que o ambiente e a experiência sãodeterminantes do comportamento. Os processos e fatores internos aoindivíduo não são levados em conta, e o próprio desenvolvimento éexplicado como decorrente da aprendizagem.Melhor dizendo, para os comportamentalistas, desenvolvimento eaprendizagem são processos coincidentes. Aquilo que chamamos dedesenvolvimento nada mais é do que o resultado das aprendizagensacumuladas no decorrer da vida do indivíduo. Por isso, os dois proces-sos não se distinguem.A' idéia de que os comportamentos humanos são aprendidos emdecorrência de contingências ambientais e a noção de modelagem docomportamento têm influenciado as práticas educativas. De acordocom Skinner, ensinar é planejar/organizar essas contingências de modoa tornar mais eficiente a aprendizagem de determinados conteúdos ehabilidades. A utilização de reforçadores e a organização da aprendiza-gem por pequenos passos são princípios decorrentes dessa abordagem.Uma das marcas deixadas pelo comportamentalismo na educaçãoescolar foi a valorização do planejamento do ensino, tendo chamado aatenção para a necessidade de se definirem com clareza e operacional-mente os objetivos que se pretende atingir, para a organização das se-qüências de atividades e para a definição dos reforçadores a serem utili-zados (elogios, notas, pontos positivos, prêmios, etc.).O próprio Skinner interessou-se pelo processo de ensino-aprendi-zagem (reveja o boxe `Quem foi Skinner?'). Nas suas "máquinas deensinar", o aluno é colocado diante de um painel onde aparece umaquestão relativa a algo que ele já conhece e, ao mesmo tempo, uma novainformação concernente ao mesmo tema. O aluno deve responder àquestão apresentada e, se acertar, a máquina passará automaticamentepara a questão seguinte, que será referente à informação dada imediata-mente antes. Se não acertar, não poderá prosseguir, devendo retornar aalgum passo anterior.Por meio desse procedimento, organiza-se a aprendizagem dácriança "passo a passo", em ordem crescente de dificuldade, seguindoos princípios da modelagem do comportamento, e cada resposta certada criança constitui um reforço para a aprendizagem.1A chamada "instrução programada" derivou das máquinas deSkinner. As questões apresentadas às crianças são impressas e as res-postas corretas aparecem em outra página, em um gabarito. As questõessão intercaladas por pequenos textos informativos sobre os quais a.criança deverá responder no passo seguinte. De acordo com o compor-tamentalismo, esse procedimento permite que o ensino tenha uma pro-gressão gradual, que respeita o ritmo de cada aluno e torna o processode ensino-aprendizagem mais eficiente. 3132Sugestão de atividadesOrganizando as informações do texto1. Segundo o texto, defina:• estímulo;• resposta;• condicionamento clássico;• condicionamento operante.2. Elabore um texto sucinto sobre as diferenças e semelhanças existen-tes entre as abordagens inatista-maturacionista e comportamentalis-ta. Depois, troque seu texto com um colega e, juntos, discutam sobreessas abordagens.Exercitando a análise1. A classe, orientada pela professora, deverá fazer um levantamento demateriais de ensino organizados segundo os princípios da instruçãoprogramada. Há vários projetos desenvolvidos nessa linha, tantopara a instrução das crianças nas séries iniciais quanto para a instru-ção de professores em formação. Sugerimos alguns títulos.JOULUÉ, V., MAFRA, W. Didática de Ciências através de módulosinstrucionais. 2! ed. Petrópolis: Vozes, 1980.POPHAM, W. J., BAKER, E. L. Como estabelecer metas de ensino. PortoAlegre: Globo.. Sistematização do ensino. Porto Alegre: Globo, 1976.. Como ampliar as dimensões dos objetivos de ensino. Por-to Alegre: Globo, 1976.. Como planejar a seqüência de ensino. Porto Alegre: Glo-bo, 1976.. Táticas de ensino em sala de aula. Porto Alegre: Globo.. Como avaliar o ensino. Porto Alegre: Globo.O material conseguido deve ser distribuído à classe para um trabalhode análise, feito em grupos. Cada grupo deve realizar as propostas deauto-instrução apresentadas. Observem atentamente as instruções, osobjetivos, os fluxogramas das atividades, os textos e os exercíciospropostos.Em seguida, analisem o material,procurando identificar os pressu-postos e princípios do comportamentalismo nele presentes. Apóscomparação e discussão das análises feitas pela classe, cada alunodeverá escrever um pequeno texto sobre a instrução programadacomo alternativa metodológica, destacando, de maneira fundamenta-da, seus aspectos positivos e negativos.2. A seguir você tem reproduzido o `Módulo instrucional 1' de um pro-jeto de ensino de Didática de Ciências para o curso de formação deprofessores desenvolvido na década de 70 pelas professoras WandaMafra e Vera Joullié, no Instituto de Educação do Rio de Janeiro.Leia o módulo e resolva os exercícios. Observe atentamente as ins-truções, os objetivos, os fluxogramas das atividades, os textos e exer-cícios propostos.Em seguida, analise-o, procurando identificar os pressupostos e prin-cípios do comportamentalismo nele presentes.Compare e discuta a sua análise com a análise feita pelos colegas eescreva um pequeno texto sobre a instrução programada como alter-nativa metodológica, destacando, de maneira fundamentada, aspec-tos positivos e negativos desse procedimento.Módulo Instrucional 1A criança, a ciência, a tecnologiaIntroduçãoEste é o módulo instrucional 1, de Didática de Ciências, isto é, umesquema de trabalho que lhe proporcionará o domínio de vários conhe-cimentos com relação ao assunto aqui tratado.Este módulo apresenta o conteúdo "A Criança, a Ciência e aTecnologia", em sua parte fundamental. Ele lhe oferecerá oportunida-des de aprendizagem dos seguintes aspectos:a) curiosidade científica natural da criança;b) base de experiências que precede o conhecimento científico;c) ciência e tecnologia.Os referidos aspectos são importantes em sua formação profissio-nal porque se constituem em embasamento para a compreensão das rea-ções e interesses infantis em relação ao estudo de Ciências nas sériesiniciais do 1° Grau.Sem conhecê-los, você não poderá planejar conscientemente suasatividades didáticas. Este é o objetivo final deste módulo e, ao concluí-lo, você terá que demonstrar sua competência. Para que o objetivofinal seja alcançado você terá que atingir os objetivos intermediários.Todos eles são importantes para que você trabalhe gradativamente ecom segurança.33A "Visão geral", que vem a seguir, lhe dará uma idéia objetiva dotrabalho a ser realizado.Visão geral do módulo instrucional 1ObjetivosintermediáriosAtividades Avaliação1. Conceituar Ciência eTecnologia,estabe-Tecendo sua interli-gação.1. Procure o significadode Ciênciae Tecno-logia em BUARQUEDE HOLLANDA FER-REIRA, Aurélio, No-vo DicionárioAuré-lio,EditoraNovaFronteira, RI, 1975.2. Estude o texto n° 1:Resolva o exercícion° 1, do Módulo 1."Ciência eTecnolo-gia" ou discuta comum colega sobre Ciên-cia e Tecnologia: con-ceitos, diferenças, in-terligação.2. Distinguir a curiosi-dade científica dascrianças de sua cu-riosidade geral.1. Estude o texto n° 2:"Curiosidadeinfan-til" ou analise a fichade consulta n? 1.Resolva o exercícion° 2, do Módulo 1.3. Constatar a existên-cia de uma base deexperiências cientí-ficas e tecnológicasque precede o estu-do de Ciências.1. Estude o texto n° 3:"Basedeexperiên-,cias científicas e tec-nológicas" ou entre-visteseuprofessor:fenômenoscientífi-cos e aspectos tecno-lógicos que cercam acriança: a influênciada Tecnologia na vidaatual.Resolva o exercícion° 3, do Módulo 1.Objetivo 1, Módulo 1Atenção: Se você tiver acertado a questão 1 da pré-avaliação, estádispensado deste objetivo. Siga para o objetivo 2, na página 37. Casocontrário, siga o fluxograma abaixo.Fluxograma das atividadesEntradaLeia o objetivo intermediário n° 1,ao final da página.Procure o significado de Ciência e Tecnologia emBUARQUE DE HOLLANDA FERREIRA, Aurélio.Novo Dicionário Aurélio. Editora Nova Fronteira, Riode Janeiro, 1975.1Discuta com uma colegasobre Ciência e Tecnologia:conceitos, diferenças,interligações.Objetivo intermediário n..°l: "Conceituar Ciênciae Tecnologia, estabelecendo sua interligação".Estude o texto n? 1:Ciência e Tecnologia.Texto n° 1, Módulo 1Ciência e TecnologiaJá não se pode viver sem Ciência. Dia a dia, ela progride e se expande,ampliando produções, criando medicamentos, processando dados,palmilhando o espaço, aperfeiçoando a comunicação, estudando o cére-bro humano, extraindo e beneficiando os recursos naturais, planejan-do... prevendo... pesquisando...Cada vez mais a sociedade necessita de cientistas, e o homem, deconhecimentos científicos para progredir e manter-se vivo.A ciência estuda os mais diferentes fenômenos, sejam de naturezafísica, sejam de natureza química, sejam de natureza biológica. Ela busca .o conhecimento puro, através de pesquisas, experiências, observações.Por outro lado, a Tecnologia aplica os fenômenos científicos, colo-ca-os em prática, para uso humano. Ela é essencialmente utilitária,como o provam o ferro a carvão evoluindo para o ferro elétrico, a ilumi-nação de velas evoluindo para a iluminação elétrica, a comunicação àbase de sinais evoluindo para os satélites retransmissores, a cura pelouso de ervas evoluindo para os mais sofisticados produtos farmacêuti-cos, o transporte animal evoluindo para as naves espaciais. Assim sen-do, a Tecnologia progride paralelamente às novas descobertas da Ciên-cia, oferecendo mesmo, aos estudiosos, recursos para aperfeiçoar e am-pliar as verdades científicas.Estamos em plena era tecnológica. Atualmente toda a vida socialdepende de uma tecnologia que nasce da Ciência.As oportunidades do futuro estão reservadas às pessoas que desen-volverem uma atitude científica. Prepare-se.2. Tecnologia cuida(a) da aplicabilidade dos fenômenos físicos, biológicos e químicos.(b) dos estudos dos fenômenos físicos, biológicos e químicos.(c) da evolução do homem através dos tempos.(d) dos principais fenômenos físicos.3. A Tecnologia é essencialmente utilitária porque(a) depende do resultado das pesquisas científicas.(b) estimula a pesquisa dos fenômenos científicos.(c) completa o estudo dos fenômenos científicos.(d) aplica os resultados das pesquisas científicas.Objetivo 2, Módulo 1Atenção: Se você tiver acertado a questão II da pré-avaliação, está dis-pensado deste objetivo. Siga para o objetivo 3, na página 40. Caso con-trário, siga o fluxograma abaixo.Fluxograma das atividadesLeia o objetivo intermediário n? 2, ao final da página.2.1.Texto elaborado porEdith CostaMarília LessaVera JoulliéWanda MafraEstude o texto n? 2:Curiosidade infantil.3.Resolva o exercício n? 2, do Módulo 2.Analise a fichade consulta n? 1.OU4.,36Exercício n° 1, Módulo 1Isto é uma avaliação. Você deverá realizar o exercício propostoe, a seguir, verificar suas respostas no gabarito, ao final destemódulo. O desempenho desejado é o acerto de todas as questões.Boa sorte!Marque o que melhor completa cada afirmação:1. Ciência cuida(a) da aplicabilidade dos fenômenos físicos, biológicos e químicos.(b) do estudo dos fenômenos físicos, biológicos e químicos.(c) da evolução do homem através dos tempos.(d) dos principais fenômenos físicos.Consulte seu professor.SaídaObjetivo intermediário n.°2: "Distinguir a curiosidadecientífica das crianças de sua curiosidade geral".NÃOSIM373'8Texto n? 2, Módulo 1Curiosidade infantilA criança, desde cedo, manifesta intensa curiosidade por tudo que vê,ouve, sente e pensa. E a fase geralmente conhecida como "idade doPOR QUE?". As inúmeras perguntas que as crianças fazem incessante-mente refletem uma grande necessidade de explorar, conhecer, entendera si própria e ao mundo que a cerca. E o caso de perguntas como:— Por que a gente tem que dizer "obrigado" quando ganha algumacoisa?— Por que eu não posso ir à escola sem uniforme?— Por que o papai vai trabalhar todos os dias?Grande parte das perguntas das crianças, no entanto,é de naturezacientífica. Através delas, nota-se que os interesses são muitos e diversi-ficados. Elas demonstram isto quando perguntam:— O que é que segura a lua para ela não cair do céu?— Por que é que eu tenho que tomar vacina?— Por que é que a mamãe rega as plantas todo dia?— De onde vem a água da chuva?Podemos assim constatar que Ciências constitui uma disciplinaautomotivada. O próprio conteúdo do estudo responde às indagaçõesinfantis.E imprescindível que o professor aproveite esta vontade de saber.As perguntas, porém, devem ser selecionadas: umas respondidas deimediato — aquelas que apresentam sentido limitado; outras — aquelasque oportunizam um estudo mais profundo, seja por se incluírem naprogramação do professor, seja por se ligarem à realidade de vida dosalunos — deverão ser respondidas através do desenvolvimento de ativi-dades variadas.Ficha de consulta n? 1, Módulo 1Curiosidade infantilCARACTERÍSTICAS DACRIANÇA DE 6 A 12 ANOSCONSEQÜÊNCIA• Necessidade de conhecer a si mesma.• Necessidade de explorar, conhecere entender o mundo que a cerca.• Curiosidade intensa e extensa.• Grande incidência de perguntas.• Fase do "por quê".CURIOSIDADE GERAL CURIOSIDADE CIENTÍFICA• Por que tenho que agradecer quan-do ganho um presente?• Por que o papai trabalha todo dia?• Por que eu tenho que tomar vacina?• Por que não posso ir à escola semuniforme?• O que é que segura a lua no céu praela não cair?• Por que a mamãe rega as plantastodo dia?PERGUNTAS RESPOSTAS EXEMPLOSDe sentido limitado Imediata • Quando foi que o ho-mem chegou à lua?• Por que o homem nãovoa?De sentido amplo Através do desenvolvi-mento de uma série deatividades.• Como é que o peixenão se afoga?• Por que existem fo-lhas vermelhas?Exercício n° 2, Módulo 1Isto é uma avaliação. Você deverá realizar o exercício propostoe, a seguir, verificar suas respostas no gabarito, ao final destemódulo. O desempenho desejado é o acerto de todas as questões.Boa sorte!1. Marque apenas as afirmações corretas:(a) A curiosidade da criança se manifesta a partir de seu ingresso naescola.(b) As perguntas infantis demonstram interesse da criança por si pró-pria e pelo mundo que a cerca.(c) Dentre as inúmeras perguntas infantis, grande parte reflete curio-sidade eminentemente científica.(d) A curiosidade científica infantil se limita aos fenômenos da natureza.2. Marque o que melhor completa a afirmação:Ciências é uma disciplina automotivada porque:(a) desperta a curiosidade infantil.(b) aumenta a curiosidade infantil.(c) opõe-se à curiosidade infantil.(d) responde à curiosidade infantil.3. Coloque C ou G conforme as perguntas reflitam curiosidade científi-ca ou geral da criança.( ) Por que você está de vestido novo?( ) Por que a água do mar é salgada?( ) Afinal, de onde vêm os bebês?( ) Para que as pessoas pintam o cabelo?( ) Por que eu tenho que lavar as mãos tantas vezes?( ) Quando é que começam as férias?4. Faça a correspondência:(a) perguntas de resposta imediata(b) perguntas que favorecem estudos mais profundos( ) quantas patas tem a mosca?( ) o que é esturjão?( ) por que as folhas são verdes?() é verdade que a baleia é mamífero?3940Objetivo n° 3, Módulo 1Atenção: Se você tiver acertado as questões III e IV da pré-avalia-ção, está dispensado deste objetivo. Consulte seu professor. Caso con-trário, siga o fluxograma abaixo.Fluxograma das atividadesLeia o objetivo intermediário n? 3, ao final da página.2.4/Entreviste seu professor:fenômenos científicos e aspectosOUtecnológicos que cercama criança; a influênciada tecnologia na vida atual.3.Resolva o exercício 3, do Módulo 1.4.Consulte seu professor.Objetivo intermediário n.°3: "Constatar a existência deuma base de experiências científicas e tecnológicas queprecede o estudo de Ciências".Texto n° 3, Módulo 1Base de experiências científicas e tecnológicasÉ importante reconhecer que, pelas coisas que dizem, as criançasdemonstram muito do que percebem, antes mesmo de estudar Ciências.Basta lembrar que elas "vivem" Ciências vinte e quatro horas por dia,não apenas nos hábitos higiênicos, na preservação da saúde, na ali-mentação, mas também através de todas as aplicações tecnológicas queenvolvem a vida atual: luz elétrica, elevador, transportes, materiais uti-lizados em casa e na escola, brinquedos os mais diversos, medicamen-tos, geladeira, liqüidificador...Disto resulta uma soma de madurezas que se constitui em rica basede experiências precedendo o conhecimento científico que as explica eque somente o estudo trará.Isto se caracteriza quando a criança diz:—Trago o meu suco na garrafa térmica porque ele fica bem geladinho.—Mamãe, só vou naquele dentista que tem motor a jato, porque não dói.— Bota uma lâmpada de 100 velas no meu quarto pra ele ficar maisclaro.— Meu carrinho não anda mais porque a pilha gastou.Tecnologia e Ciência, nas séries iniciais do 1° Grau, se forjam noambiente em que a criança vive, em suas condições de percepção, emseu interesse próximo e imediato.A escola deve aproveitar esta curiosidade, bem como aquela somaanterior de vivências, a prontidão para o estudo e a compreensão daCiência e da Tecnologia em seus estágios iniciais.Exercício n° 3, Módulo 1Isto é uma avaliação. Você deverá realizar o exercício propostoe, a seguir, verificar suas respostas no: gabarito, ao final destemódulo. O desempenho desejado é o acerto de todas as questões.Boa sorte!1. Marque o que melhor completa a afirmação:A criança, ao entrar na escola, já apresenta uma base de experiên-cias científicas e tecnológicas. Isto acontece porque:(a) as crianças possuem curiosidade científica.(b) os interesses infantis são muitos e diversificados.(c) desde que nasce, a criança está em contato com Ciências e Tecno-logia.(d) toda a vida social depende, atualmente, da Ciência e da Tecnologia.2. Marque as afirmações que refletem a base de experiências científicase tecnológicas que precede o estudo de Ciências:(a) Bota a roupa no sol que ela seca depressa.(b) Estou cansado de tanto correr!(c) Mamãe, bate as claras na batedeira que é mais rápido e você nãose cansa.(d) Vou abrir a gaiola pro passarinho ficar livre.(e) Papai, me compra uma bicicleta de corrida?(f) Não preciso dar corda no meu relógio porque ele é automático.Estude o texto n? 3:Base de experiênciascientíficas e tecnológicas.NÃOSIMGabarito dos exercícios, Módulo 142Exercício n.°11—b2—a3—dExercício n.°21—b,e2—d3 — (G), (C), (C), (G), (C), (G)4 — (b), (a), (b), (b)Exercício n.°31—C2— a, c, f.(Joullié, V. & Mafra, W. Didática de Ciências através de módulosinsirucionais. 2'. ed. Petrópolis: Vozes, 1980.)Trabalho de campo1. Retome os dados das entrevistas com pais e professores realizadasapós o estudo do capítulo anterior. Destaque, agora, nas respostasfornecidas por pais e professores, os aspectos que as associam a umavisão comportamentalista do processo de desenvolvimento e apren-dizagem da criança.Sugestão de leiturasNERI, A. L. O modelo comportamental aplicado ao ensino. In: PENTEA-DO, N. M. A. (org.). Psicologia e ensino. São Paulo: Papelivros,1980.SKINNER, B. E Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1982.Capítulo 4A abordagem piagetiana"Papai, portava; corte este pinheiro — ele faz o vento. Depois quevocê cortar ele, o tempo vai ficar bom e a mamãe me leva para um passeio.""Mamãe, quem nasceu primeiro, você ou eu?"(Helen Bee, A criança em desenvolvimento.)Ouvir crianças pequenas dizerem coisas como essas do trecho trans-crito acima normalmente nos desconcerta, ao mesmo tempo que nos en-canta e diverte. Nossa atenção se volta então para o modo peculiar que acriança tem de pensar sobre as coisas e de estabelecer relações entre elas.As peculiaridades do pensamento e da lógica das crianças desper-taram o interesse de Jean Piaget, que se preocupou principalmente coma questão de comoo ser humano elabora seus conhecimentos sobre arealidade, chegando a construir, no decorrer de sua história, sistemascientíficos complexos e com alto nível de abstração. Ele acreditava quemuito da resposta a essa indagação poderia ser encontrado no estudo dodesenvolvimento do pensamento da criança.Quem foi Piaget?Jean Piaget nasceu em 1896, em Neuchâtel, na Suíça, e fale-ceu em 1980, aos 84 anos de idade.Desde menino Piaget interessou-se por questões científicas,estudando moluscos, pássaros, conchas marinhas e mecânica.Aos 10 anos, publicou as observações que fez sobre um pardalparcialmente albino e, aos 11 anos, começou a trabalhar comoassistente do diretor do Museu de História Natural de sua cidade.Concluiu seus estudos em Ciências Naturais em 1915 e, em1918, doutorou-se nessa mesma área.Interessado também por filosofia, encontrou na leitura daobra de Bergson, A evolução criadora, elementos que o ajudarama formular a questão à qual se dedicaria por toda a vida: explicar 43a forma pela qual o homem atinge o conhecimento lógico-abstratoque o distingue das outras espécies animais.Embora se tratasse de uma questão tipicamente filosófica, aPiaget interessava abordá-la cientificamente. Ao longo de seu traba-lho, assumiu, então, o desafio de construir uma teoria do conheci-mento baseada na biologia e em que as especulações filosóficas esti-vessem ancoradas na pesquisa empírica. O elo que Piaget encontrouentre a filosofia e a biologia foi a psicologia do desenvolvimento.A elaboração da teoria explicativa da gêne-se do conhecimento no homem levou Piaget aformular propostas teóricas e metodológicasinovadoras quanto à natureza dos processos dedesenvolvimento da criança e que contrariavamas teses do inatismo-maturacionismo e do com-portamentalismo.O fundamento básico de sua concepção dofuncionamento intelectual e do desenvolvimentocognitivo é o de que as relações entre o organismoe o meio são relações de troca, pelas quais o orga-nismo adapta-se ao meio e, ao mesmo tempo, oassimila, de acordo com suas estruturas, num pro-cesso de equilibrações sucessivas. Determinar ascontribuições das atividades do indivíduo e dasrestrições do ambiente na aquisição do conheci-mento foi o foco do seu trabalho experimental.No período de 1921 a 1925, Piaget concentrou-se na coletade dados que permitissem esboçar os princípios e os fundamen-tos de sua teoria do conhecimento. Abordou temas gerais, comoa relação entre pensamento e linguagem (1923), o desenvolvi-mento, na criança, do julgamento e do raciocínio (1924), da re-presentação do mundo (1926), da causalidade física (1927) e dojulgamento moral (1927). Esses estudos foram retomados, revis-tos e aprofundados ao longo das décadas seguintes.No período de 1925 a 1931, com o nascimento de seus trêsfilhos, Piaget dedicou-se à observação meticulosa do desenvolvi-mento dos bebês, elaborando análises sobre a construção do reale o desenvolvimento da inteligência.Na década de 30, ajudado por seus colaboradores, concentroua pesquisa na gênese das noções de quantidade, número, tempo,espaço, velocidade, movimento, mensuração, lógica e probabili-dade. Na década de 40, abordou o desenvolvimento da percepção.A partir dos anos 50, Piaget voltou-se para a sistematizaçãoteórica da epistemologia genética, deixando a seus colaboradoresos estudos em psicologia. Em 1955 fundou o Centro Internacionalde Epistemologia Genética, onde reuniu cientistas de diferentesáreas (matemáticos, biólogos, psicólogos, lógicos) interessadosem pesquisar problemas epistemológicos.Na década de 70, já trabalhando exclusivamente nas pesqui-sas do Centro de Epistemologia, Piaget dedicou-se à investigaçãodos mecanismos de transição que impulsionam e explicam a evo-lução do desenvolvimento cognitivo.Sua vasta produção é um marco de enorme importância paraa psicologia e para os estudos do homem no século XX.Procurando compreender como o homem elabora o conhecimento,Piaget desenvolveu o que chamou de psicologia genética. A palavra gené-tica, que ele próprio aplicou à sua psicologia, refere-se à busca das origense dos processos de formação do pensamento e do conhecimento.A infância é considerada como um período particular do processode formação do pensamento, que só se completa na idade adulta. E im-portante, então, não confundir as contribuições dadas por Piaget à com-preensão do desenvolvimento cognitivo da criança com uma "psicolo-gia da criança". Ele não se dedicou a estudar o pensamento infantilmotivado por um interesse pela infância em si e também não elaborousua psicologia genética movido pelo interesse por questões propria-mente psicológicas. O centro de seu trabalho e de todos os seus estudosé o desenvolvimento do conhecimento.A formação de Piaget em Ciências Naturais levou-o a buscar com-preender o conhecimento com base na biologia. Em sua concepção,conhecer é organizar, estruturar e explicar a realidade a partir daquiloque se vivencia nas experiências com os objetos do conhecimento.No entanto, experiência não é a mesma coisa que conhecimento. Estepressupõe a organização da experiência num sistema de relações. Porexemplo, "a humanidade atravessou alguns milênios sem perceber a rela-ção entre vida e calor do sol; conhecer algo a respeito do calor solar seriainserir o calor sentido na pele num sistema de relações que permitecompreendê-lo como condição de existência da vida" (Chiarottino, 1988).Conhecimento e adaptação: os processos deassimilação e acomodaçãoMas como se dá a inserção de um objeto de conhecimento numsistema de relações? Segundo Piaget, isso ocorre fundamentalmentepor meio da ação do indivíduo sobre o objeto. Ao agir sobre o meio, oindivíduo incorpora a si elementos que pertencem ao meio. Através des-se processo de incorporação, chamado por Piaget de assimilação, ascoisas e os fatos do meio são inseridos em um sistema de relações eadquirem significação para o indivíduo.Ao ler estas páginas, por exemplo, você está assimilando o que estáescrito (objeto de conhecimento), conforme vai estabelecendo relaçõescom as idéias e os conhecimentos que já possui. As idéias e os conceitosdo texto são organizados e estruturados a partir do que você já conhece.Só assim o texto tem algum sentido para você. 45Segundo Piaget,os reflexos, comoo de preensão,possibilitam aobebê lidar comelementos doambiente,assimilando-os.46Mas, ao mesmo tempo que as idéias e os conceitos do texto sãoincorporados ao sistema de idéias e conceitos que você possui, essasidéias e conceitos já existentes são modificados por aquilo que você leu(assimilou). Esse processo de modificação que se opera nas estruturasde pensamento do indivíduo é chamado por Piaget de acomodação.Tal modo de conceber o funcionamento cognitivo é decorrente domodelo biológico em que Piaget se baseou. Segundo esse modelo, ainteligência é um caso particular de adaptação biológica. Um organis-mo adaptado ao meio é aquele que mantém um equilíbrio em suas tro-cas com o meio. Ou seja, é aquele que interage com o ambiente manten-do um equilíbrio entre suas necessidades de sobrevivência e as dificul-dades e restrições impostas pelo meio. Essa adaptação torna-se possívelgraças aos processos de assimilação e de acomodação (que, juntos,constituem o mecanismo adaptativo), comum a todos os seres vivos.Assim, a inteligência é assimilação por permitir ao indivíduo incor-porar os dados da experiência. E também acomodação, pois os novosdados incorporados acabam por produzir modificações no funciona-mento cognitivo da pessoa. Logo, "a adaptação intelectual, como qual-quer adaptação, é exatamente o equilíbrio progressivo entre o mecanis-mo assimilador e a acomodação complementar" (Azenha, 1994: 26).Ao mesmo tempo que, por meio do processo de assimilação/acomoda-ção, o indivíduo adapta-se ao meio (elaborando seu conhecimento sobreele), o seu próprio funcionamento cognitivo vai se estruturando, se organi-zando. Uma das primeirasformas de organização cognitiva é o esquema.A noção de ésquemaA criança, ao nascer, é dotada de reflexos que sãoreações automáticas desencadeadas por certos estímu-los. Esses reflexos (como o de sucção e o de preensão)possibilitam ao bebê lidar com o ambiente. E atravésdeles que elementos do meio ambiente (como a chupeta,o seio materno, a mamadeira, o patinho de borracha,etc.) vão sendo assimilados pela criança. A assimilação,como vimos, provoca uma transformação dos reflexos,que gradativàmente vão se diferenciando e se tornandomais complexos e flexíveis, deixando de ser simples res-postas estereotipadas a estímulos determinados. Esseprocesso dá origem a esquemas de ação, tais como pe-gar, puxar, sugar, empurrar, etc.Para entender o que é um esquema de ação, pense-mos no esquema de preensão. Um bebê pode pegar,por exemplo, um pequeno cubo de madeira, uma bola,a mamadeira ou o dedo de alguém. Relativamente acada um desses objetos, a ação de pegar apresenta pe-quenas diferenças quanto aos movimentos que a criança realiza. No en-tanto, em todas essas situações a ação da criança apresenta determina-das características que permitem chamá-la de pegar e que a diferenciamde outras ações, como puxar, balançar ou empurrar. O esquema de açãoé, justamente, o que é generalizável em uma ação, o que permitereconhecê-la e diferenciá-la de outras ações, independentemente doobjeto a que se aplica.E por meio dos es-quemas de ação que acriança começa a co-nhecer a realidade, assi-milando-a e atribuindo-lhe significações. Quan-do pega a mamadeira,ela a relaciona a seu es-quema "pegar" e atribui-lhe o sentido de um obje-to "que se pega". Mas acriança também aplica àmamadeira o esquema"sugar". Essas assimila-ções provocam transfor-mações nos esquemas"pegar" e "sugar", à medida que eles são acomodados ao objeto mamadei-ra. Os esquemas "pegar" e "sugar" acabam então por se coordenar.Vê-se que, mediante sucessivas assimilações e acomodações, obebê vai conhecendo os objetos de seu mundo imediato. Eles são orga-nizados em objetos "para olhar", "para pegar", "para sugar", "para em-. purrar", "para morder", "para olhar e pegar", "para pegar e sugar","para pegar e morder", e assim por diante.A organização do real por meio da ação marca o início do desenvolvi-mento cognitivo da criança. De acordo com Piaget, os esquemas de açãoampliam-se, coordenam-se entre si, diferenciam-se e acabam por seinteriorizar, transformando-se em esquemas mentais e dando origem aopensamento. Esse desenvolvimento contínuo dos esquemas se dá no sen-tido de uma adaptação cada vez mais complexa e diferenciada à realidade.A noção de equilibraçãoO processo de desenvolvimento depende, na perspectiva piage-tiana, de fatores internos ligados à maturação, da experiência adquiridapela criança em seu contato com o ambiente e, principalmente, de umprocesso de auto-regulação que ele denomina equilibração.Para Piaget, a equilibração é uma propriedade intrínseca e consti-tutiva da vida mental. Por meio dela é que se mantém um estado deequilíbrio ou de adaptação em relação ao meio. Toda vez que, em nossarelação com o meio, surgem conflitos, contradições ou outros tipos dedificuldade, nossa capacidade de auto-regulação ou equilibração entraA organização doreal, por meio daação, marca oinício dodesenvolvimentocognitivo dacriança.Iwmtau=uusmsm48em ação, no sentido de superá-los. Quando, por exemplo, um bebê tentapegar um objeto pendurado sobre o berço, o objeto pode oferecer algu-ma resistência a seu esquema de pegar, que, em desequilíbrio, obriga-oa modificá-lo ou a coordená-lo com outro esquema, como o de puxar.Essa atividade da criança — a acomodação ou coordenação de seusesquemas de ação — é desencadeada graças à sua capacidade de auto-regulação, com o objetivo de compensar a resistência oferecida peloobjeto e alcançar um novo estado de equilíbrio.Quando falamos em alcançar um novo estado de equilíbrio, quere-mos destacar que o processo de equilibração não consiste numa volta aoestado anterior, mas leva a um estado superior em relação ao inicial. Nocaso de nosso exemplo, o fato de a criança não conseguir pegar o objetojá indica que seus esquemas precisam ser aperfeiçoados. A reequilibra-ção, por meio da acomodação ou da coordenação de seus esquemas,implica uma ultrapassagem da situação anterior, uma abertura para no-vas possibilidades de ação.A concepção sobre estágios de desenvolvimentoPoderíamos dizer, então, que o desenvolvimento, na concepçãopiagetiana, é fundamentalmente um processo de equilibrações sucessi-vas que conduzem a maneiras de agir e de pensar cada vez mais comple-xas e elaboradas. Esse processo apresenta períodos ou estágios definidos,caracterizados pelo surgimento de novas formas de organização mental.Os estágios se sucedem numa ordem fixa de desenvolvimento, sendoum estágio sempre integrado ao seguinte. Além disso, cada estágio se ca-racteriza por uma maneira típica de agir e de pensar e constitui uma formaparticular de equilíbrio em relação ao meio. A passagem de um estágio aoutro se dá através de uma equilibração cada vez mais completa. Ou seja,a criança passa de um estágio a outro de seu desenvolvimento cognitivoquando seus modos de agir e pensar mostram-se insuficientes ou inade-quados para enfrentar os novos problemas que surgem em sua relaçãocom o meio. Essa insuficiência é compensada pela atividade da criança,que acaba por engendrar modos mais elaborados de ação e pensamento.O modelo de desenvolvimento cognitivo de Piaget destaca quatroperíodos principais: o sensório-motor (do nascimento até aproximada-mente os 2 anos de idade), o pré-operatório (dos 2 aos 7 anos), o operatórioconcreto (dos 7 aos 11 anos) e o operatório formal (dos 11 aos 15 anos).Os estágios do desenvolvimento cognitivoO período sensório-motorO desenvolvimento cognitivo se inicia a partir dos reflexos que gra-dualmente se transformam em esquemas de ação. Do nascimento até os 2anos de idade, aproximadamente, a criança passa do nível neonatal, mar-cado pelo funcionamento dos reflexos inatos, para outro em que ela já écapaz de uma organização perceptiva e motora dos fenômenos do meio.De início, reflexos inatos respondem aos estímulos do meio. Luz,sons, contrações faciais. A cabeça volta-se para a direção de onde vêmos sons. Calor, frio, fome, cheiros, choros... O corpo reflete o mundo eainda não se diferencia dele.A criança age sobre o mundo. Ela repetidamente chupa o dedo,suga a pontinha da manga da roupa: movimentos não intencionais, cen-tralizados no seu próprio corpo, se repetem sempre. O reflexo inato desugar assimila, incorpora novos elementos do meio (o dedo, a roupa) eao mesmo tempo vai sendo transformado por eles (acomodação), poissugar o seio é diferente de chupar o dedo, que também é diferente desugar a própria roupa."Para conhecer os objetos, o sujeito tem que agir sobre eles e, porconseguinte, transformá-los: tem que deslocá-los, agrupá-los, com-biná-los, separá-los e juntá-los", afirma Piaget (1983: 14). A consciên-cia da criança sobre o meio ex-terno se expande lentamente,conforme suas ações se deslo-cam de seu próprio corpo paraos objetos. A mão agarra, ache-ga o objeto ao corpo, à boca queexperimenta, empurra-o paralonge de si. As pernas agitam-seem esperneios. Puxar, empur-rar, contrair, distender, apanhar,largar, juntar, espalhar, apertar,afrouxar, são ações que tambémse repetem. Os olhos acompa-nham os movimentos.O centro não é mais o corpo da criança, já que por intermédio des-sas ações a criança manipula os elementos do meio. As ações agora sãorepetidas devido aos efeitos interessantes que produzem, analisa Piaget.Aos poucos, meios e fins vão sendo diferenciados e as ações começama ganhar intencionalidade. A descoberta casual de que a argola agarradaproduz movimentos e sons num brinquedo suspenso acima do berçoleva a criança a repetir o movimento. Ela age para atingir um propósito.Os movimentos ficam mais complexos, mais amplos, como engatinhar,pôr-se de pé, andar.Nesse percurso o eu e o mundo tornam-se progressivamente dis-tintos. O indivíduo e os objetos diferenciam-se e organizam-se no pla-no das ações exteriores, e a permanência dos objetos vai sendoconstruída. O brinquedo, que ao ser retirado da criança deixava deexistir para ela, passa a ser procurado. A criança começa a perceberque os objetos, as pessoas, continuam existindo mesmo quando estãofora do seu campo de visão.A criança repeteseus atos, devidoa seus efeitosinteressantes,que ganhamintencionalidade.49.'50Formam-se as primeiras imagens mentais dos objetos ausentes domeio imediato. São elas que possibilitam o desenvolvimento da funçãosimbólica, mecanismo comum aos diferentes sistemas de representação(jogo, imitação, imagens interiores, simbolização). Com o desenvolvi-mento da função simbólica, a partir do segundo ano de vida, o eu e omundo reorganizam-se num novo plano: o plano representativo.A criança reproduz, ou imita, utilizando gestos ou onomatopéias, ocomportamento e os sons de um modelo ausente, representando-o dealguma forma simbólica no jogo do faz-de-conta. Por meio de uma ima-gem mental, um símbolo, começa a imaginar fatos, objetos, pessoas,acontecimentos que ocorreram em outras ocasiões, procurando re-lembrá-los. O espaço e o tempo se ampliam, à medida que o desenvol-vimento da função simbólica a libera de agir somente em situações domeio imediato. Ela torna-se capaz de imaginar ações ou fatos sempraticá-los efetivamente.O período pré-operatórioRepresentando mentalmente o mundo externo e suas própriasações, a criança os interioriza. E nesse período que ela se torna capaz detratar os objetos como símbolos de outras coisas. O desenvolvimento darepresentação cria as condições para a aquisição da linguagem, pois acapacidade de construir símbolos possibilita a aquisição dos significa-dos sociais (das palavras) existentes no contexto em que ela vive.Nesse momento, a criança deverá reconstruir no plano da repre-sentação aquilo que já havia conquistado no plano da ação prática.Assim, a diferenciação entre o eu e o mundo, que já tinha se completa-do no plano da ação, deverá ser elaborada no plano da representação.Centrada no seu próprio ponto de vista, a criança ainda não é capaz dese colocar no lugar do outro nem de avaliar seu próprio pensamento.Ela não considera mais de um aspecto de um problema ao mesmo tem-po, fixando-se sempre em apenas um deles.Ao repartir o refrigerante com o irmão, a criança só considera apartilha justa se o líquido ficar em altura igual nos dois copos, mesmoque um deles seja visivelmente mais estreito. Ela considera apenas umadimensão do problema (a altura do líquido no copo), a mais evidente emtermos perceptivos. Não é ainda capaz de raciocinar levando em contaas relações entre as várias dimensões envolvidas (a largura e o formatodo copo), e o tipo de percepção que tem dos objetos determina o tipo deraciocínio que faz sobre eles.Nas explicações que dá, o seu ponto de vista prevalece sobre asrelações lógicas. Ela diz coisas como "Ficou de noite porque o sol foidormir", "Quem fez aquele rio foram os homens que moravam ali".Ações humanas explicam os fenômenos naturais, elementos da nature-za praticam ações humanas, são dotados de intencionalidade e quali-dades humanas.Como a noção de permanência dos objetos, que leva muito tempopara ser elaborada no nível sensório-motor, os processos de raciocíniológico e os conceitos demoram também um longo tempo para se desen-volver, a partir desses primeiros raciocínios (pré-lógicos) de que acriança se torna capaz com a representação.O período das operações concretasÉ apenas ao final do período pré-operatório, após equilibraçõessucessivas, que o pensamento da criança assume a forma de operaçõesintelectuais. As operações são ações mentais voltadas para a cons-tatação e a explicação. A classificação e a seriação, por exemplo, sãoações mentais. Essas açõessão sempre reversíveis, ouseja, têm a propriedade devoltar ao ponto de partida.A criança torna-se capazde compreender o ponto devista de outra pessoa e deconceitualizar algumas rela-ções. Portanto, é nessa faseque são estabelecidas as basespara o pensamento lógico,próprio do período final do de-senvolvimento cognitivo.Fonte: Nossas crianças. Abril Cultural, 1970. v. 4.A reversibilidade do pensamento possibilita à criança construirnoções de conservação de massa, volume, etc. O pensamento reversívelpode ser definido como a capacidade de levar em consideração umasérie de operações que, revertidas, conduzem ao estado inicial. E o queocorre, por exemplo, com a noção de conservação de líquidos: umacriança, num nível operatório, é capaz de compreender que a quantida-de de refrigerante contida em um copo permanece a mesma quandodespejada em outro mais alto e mais estreito, embora o nível do líquidose torne mais elevado. Essa capacidade está relacionada à possibilidadeAo final doperíodo pré-operatório, opensamento dacriança começaa assumir aforma deoperaçõesintelectuais.51Somente naadolescência nostornamoscapazes depensa r sobre onosso própriopensamento.52de ela representar mentalmente a operação inversa — o líquidoretornando ao copo original — e, desse modo, compreender que a quan-tidade se mantém invariável, a despeito das alterações perceptíveis. As-sim, se for repartir o refrigerante com o irmão, despejando-o em doiscopos de formatos diferentes, essa criança terá condições (diferente-mente de uma criança menor) de considerar as múltiplas dimensões en-volvidas no problema, estabelecendo relações entre altura e largura docopo e quantidade de líquido.Assim, por meio das operações — inicialmente só aplicáveis a ob-jetos concretos e presentes no ambiente — os conhecimentos cons-truídos anteriormente pela criança vão se transformando em conceitos.O período das operações formaisApenas na adolescência é que o indivíduo se torna capaz de pensarabstratamente, refletindo sobre situações hipotéticas de maneira lógica.As operações mentais que aplicava só a objetos podem ser aplicadas,agora, também a hipóteses formuladas em palavras.O pensamento sobre possibilidades, sobre acontecimentos futuros,sobre conceitos abstratos apresenta-se cada vez mais articulado. O adoles-cente não tem mais necessidade de estar diante dos objetos concretos ou deoperar sobre eles para relacioná-los. Ele transforma os dados da experiên-cia em formulações organizadas e desenvolve conexões lógicas entre elas.O adolescente torna-se, enfim, capaz de pensar sobre o seu própriopensamento, ficando cada vez mais consciente das operações mentaisque realiza ou que pode ou deve realizar diante dos mais variados pro-blemas. Essa consciência a propósito do próprio pensamento "pode serpresumida pelo seguinte tipo, muito citado, de perguntas de adolescen-tes: `Eu me surpreendi pensando acerca do meu futuro e então comeceia pensar por que estava pensando no futuro, e aí comecei a pensar porque eu estava pensando sobre por que eu estava pensando no meu futu-ro"' (Evans, 1980: 116).Pesquisando a criança: o método clínicoEm 1919, trabalhando com Simon na padronização dos testes deinteligência, Piaget voltou sua atenção para as respostas tidas como er-radas dadas pelas crianças que participavam dos testes. Começou a sepreocupar com quais seriam as razões das falhas das crianças em com-preender determinadas coisas, com qual seria o tipo de raciocínio implí-cito em suas respostas.Indagando-se sobre os processos de pensamento que estariam portrás das respostas erradas, Piaget desenvolveu um "método de obser-vação que consiste em deixar a criança falar, anotando-se a maneirapela qual ela desenvolve o seu pensamento. A novidade consiste emdeixar a criança falar, seguindo suas respostas: guiada por elas, a crian-ça é encorajada a falar cada vez mais livremente. Dessa forma, épos-sível obter em cada domínio da inteligência um procedimento clínicode exame que é análogo ao que os psiquiatras adotaram como meiopara a elaboração do diagnóstico. E a resposta da criança que deter-mina parcialmente o próximo passo do experimentador" (Azenha,1994: 105).Piaget chamou esse tipo de procedimento de método clínico. Emalgumas investigações, a criança era incentivada a agir sobre objetos edepois a falar sobre o que havia feito.Uma das situações mais famosas utilizadas por Piaget começavacom duas bolas iguais feitas com massa de modelar. Pedia-se à criançaque as segurasse e perguntava-se se havia ou não a mesma quantidadede massa nas duas bolas.Quando a criança respondia afirmativamente, mudava-se a formade uma das bolas, passando-a para a forma de uma salsicha, porexemplo, e novamente se perguntava à criança se havia na salsicha amesma quantidade de massa que na bola. Algumas crianças diziamque sim, explicando que havia a mesma quantidade porque se se fi-zesse de novo uma bola, esta seria igual à primeira. Outras, maisnovas, davam explicações como "esta tem mais porque é mais com-prida", referindo-se à salsicha.Por meio de situações desse tipo, Piaget procurava compreender amaneira de pensar da criança em diferentes idades. Para ele, não inte-ressava se a criança acertava ou errava ao responder, mas sim a maneiracomo pensava no problema proposto. Seu objetivo era apreender o tipode operação mental que a criança realizava (no caso desse exemplo, eleinvestigava as noções de conservação e a reversibilidade do pensamen-to da criança).Assim, com base nas pesquisas realizadas através do método clíni-co e também na observação direta de seus próprios filhos, especialmen-te nos dezoito primeiros meses de vida, Piaget, auxiliado por inúmeroscolaboradores, foi gradativamente elaborando sua teoria sobre o desen-volvimento cognitivo da criança. 5354Desenvolvimento, aprendizagem e educação: ainfluência da abordagem piagetiana na escolaVimos que, na concepção piagetiana, o desenvolvimento da crian-ça é um processo que depende essencialmente da equilibração, que é acapacidade natural de auto-regulação do indivíduo. As estruturas cog-nitivas da criança são elaboradas e reelaboradas continuamente a partirda sua ação (física ou mental) sobre o meio.De acordo com esse quadro teórico, a aprendizagem praticamentenão interfere no curso do desenvolvimento. A ênfase nos processosinternos e na atividade construtiva da própria criança resulta em umaconcepção que considera a aprendizagem como dependente do pro-cesso de desenvolvimento. Ou seja, aquilo que a criança pode ou nãoaprender é determinado pelo nível de desenvolvimento de suas estru-turas cognitivas.Segundo Piaget, tudo o que é transmitido à criança sem que sejacompatível com seu estágio de desenvolvimento cognitivo não é defato incorporado por ela. A criança pode imitar mecânica e externa-mente o adulto, mas não compreende (e, portanto, não conhece) o queestá fazendo.As formulações de Piaget têm tido grande influência sobre a práti-ca pedagógica, inclusive no Brasil. Ao destacarem o papel ativo dacriança no processo de elaboração do conhecimento, têm sido responsá-veis por idéias como: o papel fundamental da escola é dar à criançaoportunidades de agir sobre os objetos de conhecimento; o professornão deve ser aquele que transmite conhecimentos à criança, mas simum agente facilitador e desafiador de seus processos de elaboração; acriança é quem constrói o seu próprio conhecimento.Sugestão de atividadesOrganizando as informações do texto1. Abaixo estão relacionados os principais conceitos da teoria pia-getiana. Dê o significado de cada um deles.• adaptação;• assimilação;• acomodação;• equilibração;• esquema;• estágio de desenvolvimento.2. Sintetize as principais idéias de Piaget acerca do processo de desen-volvimento.3. Faça uma comparação, apontando as semelhanças e diferenças, entreas maneiras como o desenvolvimento é visto pelas abordagens pia-getiana, inatista-maturacionista e comportamentalista. Compare suaresposta com as de seus colegas, num debate que envolva a classe toda.Refletindo sobre as informações do textoComente uma das afirmações abaixo:▪ "Pelo próprio fato de todo conhecimento ser, ao mesmo tempo,acomodação ao objeto e assimilação do sujeito, o progresso dainteligência (desenvolvimento psicológico) opera no duplo senti-do da exteriorização e da interiorização, e seus dois pólos serão odomínio da experiência física e a conscientização do próprio fun-cionamento intelectual" (Piaget, A construção do real na criança).• "Para conhecer os objetos, o sujeito tem que agir sobre eles e, por con-seguinte, transformá-los: tem que deslocá-los, agrupá-los, combiná-los, separá-los e juntá-los. Nesse sentido, o conhecimento não é nemuma cópia interior dos objetos ou acontecimentos do real, nem o meroreflexo desses objetos e acontecimentos que se imporiam ao sujeito.Ele é uma compreensão do real, construída a partir de modos de açãodo sujeito sobre o meio, dependendo dos dois — sujeito e objeto — aomesmo tempo" (Piaget, A epistemologia genética).• "Cinqüenta anos de experiência ensinaram-nos que não existemconhecimentos resultantes de um simples registro de observações,sem uma estruturação devida às atividades do indivíduo. Mas,tampouco, existem estruturas cognitivas a priori ou inatas: só o 55funcionamento da inteligência é hereditário, e só gera estruturasmediante uma organização de ações sucessivas, exercidas sobre osobjetos" (Piaget. Apud: Piatelli-Palmarini, Teorias da linguagem,teorias da aprendizagem).Capítulo 556Pesquisa de campoVocê já deve ter ouvido falar em construtivismo. Essa palavra, quevem ganhando destaque entre os educadores brasileiros desde a décadade 70, origina-se na teoria piagetiana:"Uma concepção construtivista da inteligência, como acentuaPiaget, incluiria a descrição e a explicação de como se constroem asoperações intelectuais e as estruturas da inteligência, que, mesmonão determinadas por ocasião do nascimento, são gradativamenteelaboradas pela própria necessidade lógica" (Azenha, M. G.Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreiro).Converse com alguns professores da 18 à 4! série e da pré-escola.Pergunte-lhes como definem o construtivismo e o que pensam de suarelação com a educação. Anote suas respostas.Confronte as respostas dos professores com a definição acima. Ela-bore, a partir desse confronto, três conclusões a respeito da relação en-tre as teorias psicológicas e a prática dos professores.Exercitando a análiseRetome os dados das entrevistas com pais e professores realizadasao final do estudo do segundo capítulo. Destaque agora nas respostasdadas por pais e professores aspectos que as associam a uma visão pia-getiana de desenvolvimento.Sugestão de leiturasAZENHA, M. G. Construtivismo: de Piaget a Emilia Ferreiro. São Paulo:Atica, 1994.CASTRO, A. D. Piaget e a pré-escola. São Paulo: Pioneira, 1986.EVANS, R. I. Jean Piaget: o homem e suas idéias. Rio de Janeiro: Fo-rense-Universitária, 1980.PIAGET, J., INHELDER, B. Psicologia da criança. Rio de Janeiro: BertrandBrasil, 1989.RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. A teoria de Jean Piaget e a educação. In: PEN-TEADO, W. A. P. Psicologia e ensino. São Paulo: Papelivros, 1986.Filme recomendadoOs transformadores, documentário apresentado pela TV Cultura (epi-sódio Piaget).A abordagemhistórico-culturalO interesse em explicar como se formaram, ao longo da história dohomem, as características tipicamente humanas de seu comportamentocomo elas se desenvolvem em cada indivíduo constitui a base da abor-dagem histórico-cultural em psicologia, desenvolvida por um grupo depsicólogos soviéticos liderado por L. S. Vygotsky.O princípio orientador da abordagem de Vygotskyé a dimensão sócio-histórica do psiquismo. Segundoesse princípio, tudo o que é especificamente huma-no e distingue o homem de outras espécies origi-na-se de sua vida em sociedade. Seus modos deperceber, de representar, de explicar e de atuarsobre o meio, seus sentimentos em relação aomundo, ao outro e a si mesmo, enfim, seu fun-cionamento psicológico, vão se constituindonas suas relações sociais.A criança, analisam Vygotsky e seus cola-boradores, não nasce em um mundo "natural".Ela nasce em um mundo humano. Começa suavida em meio a objetos e fenômenos criados pe-las gerações que a precederam e vai se aproprian-do deles conforme se relaciona socialmente e parti-cipa das atividades e práticas culturais.Desde o nascimento, a criança está em constanteinteração com os adultos, que compartilham com ela seusmodos de viver, de fazer as coisas, de dizer e de pensar, integrando-aaos significados que foram sendo produzidos e acumulados historica-mente. As atividades que ela realiza, interpretadas pelos adultos, ad-quirem significado no sistema de comportamento social do grupo aque pertence.Nesse processo interativo, as reações naturais — herdadas biologi-camente — de resposta aos estímulos do meio (tais como a percepção, amemória, as ações reflexas, as reações automáticas e as associaçõesL S. Vrgo1skt:57simples) entrelaçam-se aos processos cultu-ralmente organizados e vão se transforman-do em modos de ação, de relação e de repre-sentação caracteristicamente humanos."Podemos dizer que cada indivíduoaprende a ser homem", escreveu Leontiev,um dos psicólogos que integravam o grupode Vygotsky.Assim, de acordo com a perspectiva his-tórico-cultural, a relação entre o homem e omeio físico e social não é natural, total e dire-tamente determinada pela estimulação am-biental. E também não é uma relação deadaptação do organismo ao meio.Questionando as teorias psicológicasde seu tempo, entre as quais aquelas que seapoiavam em modelos biológicos para expli-car o desenvolvimento humano (como asque já estudamos até aqui), Vygotsky desta-cava que, diferentemente das outras espé-cies, o homem, pelo trabalho, transforma omeio produzindo cultura.Para Vygotsky, acriança nasce emum mundohumano.58A transformação do biológico em histórico-culturalO uso de instrumentosQuando sente fome, um animal procura comida na natureza, e seucomportamento, nesse caso, é orientado exclusivamente pelas suas pos-sibilidades e características biológicas (um predador age diferentemen-te de um herbívoro) e pelas resistências ou facilidades que o ambientelhe impõe (abundância ou escassez de alimento, por exemplo).Já o homem cria instrumentos. Pode-se considerar instrumentotudo aquilo que se interpõe entre o homem e o ambiente, ampliando emodificando suas formas de ação. São instrumentos, por exemplo, aenxada, a serra, o arado, as máquinas, usados no trabalho. Criados pelohomem para lhe facilitarem a ação sobre a natureza (o arado, para arar aterra; a serra, para cortar as árvores e transformá-las em madeira, etc.),os instrumentos acabam transformando o próprio comportamento hu-mano, que deixa de ser uma ação direta sobre o meio, controlada apenaspela relação entre as necessidades de sobrevivência e o ambiente. Oinstrumento amplia os modos de ação naturais do homem e seu alcance.Assim, da mesma forma que atua sobre a natureza, transformando-a, ohomem atua sobre si próprio, transformando suas formas de agir.Segundo a abordagem histórico-cultural, a relação entre homem emeio é sempre mediada por produtos culturais humanos, como o instru-mento e o signo, e pelo "outro".Quem foi Vygotsky?Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, Bielo-Rússia, e faleceu prematuramente, aos 38 anos, em 1934, vítimade tuberculose. Concluiu seus estudos em Direito e Filologia naUniversidade de Moscou, em 1917. Posteriormente estudou Me-dicina. Lecionou literatura e psicologia em Gomei, de 1917 a1924, quando se mudou novamente para Moscou, trabalhando,de início, no Instituto de Psicologia e, mais tarde, no Instituto deDefectologia, por ele fundado. Dirigiu, ainda, um Departamen-to de Educação para deficientes físicos e retardados mentais. De1925 a 1934, Vygotsky lecionou psicologia e pedagogia em Mos-cou e Leningrado. Nessa ocasião, iniciou estudo sobre a criseda psicologia, buscando uma alternativa dentro do mate-rialismo dialético para o conflito entre as concepções idealista emecanicista. Tal estudo levou Vygotsky e seu grupo — entre elesA. R. Luria e A. N. Leontiev — a propostas teóricas inovadorassobre temas como: relação entre pensamento e linguagem, natu-reza do processo de desenvolvimento da criança e o papel dainstrução no desenvolvimento.Vygotsky foi ignorado no Ocidente e teve a publicação desuas obras suspensa na União Soviética de 1936 a 1956. Hoje, noentanto, a partir da divulgação feita, seu trabalho vem sendo pro-fundamente estudado e valorizado.A morte prematura de Vygotsky interrompeu uma carreirabrilhante, da qual podemos resgatar hoje importantes contribui-ções. A atualidade dos temas tratados por ele é o sinal mais evi-dente de que estamos diante de uma obra da maior significação.O fundamento básico de suas hipóteses de que os processospsicológicos superiores humanos são mediados pela linguagem eestruturados não em localizações anatômicas fixas no cérebro,mas em sistemas funcionais, dinâmica e historicamente mutáveis,levou-o, juntamente com Luria, por volta de 1930, a se interessarpelo fenômeno da instalação, perda e recuperação de funções aonível do sistema nervoso central. Estes estudos foram continuadospor Luria, após sua morte.(Extraído de Vygotsky. Luria. Leontiev. Linguagem, desenvol-vimento e aprendizagem. São Paulo: iconc/Edusp, 1988.)O uso de signosO signo é comparado por Vygotsky ao instrumento e denominadopor ele "instrumento psicológico". Tudo o que é utilizado pelo homempara representar, evocar ou tornar presente o que está ausente constituium signo: a palavra, o desenho, os símbolos (como a bandeira ou oemblema de um time de futebol), etc.Enquanto o instrumento está orientado externamente, ou seja, paraa modificação do ambiente, o signo é internamente orientado, modifi-cando o funcionamento psicológico do homem..59É através dossignos querealizamosmuitas de nossasações.Utilizamos os signos para desempe-nhar diversas atividades. Anotar umcompromisso na agenda, fazer uma listade convidados, colocar rótulos em obje-tos, usar palitos para fazer contas, contaruma história, seguir uma partitura musi-cal, fazer a planta de uma construção,são formas de utilização de signos queampliam nossas possibilidades de me-mória, raciocínio, planejamento, imagi-nação, etc.De acordo com a concepção históri-co-cultural, é importante considerar quea utilização dos instrumentos e dos sig-nos não se limita à experiência pessoalde um indivíduo.Quando utilizamos um martelo, porexemplo, estamos incorporando a nossasações as experiências das gerações pre-cedentes, uma vez que o próprio martelo,o modo de manipulá-lo e a finalidade deseu uso nos são transmitidos nas nossasrelações com o outro.O acesso à escrita, às notações musicais, às convenções gráficas e àpalavra, por sua vez, também se faz na interação com outras pessoas,sendo uma incorporação de experiências anteriores de determinadogrupo cultural. No caso da linguagem, que é o sistema de signos maisimportante para o homem, os significados das palavras são produto dasrelações históricas entre os homens.Aos poucos a criança aprende a falar e passa a utilizar a própria lin-guagem para regular suas ações, conferir sentido às coisas. Ela pode, aomexer no botão da televisão, por exemplo, dizer "Não pode!". Ou, quan-do tropeça, falar "Caiu!". Ou, quando vê um prato de sopa, falar "Papá!".E na sua relação com o outro que a criança vai se apropriando dassignificações socialmente construídas. Desse modo, é o grupo socialque, por meio da linguagem e das significações, possibilita o acesso aformas culturais de perceber e estruturar a realidade.A partir de suas relaçõescom o outro, a criança recons-trói internamente as formasculturais de ação e pensamen-to, assim como as significaçõese os usos da palavra que foramcom ela compartilhados. A esseprocesso interno de reconstru-ção de uma operação externa,Vygotsky dá o nome de inter-nalização.Na internalização, a ativi-dade interpessoal transforma-se para constituir o funciona-mento interno (intrapessoal)(Góes, 1991).Desse modo, a abordagem histórico-cultural considera que todafunção psicológica se desenvolve em dois planos: primeiro, no da rela-ção entre indivíduos e, depois, no próprio indivíduo. O processo de de-senvolvimento vai do social para o individual, ou seja, as nossas manei-ras de pensar e agir são resultado da apropriação de formas culturais deação e de pensamento.Logo, para Vygotsky as origens e as explicações do funcionamentopsicológico do homem devem ser buscadas nas interações sociais. Eaí que o indivíduo tem acesso aos instrumentos e aos sistemas de signosque possibilitam o desenvolvimento de formas culturais de atividade epermitem estruturar a realidade e o próprio pensamento.Pesquisando a criança: o papel do signo nodesenvolvimentoAo estudar o desenvolvimento da criança, as patologias e a defi-ciência mental, Vygotsky baseou-se em observações e experimentaçãoem situações variadas. Ele defendia a idéia de que o trabalho experi-mental não devia limitar-se a modelos de laboratório divorciados dassituações naturais da vida, podendo ser realizado em situações de brin-cadeira, de aprendizado, nas conversações informais, na escola, na fa-mília ou em um ambiente clínico.O papel do outro e a internalizaçãoA apropriação dos instrumentos e dos signos pelo indivíduo ocorresempre na interação com o outro."O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa atra-vés de uma outra pessoa", escreveu Vygotsky. "Essa estrutura humanacomplexa é o produto de um processo de desenvolvimento profunda-mente enraizado nas ligações entre história individual e história social"(1984: 37).Desde o nascimento, a criança tem com o mundo uma relaçãomediada pelo outro e pela linguagem. O adulto ensina a criança a utili-zar os objetos — ele agita o chocalho diante dela, ajuda-a a pegá-lo,ensina-a a chutar a bola, a comer com talheres, a tomar banho, a vestir-se, a falar ao telefone. O adulto aponta, nomeia, destaca, indica os obje-tos do mundo para a criança, ao mesmo tempo que atribui significaçõesaos seus comportamentos. Quem já viu um adulto lidando com umbebê, sabe que o adulto fala o tempo todo, dando nomes para os objetos,dirigindo a atenção da criança e interpretando tudo o que ela faz.60A criançaconhece o mundopor meio de suasrelações com osoutros.6162Nas situações experimentais por ele criadas, seu objetivo fundamen-tal era o de estudar o processo de constituição da atividade mediada. Ouseja, para Vygotsky interessava investigar os modos como a criança utili-zava os signos para executar tarefas envolvendo, por exemplo, a atenção,a memória, a percepção; os modos de participação do outro na resoluçãodessas tarefas; e os modos como a própria situação estimuladora ia sendoativamente modificada no processo de resposta a ela.Nessas condições, os dados fundamentais do experimento nãoeram as respostas dadas pelas crianças, e sim os modos pelos quais elaschegavam às respostas e as condições em que elas as elaboravam. As-sim, as questões centrais a que o experimentador voltava sua atençãoeram: O que a criança está fazendo? Como ela tenta satisfazer às exi-gências da tarefa que lhe foi proposta? De que recursos lança mão? Quetipo de ajuda solicita, e a quem? O que é um obstáculo, uma dificuldadepara ela na situação? Como ela utiliza as pistas e as ajudas que lhe sãooferecidas durante a realização da atividade experimental?Nos estudos desenvolvidos por Vygotsky e seu grupo, o observa-dor desempenhava um papel diferente do exercido nos outros estudosque vimos até aqui. Como mediador da elaboração da criança, o experi-mentador era mais que um mero observador. Sua participação consti-tuía um dos dados da pesquisa. Ele interagia com a criança, falandocom ela, acolhendo suas dúvidas e comentários, propondo a ela cami-nhos alternativos para a solução da situação-problema, oferecendo-lhe,inclusive, materiais que pudessem ser utilizados de modos diversospara o cumprimento da tarefa. Ele também conversava com a criançasobre as soluções encontradas, procurando ouvir dela própria a explica-ção de como tinha chegado à solução das tarefas.Um experimento desenvolvido por Leontiev para estudar o papeldesempenhado pelos signos mediadores no desenvolvimento da aten-ção voluntária pode ilustrar a forma como trabalhava o grupo de pesqui-sa de Vygotsky.A atenção, assim como a percepção e a memória, é uma atividadepsicológica com a qual nascemos. Como o de outras espécies, nossoorganismo é dotado de mecanismos neurológicos inatos que permitemselecionar estímulos do ambiente apropriados à sobrevivência. Nasce-mos com mecanismos de atenção involuntária, que nos permitem per-ceber e responder automaticamente a ruídos fortes, objetos em movi-mento e mudanças bruscas do ambiente.No entanto, ao longo de nosso desenvolvimento, tornamo-nos ca-pazes de dirigir a atenção não só para os estímulos ligados a nossa so-brevivência, mas também para situações ou elementos que nos interes-sam. Por exemplo, ao lermos determinado livro, dizemos que ele "pren-de nossa atenção", quando somos capazes de ignorar, durante a leitura,os ruídos do ambiente ou o movimento das pessoas em torno de nós. E,na escola, uma criança pode permanecer alheia a tudo o que a professo-ra está explicando ou escrevendo na lousa, a despeito da sua movimen-tação pela classe, do som da sua voz ou do fato de ser diretamente soli-citada a prestar atenção.Ao dirigirmos deliberadamente nossa atenção para estímulos domeio que consideramos relevantes, transformamos aquele mecanismobiológico de atenção involuntária em um mecanismo de atenção volun-tária, em uma atividade psicológica controlada por nós mesmos. Essatransformação, segundo Vygotsky, está relacionada ao significado dosestímulos, o qual vai sendo produzido em nossas relações sociais e naspráticas culturais dos grupos a que pertencemos.Assim, para estudar como um elemento auxiliar externo pode con-trolar e direcionar a atenção da criança, Leontiev utilizou um jogo in-fantil tradicional na Europa, o das palavras proibidas, equivalente aonosso jogo do "sim, não e porquê".O pesquisador participava do jogo fazendo perguntas às crianças,que deveriam responder sem utilizar determinadas palavras, como, porexemplo, azul e vermelho.Num primeiro momento, o pesquisador formulava perguntas como"Qual a cor de sua blusa?", "Qual a cor do céu?", "Qual a cor damaçã?", e as crianças respondiam a elas. Num segundo momento, elefazia as mesmas perguntas mas entregava às crianças cartões coloridosque elas poderiam utilizar, se quisessem e como quisessem.Com a introdução dos cartões (como recurso auxiliar para a execu-ção da tarefa), procurava-se verificar se as crianças os utilizavam ounão como suportes para sua atenção e memória e de que modos o fa-ziam. Algumas crianças não utilizavam os cartões, outras separavam osque apresentavam as cores proibidas e os consultavam antes de respon-der à pergunta, cometendo assim um número menor de erros.Esse resultado foi interpretado como um indicador de que elemen-tos mediadores externos, os cartões, incorporados à atividade da crian-ça, ampliavam sua capacidade de atenção e memória, possibilitando aela ter maior controle voluntário de sua própria atividade.Desenvolvimento, aprendizagem e educação: ainfluência da abordagem histórico-cultural na escolaComo vimos, o desenvolvimento é entendido por Vygotsky como 'um processo de internalização de modos culturais de pensar e agir. Esseprocesso de internalização inicia-se nas relações sociais, nas quais osadultosou as crianças mais velhas, por meio da linguagem, do jogo, do"fazer junto" ou do "fazer para", compartilham com a criança seus sis-temas de pensamento e ação.Embora aponte diferenças entre aprendizado e desenvolvimento,Vygotsky considera que esses dois processos caminham juntos desde oprimeiro dia da vida da criança e que o primeiro — o aprendizado —suscita e impulsiona o segundo — o desenvolvimento. Ou seja, tudoaquilo que a criança aprende com o adulto ou com outra criança maisvelha vai sendo elaborado por ela, vai se incorporando a ela, transfor-mando seus modos de agir e pensar.6364Assim, segundo Vygotsky, o conhecimento do mundo passa pelooutro, sendo a educação "o traço distintivo fundamental da história dopequeno ser humano. A educação pode ser definida como sendo o de-senvolvimento artificial da criança. Ela é o controle artificial dos pro-cessos de desenvolvimento natural. A educação faz mais do que exercerinfluência sobre um certo número de processos evolutivos: ela rees-trutura de modo fundamental todas as funções do comportamento"(1985: 45).Os processos de aprendizado transformam-se em processos de de-senvolvimento, modificando os mecanismos biológicos da espécie.Sendo um processo constituído culturalmente, o desenvolvimento psi-cológico depende das condições sociais em que é produzido, dos modoscomo as relações sociais cotidianas são organizadas e vividas e do aces-so às práticas culturais.Em razão de privilegiar o aprendizado e as suas condições sociaisde produção no processo de desenvolvimento, Vygotsky colocou emdiscussão os indicadores de desenvolvimento utilizados pela psicologiada época.Para avaliar o desenvolvimento de uma criança, os psicólogos con-sideravam apenas as tarefas e as atividades que ela era capaz de realizarsozinha, sem a ajuda de outras pessoas. Procedendo assim, os psicólo-gos, segundo Vygotsky, apreendiam apenas seu nível de desenvolvi-mento real, isto é, "o nível de desenvolvimento das funções mentais dacriança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de desen-volvimento já completados" (Vygotsky, 1984).Ao considerarem apenas o desenvolvimento real, problematizavaVygotsky, os psicólogos voltavam-se para o passado da criança. Ouseja, apreendiam processos de desenvolvimento já concluídos.No entanto, destacava ele, nas situações de vida diária e mesmo naescola, era possível perceber que as atividades que a criança realizavasozinha, por exemplo, comer com a colher, amarrar os sapatos, montaruma torre com peças de tamanhos diversos, escrever, foram antes com-partilhadas com outras pessoas.Sua proposta, então, era a de que se trabalhasse também com osindicadores de desenvolvimento proximal, que revelariam os modos deagir e de pensar ainda em elaboração e que requerem a ajuda do outropara serem realizados. Os indicadores do desenvolvimento proximalseriam as soluções que a criança consegue atingir com ã orientação e acolaboração-de-unladulto ou de outra criança..--`-i' Segundo sua análise, o aprendizado (a atividade interpessoal) pre-.-éede e impulsiona o desenvolvimento, criando zonas de desenvolvi-; mento proximal, ou seja, processos de elaboração compartilhada.---\,_ Observar a atividade compartilhada da criança possibilita olharpara o seu futuro, pois "o que é o desenvolvimento proximal hoje será onível de desenvolvimento real amanhã — ou seja, aquilo que a criança écapaz de fazer com assistência hoje ela será capaz de fazer sozinha ama-nhã" (Vygotsky, 1985).Além disso, o desenvolvimento proximal como desenvolvimentoem elaboração possibilita a participação do adulto no processo deaprendizagem da criança. Para consolidar e dominar autonomamente asatividades e operações culturais, a criança necessita da mediação dooutro. O mero contato da criança com os objetos de conhecimento oumesmo sua imersão em ambientes informadores e estimuladores nãogarahte a aprendizagem nem promove necessariamente o desenvolvi-mento, uma vez que ela não tem, como indivíduo, instrumental paraorganizar ou recriar sozinha o processo cultural (Oliveira, 1995).Portanto, é no campo do desenvolvimento em elaboração que aparticipação do adulto, como pai, professor, parceiro social, se faz ne-cessária. Conforme alertava Vygotsky, "o bom aprendizado é somenteaquele que se adianta ao desenvolvimento" (1984: 101).O papel da escolarizaçãoO modo como Vygotsky concebia e analisava o desenvolvimentohumano levou-o a discutir explicitamente o papel da escolarização. Di-ferentemente de outros psicólogos, Vygotsky considerou as espe-cificidades das relações de conhecimento produzidas na escola, distin-guindo-as das relações de conhecimento cotidianas.Em nossas sociedades, a escola é uma instituição encarregada depossibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com o sistemade leitura e de escrita, com os sistemas de contagem e de mensuração,com os conhecimentos acumulados e organizados pelas diversas disci-plinas científicas, com os modos como esse tipo de conhecimento éelaborado e com alguns dos variados instrumentos de que essas ciênciasse utilizam (mapas, dicionários, réguas, transferidores, máquinas decalcular, etc.).As relações deconhecimentotravadas naescola têm untanatureza distintadas demais.65Embora chegue à escola já dominando inúmeros conhecimentos emodos de funcionamento intelectual necessários à elaboração dos co-nhecimentos científicos sistematizados, durante o processo de educa-ção escolar a criança realiza a reelaboração desses conhecimentos me-diante o estabelecimento de uma nova relação cognitiva com o mundo ecom o seu próprio pensamento.O estudo da aritmética, por exemplo, não começa do zero. Ao che-gar à escola a criança já passou por experiências anteriores relativas aquantidades, determinação de tamanho, operações de divisão, adição,etc. O mesmo acontece quanto à escrita e às operações mentais utiliza-das em situações do cotidiano. Nas brincadeiras, nas tarefas da casa, nascompras que faz para a mãe, a criança, imitando os mais velhos, "escre-ve", classifica, compara, seria, estabelece relações entre os elementosde uma situação, etc. Nessas situações, sem que ela própria e seus par-ceiros sociais percebam, os conhecimentos vão sendo elaborados ao rit-mo da própria vida, entrelaçados às emoções, às necessidades e interes-ses imediatos da atividade em que está envolvida.Na escola, as condições se modificam. Ali as relações de conheci-mento são intencionais e planejadas. A criança sabe que está ali paraapropriar-se de determinado tipo de conhecimentos e de modos de pen-sar e de explicar o mundo, organizados segundo uma lógica que eladeverá apreender.A professora acompanha a criança: orienta sua atenção, destacan-do elementos das situações em estudo considerados relevantes à com-preensão dos conhecimentos nelas implicados; analisa as situaçõespara e com a criança e leva-a a comparar, classificar, estabelecer rela-ções lógicas; demonstra como usar determinados procedimentos damatemática e da escrita; ensina a utilizar o mapa, os equipamentos delaboratório, etc.A criança, por sua vez, raciocina com a professora. Segue suas ex-plicações e instruções, reproduz as operações lógicas realizadas por ela,mesmo sem entendê-las completamente. Nessas situações compartilha-das com a professora, a criança aprende significados, modos de agir ede pensar, e começa a elaborá-los. Ela também re-significa e reestruturasignificados, modos de agir e de pensar, e começa a se dar conta dasatividades mentais que realiza e do conhecimento que está elaborando.Nesse sentido, destaca Vygotsky, a educação escolarizada e o pro-fessor têm um papel singular no desenvolvimento dos indivíduos.Fazendo junto, demonstrando, fornecendo pistas, instruindo, dan-do assistência, o professor interfere no desenvolvimento proximal deseus alunos, contribuindo para a emergência de processos de elabora-ção e de desenvolvimento que não ocorreriam espontaneamente.de leituras 23Capítulo 3 —A abordagem comportamentalista 24Mas o que é comportamento? 25Comportamento e aprendizagem 26Pesquisando a criança: condicionamento e modelagem do comportamento 28A aprendizagem de comportamentos emocionais: uma pesquisa de Watson 28Modelagem do comportamento: as pesquisas de Skinner 29Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a influência docomportamentalismo na escola 31Sugestão de atividades 32Sugestão de leituras 42Capítulo 4—A abordagem piagetiana 43Conhecimento e adaptação: os processos de assimilação e acomodação 45A noção de esquema 46A noção de equilibração 47A concepção sobre estágios de desenvolvimento 48Os estágios do desenvolvimento cognitivo 48O período sensório-motor : 48O período pré-operatório 50O período das operações concretas 51O período das operações formais 52Pesquisando a criança: o método clínico 53 Sugestão de atividades 104Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a influência da abordagem Sugestão de leituras 106plagettana na escola 54Sugestão de atividades 55.............................................................................................. Capítulo 9 — O papel da escola 107Sugestão de leituras 56Filme recomendado 56 Escola é lugar de aprender a aprender, lugar de aprender pensando 109Escola é lugar de compartilhar conhecimentos 110Capítulo 5 —A abordagem histórico-cultural 57 Sugestão de atividades 116A transformação do biológico em histórico-cultural 58O uso de instrumentos 58 Unidade 3 — A brincadeira e o desenho da criançaO uso de signos 59O papel do outro e a internalização ..................................................................... 60Pesquisando a criança: o papel do signo no desenvolvimento 61 Introdução 118Desenvolvimento, aprendizagem e educação: a influência da Capítulo 10 — O papel da brincadeira no desenvolvimento da criança 119abordagem histórico-cultural na escola 63 Por que as crianças brincam? 120O papel da escolarização 65 A assimilação do real ao eu: a concepção de Piaget 120Sugestão de atividades 67 As relações sociais como mundo adulto: a concepção de Vygotsky 121Sugestão de leituras 68 Brincando de estação de trem 123Filmes recomendados 68 Aprendendo a olhar a brincadeira 124Brincadeira é coisa séria 125Capítulo 6 — As abordagens sobre desenvolvimento e aprendizagem Objetos e significados na brincadeira 126e a prática pedagógica 69 O papel da brincadeira no desenvolvimento da criança 127Os diferentes modos de olhar 70 A brincadeira e a função simbólica 127Cada uma das abordagens explica um pouco? 71 A criação de zonas de desenvolvimento proximal 128A atividade da criança como foco de análise 72 Sugestão de atividades 130Sugestão de atividades 73 Sugestão de leituras 131Sugestão de leitura 74Filme recomendado 74 Capítulo 11 —A brincadeira na vida e na escola 132A perspectiva de Piaget sobre o desenvolvimento da brincadeira 132A perspectiva de Vygotsky sobre o desenvolvimento da brincadeira 134Unidade 2 — A elaboração conceituai Brincando, aprendendo e sendo 136Brincando na escola 137Introdução 76 O lugar da brincadeira na escola 139Capítulo 7 —A relação entre pensamento e linguagem 77 Aprender e ensinar a brincar 141O que a psicologia nos diz 80 Sugestão de atividades : 143A linguagem como comportamento 80 Sugestão de leitura 143A linguagem como função da inteligência 81A linguagem como atividade simbólica constitutiva 83 Capítulo 12 — O desenho infantil 144Sugestão de atividades 87 Quando o traço no papel recebe um nome 145Sugestão de leituras 88 A criança desenha o que sabe e não o que vê 147O realismo do desenho infantil: a perspectiva de Luquet 148Capítulo 8 — A criança e a palavra 89 A criança é realista na intenção: a perspectiva de Piaget 150Piaget e o papel da linguagem no desenvolvimento do pensamento O realismo visual é aprendido: a perspectiva de Vygotsky 151lógico: do símbolo individual aos conceitos 89 Sugestão de atividades : 153O desenvolvimento da função simbólica 90 Sugestão de leituras 154Os primeiros esquemas verbais 90O desenvolvimento da elaboração conceituai das palavrasVygotsky e a elaboração conceituai — o desenvolvimento do significado da94 Capítulo 13 — Desenhando na escola Analisando o processo de elaboração do desenho 155157palavra na criança 95 E a criatividade, onde fica? 158As primeiras palavras 96 Desenhando e aprendendo : 159A elaboração das funções analítica e generalizadora da palavra 97 A escola e o desenho 161O pensamento por complexos e os conceitos potenciais 99..................................... "O lápis é o melhor dos olhos..." : 162O papel do outro no desenvolvimento da elaboração conceituai 101Sugestão de atividades 165Sugestão de leituras 166Unidade 4 — O desenvolvimento da escrita na criançaIntrodução 168Capítulo 14 —A escrita e a alfabetização 169Escrita e poder 170Alfabetização e desenvolvimento da escrita 171Sugestão de atividades 174Sugestão de leituras 175Filme recomendado 175Capítulo 15 —As relações da criança com a escrita 176A criança constrói a escrita : :177A criança integra-se às práticas sociais de escrita 180Sugestão de atividades 185Sugestão de leituras 187Filme recomendado : 187Capítulo 16 — O estudo experimental da construção da escrita pela criança 188A metodologia da pesquisa 189As fases do processo de construção da escrita pela criança 190A construção das primeiras formas de diferenciação: o período pré-silábico 190A fonetização da escrita: do período silábico ao período alfabético 193Sugestão de atividades 195Sugestão de leituras 195Capítulo 17 — Da atividade simbólica à simbolização na escrita 196O estudo experimental do simbolismo na escrita 197O procedimento metodológico 197A elaboração pré-instrumental da escrita: dos rabiscos mecânicosàs marcas topográficas 198A elaboração da função instrumental da escrita: o processo dediferenciação das marcas utilizadas 199O processo de alfabetização — a relação entre a escrita primitivada criança e a escrita convencional 205Sugestão de atividades 206Sugestão de leituras 207Capítulo 18 — Escrevendo e lendo na escola 208Por que o fracasso da escola em ensinar a escrita e a leitura? 208Como o convencional tem sido ensinado? 210E as crianças? 211Pra quem, o que e por que escrevo? 212O que é o erro? Os erros são todos iguais? 215Mas como corrigir? 219Sugestão de atividades 221Sugestão de leituras 225Bibliografia 226IntroduçãoCapítulo 1T anta coisa acontece na escola. Professores e criançasaprendem e ensinam, participando de uma rede de re-lações: históricas, sociais, econômicas, pedagógicas,afetivas, intelectuais... São múltiplos os olhares possíveis na tentativade apreender a complexidade dessa instituição.A psicologia é apenas um deles. Tematizando os processos de de-senvolvimento e de aprendizagem, analisando a atividade da criança,ela vem produzindo conhecimentos que nos possibilitam ler e interpre-tar certos aspectos do ensinar e aprender.Mas a psicologia não é única. E múltipla. No decorrer deste século,importantes vertentes teóricas foram construídas e deixaram suas mar-cas na educação. São elas que abordaremos, nesta primeira unidade,tematizando, ainda, a relação entre as teorias e a prática pedagógica.No capítulo 1, apresentaremos um modo de conceber as relaçõesentre psicologia e educação, trazendo também um pouco da históriasocial da criança e do estudo científico existente sobre ela.No capítulo 2, trataremos da abordagem inatista-maturacionista.No capítulo 3, da abordagem comportamentalista.No capítulo 4, da abordagem piagetiana.No capítulo 5, da abordagem histórico-cultural.Nesses quatro capítulos, enfocaremos os conceitos fundamentaisrelacionados a cada uma dessas abordagens,A escola, possibilitando o contato sistemático e intenso dos indi-víduos com os sistemas organizados de conhecimento e fornecendo aeles instrumentos para elaborá-los, mediatiza seu processo de desen-volvimento.Sugestão de atividadesOrganizando as informações do texto1. Faça um resumo do que você compreendeu sobre o papel do signo edas interações sociais na formação do funcionamento psicológicohumano.2. Conceitue mediação e internalização.3. Compare a abordagem histórico-cultural do desenvolvimento hu-mano com as abordagens apresentadas pelo inatismo-matura-cionismo, pelo comportamentalismo e pela teoria piagetiana. Enu-mere as semelhanças e diferenças entre essas abordagens e confron-te-as com as relacionadas por seus colegas, numa discussão envol-vendo a classe.Pesquisa de campoConverse com alguns professores da 1! à 4! série e da pré-escola.Pergunte-lhes como vêem o papel da escola e seu papel de professoresno desenvolvimento da criança. Anote suas respostas.Confronte o que pensam os professores com as reflexões de Vygotskyacerca da relação entre escolarização e desenvolvimento.A seguir, apresente três conclusões a respeito da influência das teo-rias psicológicas do desenvolvimento na prática dos professores.Exercitando a análise1. Retome os dados das entrevistas com pais e professores realizadas aofinal do segundo capítulo. Destaque agora nas respostas dadas pelosdois grupos aspectos que as associam a urna visão histórico-culturalde desenvolvimento.2. Leia o texto `O renascimento de Josela', de Silvia Adoue, publicadona revista Ande, n° 7, 1984.Em pequenos grupos, discutam o papel da professora no processovivido por Josela.Num debate da classe, apresentem a análise elaborada pelo grupo.67Sugestão de leiturasGóES, Maria C. R. de. A natureza social do desenvolvimento psicológi-co. Cadernos Cedes, n° 24. Campinas: Papirus, 1991.LEITE, Luci B. As dimensões interacionista e construtivista em Vygotskye Piaget. Cadernos Cedes, n? 24. Campinas: Papirus, 1991.OLIVEIRA, M. K. Vygotsky — Aprendizado e desenvolvimento: um pro-cesso sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993.. O pensamento de Vygotsky como fonte de reflexão sobre aeducação. Cadernos Cedes, n? 35. Campinas: Papirus, 1995.VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fon-tes, 1984.Filmes recomendadosO enigma de Kaspar Hauser, dirigido por Werner Herzog.`As borboletas de Zagorsky', episódio do documentário Os transforma-dores, apresentado pela TV Cultura de São Paulo.Capítulo 6As abordagens sobredesenvolvimento e aprendiza-gem e a prática pedagógicaQuando estudamos as principais abordagens teóricas acerca do de-senvolvimento e da aprendizagem, logo emerge a questão da relaçãoentre a psicologia e a prática pedagógica. Afinal, para que servem asteorias psicológicas, nos perguntamos.E muito comum ouvir dizer que certo professor é construtivista,outro é vygotskyano, outro behaviorista. Mas o que isso significa? Oque é adotar determinada perspectiva teórica?Essas questões fazem pensar na necessidade de compreender eexplicitar a relação entre a teoria e a prática. O,que é uma teoria? Paraque ela serve?Nos capítulos anteriores, mostramos que a abordagem inatista, porexemplo, foi construída a partir do interesse pelo problema das diferen-ças individuais. E que Piaget elaborou sua psicologia genética a partir desuas preocupações com a gênese e o desenvolvimento do conhecimento.Considerando esses dois exemplos, podemos dizer que as teoriasforam elaboradas para descrever, explicar, interpretar, compreendercertos aspectos da realidade (nesses casos, as diferenças individuais e oconhecimento). E, ainda, que as teorias constituem um corpo de conhe-cimentos sistematizados sobre a realidade, uma espécie de lentes atra-vés das quais se olha o mundo.E a prática, o que é? E a aplicação de uma teoria? Caso fosse, pode-ríamos dizer, por exemplo, que um pai, quando elogia o filho paraincentivá-lo a se comportar da forma que ele considera adequada, estáaplicando a teoria comportamentalista. No entanto, a maioria dos paisque têm esse tipo de conduta nunca ouviram falar em compor-tamentalismo. Como poderiam, então, estar aplicando essa teoria?Mesmo no meio escolar, onde provavelmente as teorias são maisconhecidas, não nos parece correto afirmar que a prática seja aplicaçãoda teoria. Começamos este livro falando da complexidade das relações6'70que ocorrem na escola, da diversidade de fatores presentes no seu coti-diano. Crianças que brigam, choram, inventam, aprendem, perdem olápis, faltam à aula; professores que perdem a paciência, riem, expli-cam, passam tarefas, contam história, recebem ou não recebem salários.Todas essas ações são formas de atividade humana, são práticas cultu-rais cotidianas, e não aplicações de alguma teoria. São parte da realida-de e, assim, tão complexas e multifacetadas quanto a própria realidade.Vivemos as práticas cotidianas em geral irrefletidamente, só paran-do para pensar sobre elas quando algum problema ou algum descom-passo se manifesta. Os problemas e descompassos suscitam questõesque requerem explicações.Quando nos debruçamos sobre a realidade tentando compreendê-lae explicá-la, estabelecemos um novo modo de relação com nossas prá-ticas cotidianas. Olhamos para o que fazemos e somos, analisamos erefletimos sobre o vivido, procurando organizá-lo.Nesse processo de busca de compreensão, vivemos outra práticacultural, a "prática da teorização", e produzimos um conhecimento denatureza distinta do conhecimento baseado na vivência cotidiana. Noesforço para explicar as questões e problemas surgidos no cotidiano,nos obrigamos a "parar para pensar", a olhar de longe as situações vivi-das, tentando apreender seus aspectos essenciais, suas contradições, omodo como seus elementos se articulam, as transformações por quepassam. Procuramos organizar as nossas vivências e nosso próprio pro-cesso de reflexão sobre elas em um sistema explicativo coerente.Por tudo isso, não dá para considerar a prática como aplicação dateoria, nem a teoria como algo que se aplica à prática. A prática é a baseda teoria (que também é uma prática humana de produção de conhecimen-to). E a teoria elaborada é uma reflexão organizada e sistematizada sobreaspectos da prática que nos ajudam a analisá-la, problematizá-la eredefini-la. Nesse sentido, teoria e prática articulam-se dinamicamente.Considerando desse modo a relação entre teoria e prática, podemosdizer que as teorias psicológicas são lentes através das quais olhamos aprática pedagógica e que nos ajudam a compreendê-la.Certamente o modo como o professor lida com a complexidade daprática é determinado pela compreensão que ele tem sobre ela, podendoessa compreensão ser instrumentalizada e mediada pela teoria. Nesse sen-tido, dizemos que o professor não aplica teorias, mas articula teoria e prá-tica, à medida que seus conhecimentos teóricos o ajudam a compreendero que ocorre em sala de aula, marcando suas decisões e seus modos de agir.Os diferentes modos de olharDas quatro principais abordagens existentes na psicologia sobre odesenvolvimento e a aprendizagem, três delas, como vimos, se apóiamde alguma forma em modelos biológicos: a inatista-maturacionista, acomportamentalista e a piagetiana. A outra, a abordagem histórico-cul-tural, questiona os modelos biológicos, considerando-os inadequadospara explicar o pensamento humano, que teria sua origem nas relaçõessociais mediadas pela linguagem.As abordagens maturacionista e piagetiana priorizam o processo dedesenvolvimento como objeto de estudo e enfatizam o papel de fatoresinternos, como a maturação ou a equilibração, na determinação desse pro-cesso. Já os comportamentalistas, considerando que comportamentos,habilidades e pensamentos são aprendidos, destacam a preponderância defatores externos, como os estímulos e os reforçadores, no processo deaprendizagem. Para Vygotsky, tantoo desenvolvimento quanto a aprendi-zagem decorrem das condições sociais em que o indivíduo está imerso.Cada uma dessas perspectivas prioriza, em suas investigações ereflexões, aspectos distintos da vida psíquica e apresenta explicaçõesbastante diferentes sobre os processos de desenvolvimento e de apren-dizagem.Qual delas seria, então, a "certa" ou a "melhor"? Você talvez até játenha simpatizado mais com uma delas, em razão de seu próprio modode pensar sobre o homem e a criança. Ou, o que é muito provável, estarásupondo que cada uma explica certo aspecto do desenvolvimento e daaprendizagem.Com base em sua experiência, você pode achar que algumas crian-ças são mesmo mais inteligentes que outras ("Pode ser hereditário!");que, de fato, as crianças da mesma idade são muito parecidas ("E amaturação"); ou, ainda, que às vezes "esse negócio de reforço funcio-na"; e, também, que as interações sociais são fundamentais.Cada uma das abordagens explica um pouco?De fato, podemos dizer que cada abordagem apresenta contribui-ções diferentes e importantes em relação aos aspectos da vida mental.No entanto, adotar o ponto de vista de que cada uma explica um poucodo processo de aprendizagem e desenvolvimento não é algo tão simplescomo pode parecer.Pensemos, por exemplo, no problema do erro na escola. Todos nóssabemos que as crianças cometem erros em relação à escrita, aos con-ceitos, etc. Como interpretá-los?Na perspectiva comportamentalista, o erro é tomado como umcomportamento inadequado, portanto a ser eliminado. Logo, o profes-sor deve se empenhar para não reforçá-lo positivamente, evitando, as-sim, que o erro, ou o comportamento inadequado, se fixe.Já na perspectiva piagetiana, o erro é considerado como parte doprocesso de construção do conhecimento. O erro que a criança comete(como no caso da conservação, de que falamos no capítulo 4) pode serresultado de sua própria atividade assimilativa, da aplicação dos seusesquemas mentais (ou de ação) a determinado objeto ou conteúdo.Quando a atividade assimilativa resulta em erro, e principalmente se deforma repetida, ocorre uma desequilibração das estruturas cognitivas dacriança. Isso faz com que ela, por meio de sua atividade cognitiva, mo- 7172difique (acomode) seus esquemas, o que resulta em uma reequilibraçãoe, portanto, no aperfeiçoamento de sua maneira de agir e de pensar e emum nível mais complexo de conhecimento sobre o objeto. Logo, o errodeve ser respeitado como um momento do processo de elaboração doconhecimento.As "dificuldades de aprendizagem" apontadas pelos professorestambém têm diferentes interpretações. Na abordagem maturacionista,"as dificuldades de aprendizagem" são consideradas a partir da relaçãode dependência do aprendizado ao desenvolvimento. Assim, se umacriança encontra dificuldade em aprender o que é ensinado na escola,isso talvez se deva à falta de "maturidade" da criança ou a algum atrasoem seu desenvolvimento.A abordagem histórico-cultural, por sua vez, considerando que aaprendizagem produz desenvolvimento, vê as "dificuldades de aprendi-zagem" como relativas às condições em que a relação de ensino é pro-duzida. Uma vez que tanto o desenvolvimento quanto a aprendizagemsão processos que ocorrem no plano das interações sociais, as "dificul-dades de aprendizagem" são enfocadas não como algo inerente à crian-ça, mas às suas condições de produção no contexto interativo em queela se insere.A atividade da criança como foco de análiseOs exemplos considerados acima indicam que as abordagens teóri-cas da psicologia são, muitas vezes, opostas ou contraditórias. Proble-mas como o erro e as dificuldades de aprendizagem são interpretados demodos bastante diferentes, dependendo da perspectiva teórica que seadote. Isso porque cada uma delas apresenta princípios explicativos denatureza distinta, como a maturação e a hereditariedade, o condiciona-mento, a equilibração e a mediação por signos, decorrentes, por sua vez,de diferentes concepções a propósito do ser humano e da criança.Desse modo, a análise da atividade da criança a partir de diferentesabordagens teóricas nos parece ser o caminho mais adequado para apu-rar nossa compreensão sobre suas especificidades.Por isso, na segunda parte deste livro, você será convidado a olharpara a atividade da criança — seus processos de elaboração conceitual,suas brincadeiras, desenhos e escrita — na situação de produção na es-cola e em outros contextos, a partir das contribuições de Piáget e deVygotsky. Guiados pelas indicações de ambos, vamos nos aproximar dodesenvolvimento da atividade da criança, prestando atenção ao que elafaz e diz e às relações que estabelece com outras crianças e com osadultos.Sugestão de atividadesPapel dos fatoresinternos e externosno desenvolvimentoRelação entredesenvolvimento eaprendizagemPrincipaisrepresentantesRefletindo sobre o textoNeste capítulo, fizemos algumas considerações sobre como as teo-rias psicológicas se relacionam com a prática pedagógica. Agora, empequenos grupos, sintetizem o que foi visto até o momento, orientando-se pelos itens do quadro acima.Exercitando a análise1. Reveja as situações que você observou na escola (atividade do capí-tulo 1) e destaque uma que, do seu ponto de vista, pode ser explicadasob a perspectiva de uma das abordagens teóricas estudadas até ago-ra. Esboce a interpretação da situação com base na perspectiva teóri-ca escolhida e justifique-a.2. Reveja as perguntas que você enumerou (também como atividade docapítulo 1) e tente responder a elas com base nas quatro abordagensestudadas.Seminários e debatesApresentamos a seguir uma relação de textos que abordam, sobdiferentes perspectivas, questões relativas ao desenvolvimento e àaprendizagem, tais como a inteligência da criança, as dificuldadesde aprendizagem e os atrasos no desenvolvimento.Organizando as informações do textoReproduza o quadro a seguir em seu caderno e preencha-o:Contribuições paraa prática pedagógicaAbordageminatista-maturacionistaAbordagemcomportamentalistaAbordagempiagetiana1Abordagemhistórico-cultural73CARRAHER, T. N. et alii. Cultura, escola, ideologia e cognição — Conti-nuando um debate. Cadernos de Pesquisa, n? 57, maio/86. São Pau-lo: Fundação Carlos Chagas.FREITAG, B. Piagetianos brasileiros em desacordo? Contribuições paraum debate. Cadernos de Pesquisa, n? 53, maio/85. São Paulo: Fun-dação Carlos Chagas.MORO, M. L. A construção da inteligência e a aprendizagem escolar decrianças de baixa renda — Uma contribuição para o debate. Cader-nos de Pesquisa, n? 56, fev./86. São Paulo: Fundação Carlos Chagas.PATrO, M. H. S. Criança da escola pública: deficiente, diferente ou maltrabalhada?. Revendo a proposta de alfabetização. Projeto Ipê. SãoPaulo: SE/CENP, 1985.A criança marginalizada para os piagetianos brasileiros; de-ficiente ou não?. Cadernos de Pesquisa, n? 51, nov./84. São Paulo:Fundação Carlos Chagas.SMOLKA, A. L. B. O trabalho pedagógico na diversidade (adversidade)da sala de aula. Cadernos Cedes, n? 23. São Paulo: Cortez, .1989.et alii. A questão dos indicadores de desenvolvimento:apontamentos para discussão. Caderno de Desenvolvimento Infan-til, n? 1, 1994. Curitiba: Centro Regional de Desenvolvimento In-fantil da Pastoral da Criança/CNBB.Com a classe organizada em grupos, cada um deles deve ficar res-ponsável pela leitura, estudo e apresentação de um dos textos.Procure destacar os pontos mais importantes do texto e identificar,com base nesta primeira parte do livro, a abordagem teórica adotada oucriticada pelos diversos autores.Depois da apresentação de cada grupo (que pode ser feita em maisde uma aula), faça com os colegas um debate sobre as questões tratadasnos textos e sobre os diferentes modos de ver a criança e o trabalhopedagógico presentes na psicologia.Sugestão de leituraSMOLKA, A. L. B., LAPLANE, A. F. O trabalho em sala de aula: teorias paraquê? Cadernos ESE, n? 1,nov./93. Rio de Janeiro: Faculdade deEducação da Universidade Federal Fluminense.Filme recomendadoCrescer e aprender — Um guia para pais, documentário realizado peloUnicef e apresentado pela TV Cultura de São Paulo.Unidade 274IntroduçãoA palavra integra nossas relações com a criança já apartir de seu nascimento. Falamos com a criançamuito antes que ela comece a falar ou, mesmo, a nosentender. Como pais, tios, avós, irmãos, sabemos que em certo momen-to ela vai começar a falar e encaramos esse fato como algo natural epróprio do ser humano.Em nossas relações cotidianas, vamos compartilhando com acriança em crescimento as palavras que conhecemos e por meio dasquais nomeamos, organizamos e participamos do mundo em que vive-mos. Esse compartilhamento também nos parece corriqueiro e natural,e muitas vezes divertido, pois acabamos nos surpreendendo com algu-mas das coisas que as crianças nos dizem.Quando a criança chega à escola, nós, educadores, continuamosensinando-lhe novas palavras, como adição, subtração, fração, substan-tivo, verbo, silaba, ponto final, pátria, cultura, monarquia, república,escravidão, sistema circulatório, célula, oxigênio, atmosfera, energia,clima, relevo, etc. Essas palavras expressam relações complexas que oshomens, ao longo de sua história, foram estabelecendo entre os elemen-tos do mundo, no seu esforço para conhecê-los e explicá-los. Por tudoisso, consideramos necessário que a criança as conheça e saiba utilizá-las adequadamente. Esforçamo-nos, então, para que ela as aprenda. Eesse aprendizado também nos parece natural.Assim, como adultos, ou membros mais velhos dos grupos sociaisde que a criança faz parte, não temos o hábito de nos interrogar acercados modos pelos quais ela, criança, se relaciona com as palavras. O queé a palavra para a criança? Como é que ela se apropria das palavras ecomo elabora seus significados? Que papel, afinal, nós, adultos, desem-penhamos nesse processo?Entretanto essas questões têm, há muito tempo, preocupado filóso-fos, lingüistas, psicólogos, educadores, que têm se voltado, cada um emseu campo de estudo, para a busca de explicações e respostas a elas.Nesta segunda unidade, vamos tematizá-las a partir das perspecti-vas de Piaget e de Vygotsky.No capítulo 7, vamos problematizar as funções da palavra e nosaproximar dos modos como esses dois autores analisam e explicamsuas relações com o pensamento.No capítulo 8, focalizaremos como cada um deles descreve e expli-ca o processo de elaboração da palavra pela/na criança.No capítulo 9, vamos discutir o papel da escola na elaboração da pala-vra pela criança, tendo em vista essas duas importantes contribuições.Capítulo 7A relação entre pensamentoe linguagemCampinas, agosto de 1987.Numa sala de aula da 3? série de uma escola pública da periferia, adiretora entra e comunica à professora e aos alunos que, na semana se-guinte, a escola toda deverá comemorar a Semana da Pátria.— "Todas as manhãs vamos hastear a bandeira, cantar oHino e um dos professores falará sobre a data."Voltando-se para a professora:— "Prepare as crianças."A saída da diretora, têm início os comentários.Juliana (para Fabiana) — "A tia vai dar desenho pra gentepintar, né?!"Eli (para o colega ao lado) — "Que negócio que ela falou dabandeira?"Eli (para a professora) — "A gente vai enfeitar a classe combandeirinha verde e amarela? Foi isso que ela falou?"Cláudio (comentando com Sérgio) — "A gente vai ter quecantar o hino..."Sérgio — "Mas é lá fora. Dá pra ficar de olho nas meninas da4fsérie, meu!"Elaine (para a professora) — "É' sete de setembro, né, tia?!"João (para Sérgio) — "E feriado..."A professora, diante dos comentários suscitados pelo comuni-cado, e procurando identificar de que modo atender à solicitada"preparação das crianças" para o evento, escreve na lousa —SEMANA DA PÁTRIA — e pergunta para a classe:— "O que significa Semana da Pátria?"Sérgio — "Semana é semana. Segunda, terça, quarta..."Proff— "E isso mesmo. E Pátria? O que é Pátria?"As respostas disparam rapidamente, com firmeza.Fabiana — "Pátria é coisa de soldado."Para as crianças,o 7 de Setembrotem diversossignificados.78Ronaldo — "É isso que eu ia falar. É coisa de polícia, de bom-beiro. Eles desfilam lá na cidade. Passa na TV também."Juliana — "A gente sempre pinta o desenho do soldadinhocom a bandeirinha e escreve em cima — Semana da Pátria."Proff — "Então Pátria é coisa de soldado? Quem aqui temPátria?"Sérgio — "Povão não tem Pátria, dona."Prof!'— "Por quê?"Sérgio — "A gente não tem casa, não tem dinheiro, o pai virae mexe tá desempregado... A gente não tem nada. Não tem Pátriatambém."(Episódio extraído do Projeto de Pesquisa sobre os Processos deElaboração Conceitua) na Escola, elaborado e desenvolvido porRoseli A. C. Fontana de 1987 a 1991.)Sobre o que fala a dire-tora? Para quê? A quem sedirige?Ela comunica um even-to às crianças, determina apresença delas e da profes-sora nesse evento, revela ex-pectativas com relação a ta-refas a serem assumidas pelaprofessora (preparação) epelas crianças (afinal, sãoelas as pessoas que devemser preparadas para o even-to). E nesse contexto e na si-tuação de autoridade escolarque ela diz a palavra pátria.Sobre o que falam as crianças? A quem se dirigem? Para que dizemo que dizem?Elas compartilham entre si e com a professora os modos como serelacionam com as palavras da diretora. Algumas procuram obter maisesclarecimentos, levantando suposições e pedindo confirmações acercado que pode vir a acontecer na escola: "A tia vai dar desenho pra gentepintar, né!?"; "A gente vai enfeitar a classe com bandeirinha verde eamarela?". Outras procuram confirmar com a professora as informa-ções que relacionam com aquilo que foi dito pela diretora: "É sete desetembro, né, tia?!". Outras, ainda, procuram esclarecer aspectos docomunicado que não conseguiram entender: "Que negócio que ela fa-lou da bandeira?".Os dizeres das crianças se cruzam e trazem para a interlocução ou-tros elementos e outras possibilidades de significação do comunicadoda diretora. Por exemplo, João, ouvindo de Elaine a referência ao 7 deSetembro, fala do feriado, desencadeando para seus colegas outras pos-sibilidades de leitura da fala da diretora. Cláudio, ao ouvir a referênciaao Hino, enfatiza "o cantar lá fora", que é "lido" por Sérgio como apossibilidade de paquerar.No processo de elaboração das palavras pelas crianças, o eventocomunicado pela diretora vai se revestindo de nuances e sentidos diver-sos daqueles destacados por ela. Desenhos, bandeirinhas, feriado,paquera... tudo isso é Semana da Pátria também.Ao perguntar "o que é pátria?", a professora apresenta às criançasoutro modo de relação com a palavra. Ela desloca as crianças da relaçãode uso da palavra para uma relação de reflexão sobre a palavra.Para responderem à professora, as crianças precisam refletir sobreo que pensam que a palavra pátria significa. Precisam explicitar o seumodo de pensar.O dizer da professora imprime uma direção à atividade intelectivadas crianças. Pela palavra ela age sobre suas elaborações. Ela destaca apalavra pátria, transformando-a no foco da atividade das crianças. Elapergunta sobre seu significado, questiona o significado apresentado pe-las crianças pedindo que justifiquem as relações que estabelecem entrea palavra pátria e outras palavras, como soldado e povão.E em resposta a ela que as crianças selecionam e articulam os frag-mentos de suas experiências, orientadas pela palavra pátria. Na respos-ta a ela, organizam a compreensão da palavra a partir do lugar socialque ocupam: alunos na escola, espectadores nos desfiles, marginaliza-dos no processo de produção e circulação dos bens culturais na socieda-de em que vivem.Ao prestarmos atenção à linguagem em funcionamento nasinterlocuções, vamos nos dando conta da complexidade da palavra.Ela é múltipla e diversa, conforme diz o poeta:Chega mais perto e contempla as palavras.Cada umatem mil faces secretas sob a face neutrae te pergunta, sem interesse pela respostapobre ou terrível, que lhe deres:Trouxeste a chave?(Carlos Drummond de Andrade)Pela palavra nomeamos o mundo e somos nomeados. Objetos, co-res e formas, modos de ser, de dizer e de fazer, o que existe e o quepoderá existir, tudo tem nome, tudo pode ser nomeado. Pátria também éSituações como essa acontecem nas salas de aula. E, ao acontece-rem, surpreendem, porque levantam questões acerca de nossas relaçõescom a palavra...O que dizemos, o que queremos dizer ao enunciar a palavra pátria?O que o outro quer dizer quando enuncia pátria?Na situação que inicia o capítulo, podemos perceber que a palavrapátria não tem um sentido só. Na fala da diretora, na fala da professora,na fala das crianças, ela assume nuances distintas, que são marcadaspela situação em que foi enunciada..7980nome. Nome de quê? "Pátria é coisa de soldado", dizem as crianças("... mil faces secretas... ").Nomeados nos tornamosAna, João, Marina, Mariana, Beto ou Rafael,pai, filho, irmão, a professora, a "tia", a criança impossível, o herói.Mas a mesma palavra que serve para nomear, instituir, também ser-ve para negar: "Você não é mais a minha mãe!", resmunga ou grita acriança contrariada. "Povão não tem pátria", diz Sérgio.As palavras nos permitem compartilhar experiências, pensamen-tos, sentimentos, e também ocultá-los, pois é pela palavra que menti-mos, que "desconversamos" ("Trouxeste a chave?").Por elas e com elas agimos com o outro e sobre o outro: apontamos,dirigimos a atenção, pedimos, prometemos, damos ordens, negocia-mos, discutimos, polemizamos, trapaceamos."... mil faces secretas sob a face neutra..."Por elas e com elas nos aproximamos do outro. Acolhemos suapalavra, ouvimos e reconhecemos nos seus modos de dizer os fragmen-tos da realidade a que dirige sua atenção, os modos como apreende arealidade e como a organiza. Aprendemos.Por elas e com elas nos opomos ao outro. Recusamos sua palavra.Lutamos com elas e contra elas. E também aprendemos.Por entre elas nos perdemos do outro e o buscamos por entre oscaminhos nos quais procura ocultar-se.Por entre elas e com elas vamos nos apropriando da história ousendo colocados à sua margem; vamos nos apossando das crenças, dosgostos, dos valores, enfim, dos modos de viver, de pensar e de conhecerdo nosso tempo.No jogo das palavras, construímos a nossa própria identidade, di-zemos o mundo e nos dizemos no mundo. "Povão não tem pátria,dona!" Mas também é pela palavra que interrogamos essa mesma iden-tidade e suspeitamos dela: "Eu, quem eu era? De que lado eu era?"(João Guimarães Rosa).Afirmação e negação, encontro e desencontro, verdade e trapaça,centro e margem. Como as palavras chegam a ser palavras? Como seussignificados e sentidos se produzem e circulam nas interlocuções?Como elas se tomam parte de nós?Essas questões são intrigantes e tão grandes quanto o homem. Des-de os gregos elas vêm sendo formuladas e discutidas, e rediscutidas, enovamente formuladas.Na psicologia, como em outras áreas do conhecimento, essas ques-tões têm sido respondidas de modos diversos.O que a psicologia nos dizA linguagem como comportamentoWatson e Skinner consideram a linguagem como comportamento:o comportamento verbal.Como todo comportamento, as palavras são respostas aprendidaspor associação e reforçamento. A palavra e seu significado se unem apartir de relações externas. O elo entre a palavra e seu significado seforma pela reiterada percepção simultânea de determinado som e dedeterminado objeto. Assim, a palavra tem significado conforme remeteao objeto a que foi associada.A conexão entre palavra e significado pode fortalecer-se, enfraque-cer, ser extinta ou ampliada em razão das contingências reforçadorasque acompanham as respostas dadas pelo indivíduo. Por exemplo, auma criança que já relaciona a palavra fruta ao elemento laranja, pode-mos ensinar o emprego generalizado dessa palavra, associando-a a ou-tros elementos, como maçã, pêra, mamão, banana, por meio da modela-gem de suas respostas. Do mesmo modo, também podemos extinguirconexões entre palavra e significado consideradas inadequadas peloprocesso de controle das respostas por contingências externas.Nesse quadro de referências, as palavras sofrem mudanças pura-mente externas e quantitativas. Elas são associadas a outros elementos eeventos do meio ou têm parte de suas conexões extinta.Como as conexões entre palavra e significado são externas (sãoobjetivas, no dizer dos comportamentalistas), podemos aferir o grau decorreção, de adequação com que a criança utiliza a palavra.A linguagem como função da inteligênciaSegundo Piaget, "a linguagem só é acessível à criança em funçãodos progressos de seu pensamento" (1975: 345).Até os 2 anos de idade, aproximadamente, a linguagem tem umpapel insignificante no desenvolvimento da criança, porque suas for-mas de agir sobre o mundo e de compreendê-lo são individuais econstruídas no plano da ação imediata. A criança se relaciona com omundo e o elabora por meio dos seus sentidos e de seus movimentos(período sensório-motor).Da inteligência sensório-motora deriva a função simbólica, quepermite à criança desprender-se do seu contexto imediato. A funçãosimbólica, vista como possibilidade de representação, é analisada porPiaget como um processo individual que cria condições para a aquisi-ção e o desenvolvimento da linguagem."A função simbólica", afirma Piaget, "é um mecanismo individualcuja existência prévia é necessária para tornar possível [...] a constitui-ção ou aquisição das significações coletivas" (1975: 14).Nessa afirmação de Piaget, fica evidenciada sua concepção de lin-guagem. A linguagem integra-se à função simbólica. Ela não é sua cau-sa e sim seu resultado. Ela também é apenas um caso particular dasformas de simbolização."A linguagem é certamente um caso particular, especialmente im-portante, não o nego, mas um caso limitado no conjunto das manifesta-ções da função simbólica" (Piatelli-Palmarini, 1979: 248). Ela diz res-peito aos sistemas de signos coletivos que transmitem ao indivíduo uma 8182série de conceitos, um sistema pronto de classificações e de relações,que vão sendo apreendidos e elaborados por ele de acordo com seusesquemas de ação e de pensamento.Assim, no processo de aquisição da linguagem, os significados daspalavras não são diretamente incorporados pela criança. As palavrasnão se imprimem nela como se se tratasse de uma placa fotográfica. Elaelabora ativamente as palavras com base em seus esquemas de assimi-lação, construindo significados que nem sempre correspondem aos sig-nificados utilizados por nós, adultos.Se atentarmos, por exemplo, nas definições que as crianças deramde pátria, na situação descrita no início deste capítulo, vamos perceberque elas diferem da definição que um adulto em geral lhe dá (pátria =país onde nascemos), ou da que aparece num dicionário, em que éenfatizado o sentido genérico de terra natal, país onde nascemos, lugarde origem, nação, além do sentido afetivo de comunidade moral e histó-rica. Na fala das crianças, o sentido da palavra pátria está relacionado asuas experiências anteriores, na escola e fora dela (desenhos para colo-rir, classe enfeitada, os desfiles, os soldados), a suas condições imedia-tas de vida (falta de moradia, falta de dinheiro, desemprego) e até mes-mo a interesses pessoais projetados na comemoração escolar (a pa-quera, o feriado).Essas diferentes formas de entendimento entre crianças e professo-ra, segundo Piaget, resultam das diferenças qualitativas entre o pensa-mento infantil e o pensamento adulto.Somente o desenvolvimento do pensamento operatório (tratado nocapítulo 4) é que vai possibilitar ao sujeito apreender as relações lógi-cas, de abstração (atividade mental por meio da qual identificamos eseparamos os elementos que compõemum todo) e de generalização(processo mental inverso e complementar da abstração que nos possibi-lita agrupar vários objetos singulares de acordo com os caracteres co-muns que neles reconhecemos), contidas nas palavras.Como no pensamento operatório o conhecimento não se constróimais a partir de operações sobre o objeto imediato, e, sim, sobre proposi-ções e hipóteses enunciadas verbalmente, a palavra toma-se uma condi-ção necessária, embora não suficiente, do conhecimento lógico-abstrato.Para termos uma idéia mais clara das relações entre o conhecimen-to lógico-abstrato e as palavras, tal como vistas por Piaget, vamos pen-sar no processo de elaboração de conhecimento que, ao longo da leituradeste texto, você está vivendo.Todas as explicações e suposições elaboradas por Piaget estão sen-do apresentadas a você através de conceitos (assimilação, acomodação,pensamento operatório, etc.). Mesmo quando procuramos exemplificarcom algumas situações o que estamos expondo, é por meio das palavrasque o fazemos. Durante a leitura você não está observando crianças,nem está em interação direta com elas. Você está elaborando as infor-mações que damos num plano inteiramente abstrato. Como destaca opróprio Piaget, é difícil imaginar como se desenvolveriam relações deconhecimento dessa natureza sem o emprego da palavra. No entanto, aformalização dessas idéias não se limita à palavra. Para apreender eelaborar de maneira lógica os conceitos que estamos utilizando, seupsiquismo está trabalhando intensamente. Você está realizando váriasoperações de pensamento. São essas operações que lhe possibilitamapreender a lógica do que estamos informando. Ou seja, a lógica depen-de do modo de pensar construído e não da palavra em si, embora estaseja uma condição necessária à elaboração desse tipo de conhecimento."O progresso da linguagem não traz em si um correspondenteprogresso em operações, ao passo que o inverso é uma realidade",afirma Piaget.No processo de desenvolvimento psicológico dos indivíduos a pa-lavra passa, então, da condição de um mero apêndice das estruturas depensamento para a condição de parte integrante do pensamento abstrato(Freitag, 1986).Uma vez que a linguagem segue o desenvolvimento do pensamen-to até tomar-se parte dele, as formas como as palavras são usadas e ossignificados atribuídos a elas refletem os níveis de desenvolvimentocognitivo, permitindo-nos considerá-la como um mapa do pensamento.A linguagem como atividade simbólica constitutivaNa abordagem histórico-cultural, a palavra não é analisada comouma das nossas funções simbólicas, mas como nosso sistema simbólicobásico, produzido a partir da necessidade de intercâmbio entre os indiví-duos durante o trabalho, atividade especificamente humana. Para agir co-letivamente o homem teve que criar um sistema de signos que permitissea troca de informações específicas e a ação conjunta sobre o mundo, combase em significados compartilhados pelos indivíduos (Kohl: 1993).Vista dessa perspectiva, a linguagem é um produto histórico esignificante da atividade mental dos homens, mobilizada a serviço dacomunicação, do conhecimento e da resolução de problemas.Não se trata de algo que se acrescenta às representações, ações edesenvolvimento individuais, como considera Piaget. Ela é constitutiva(é a base) da atividade mental humana, sendo, ao mesmo tempo, umprocesso pessoal e social: tem origem e se realiza nas relações entreindivíduos organizados socialmente, é meio de comunicação entre eles,mas também constitui a reflexão, a compreensão e a elaboração daspróprias experiências e da consciência de si mesmo.Como produção cultural humana, a palavra não se desenvolve emnós naturalmente. E nas nossas relações com o outro, nas nossasinterações, que ela vai sendo incorporada a nossas funções biológicas, anossos modos de perceber e de organizar (conhecer) o mundo.Nascida num mundo humano repleto de símbolos e de signos, acriança, desde seus primeiros momentos de vida, está mergulhada emum sistema de significações sociais. Os adultos procuram ativamentefazer com que a criança incorpore os significados, objetos e modos deagir criados pelas gerações precedentes. 83A criança aindanão entende, masa mãe falacom ela,apresentando-lheo Inundo.84Mesmo sabendo que a criança ain-da não a entende, a mãe fala com ela,"envolvendo-a em um colo de pala-vras ternas e quentes", observa poeti-camente Giani Rodari, jornalista eeducador italiano. A mãe fala à criançadando significado a seus movimentos,choros e risos.Pela palavra da mãe, o choro trans-forma-se em chamado, e o movimentofrustrado de agarrar, inscrito no ar pe-las mãos de um bebê voltadas para umobjeto qualquer, transforma-se em ges-to de apontar.A mãe, observando as tentativas da criança para agarrar o objeto,entrega-o a ela, interpretando seu movimento: "Ela quer esta bola".Nesse momento um significado é atribuído pela mãe ao movimento dobebê, transformando-o em gesto. A transformação do movimento emgesto produzida pelas pessoas que cercam a criança vai sendo incorpo-rada por ela ao longo de experiências semelhantes. Nesse processo, acriança passa a utilizar o movimento de pegar não mais como uma ten-tativa de agarrar o objeto, mas como um gesto dirigido às pessoas que acercam. O movimento de agarrar suaviza-se e tem agora outro signifi-cado, "Quero aquela bola", e outro destinatário, o adulto.E pela interpretação e nomeação feitas pelo ou-tro que os movimentos do corpo convertem-se emgestos, apuram-se e tornam-se mais complexos. Osmovimentos transformados em gestos são meios decomunicação, modos de manifestar e apreender de-sejos, intenções, emoções, informações, formas dedirecionar e controlar (reciprocamente) os compor-tamentos dos sujeitos envolvidos na interação. Pelaimitação, pela repetição, no ritual das relações so-ciais cotidianas, a criança aprende a dizer o que quere a entender o outro pelo gesto.O mesmo acontece com o balbucio, que setransforma em esboço de fala. E a mãe ou alguémmais velho do que a criança e em interação com elaque atribui inicialmente significados a eles.O universo da linguagem chega à criança me-diado pelos outros membros de seu grupo social. Amãe fala à criança nomeando o mundo. Ela nomeia,aponta, compartilha significados com a criança.Nessas relações, o mundo vai-se povoando de obje-tos, de cores e de formas, de gente diversa, com no-mes e modos de ser, de dizer e de fazer também diversos. O mundopovoa-se de palavras, pois tudo o que se percebe, tudo o que se sente,tudo o que se faz, tudo o que se é e também o que não se é, tudo o que sedeseja e imagina, tem nome, pode ter nome, é dito, pode ser dito...Nesse sentido, a linguagem não é algo estranho à criança que ain-da não fala. Seu desenvolvimento não depende apenas de fatores in-trínsecos à criança ou de seus modos de ação sobre o objeto. Dependedas possibilidades que essa criança tem (ou não), nas suas relaçõessociais, de se aproximar, de compartilhar e de elaborar os conteúdos eas formas de organização do conhecimento histórica e culturalmentedesenvolvidos e materializados nas palavras.A elaboração do mundo tem como intermediário o outro. Por suamediação, revestida de gestos, atos e palavras, vamos nos integrando àcultura, vamos aprendendo a ser humanos. Pela palavra do outro, porsua presença, pelo seu reconhecimento e encorajamento a cada pequenoevento que indica nossa progressiva humanização, nos reconhecemos.Somos nomeados e nomeamos...A palavra, portanto, não é apenas adquirida por nós no curso dodesenvolvimento. Ela nos constitui e nos transforma. Com suas fun-ções designativa e conceitual, a palavra é mediadora de todo nossoprocesso de elaboração do mundo e de nós mesmos. Ela objetiva esseprocesso, integra-o e direciona a atividade mental por nós desenvolvi-da. "O desenvolvimento intelectual da criança", diz Vygotsky, expres-sando um ponto de vista contrário ao defendido porPiaget, "dependedo seu domínio dos meios sociais de pensamento, ou seja, da lingua-gem" (1979: 73).Nesse processo, palavra e pensamento fundem-se. Uma palavrasem significado é um som vazio, afirma Vygotsky, da mesma forma queum pensamento que não se materializa em palavras se perde. A palavranão é apenas expressão ou comunicação do pensamento. , Ela é um atode pensamento. E por meio das palavras que o pensamento passa a exis-tir. Nas palavras ele encontra sua realidade e sua forma. "Esqueci a pa-lavra que pretendia dizer, e meu pensamento, privado de sua substância,volta ao reino das sombras", reflete Vygotsky, citando o poeta russoMandelshtam.Não se trata, portanto, de vestir as palavras com o pensamento,considera Vygotsky, nem de vestir o pensamento com palavras. Pen-samento e palavra se articulam dinamicamente na prática social dalinguagem.Nesse sentido, as palavras não são formas isoladas e imutáveis.Elas são produzidas na dinâmica social, seus significados não são es-táticos. Uma palavra que nasce para designar um conceito vai sofren-do modificações, vai sendo reelaborada no jogo das práticas e dasforças sociais.Por exemplo, a palavra cultura (do latim colere, "cultivar") inicial-mente estava ligada às práticas agrícolas, significando o cuidado complantas e animais. Pensadores romanos ampliaram esse significado,passando a palavra a designar também o cultivo pessoal, o refinamentodos costumes, a educação elaborada de uma pessoa. Na Idade Moderna,A criança aprende a dizer o que quer e aentender o outro pelo gesto.8586com novas experiências incorporadas ao seu significado, a palavra cul-tura passou a designar tanto uma classificação geral das artes, da reli-gião, dos valores de uma sociedade como a idéia de civilização ou, ain-da, a totalidade da vida social dos povos, englobando suas práticas ma-teriais e simbólicas.De modo similar ao que acontece na história social, o significadodas palavras e das relações e generalizações nelas contidas também setransforma no processo de desenvolvimento das crianças."Quando uma palavra nova é aprendida por uma criança, o seu de-senvolvimento mal começou...", destaca Vygotsky (1987: 71). Acom-panhar esse desenvolvimento foi uma tarefa fascinante a que Vygotsky,tal como Piaget, também se propôs.Enquanto Piaget procurou mapear o desenvolvimento do pensa-mento por meio da linguagem, descrevendo minuciosamente o papeldesempenhado pela palavra em cada um dos estágios da formação dopensamento lógico, Vygotsky procurou retratar o movimento de articu-lação entre palavra e pensamento nas situações e tarefas com que ascrianças defrontam nas suas relações sociais.A relação entre o pensamento e a palavra, analisa Vygotsky, "não éuma coisa mas um processo, um movimento contínuo de vaivém dopensamento para a palavra, e vice-versa. Nesse processo, a relação en-tre o pensamento e a palavra passa por transformações..." (1987: 104).Nd capítulo seguinte, vamos tratar das relações entre pensamentoe linguagem ao longo do desenvolvimento da criança.Sugestão de atividadesOrganizando as informações do textoReleia o texto considerando as relações entre pensamento e lingua-gem vistas por Piaget e por Vygotsky.Reflita sobre as seguintes questões:• Como a linguagem é concebida por eles?• Que funções da palavra são enfatizadas em seus trabalhos?• De que modo cada um deles explica o desenvolvimento da palavranos indivíduos?Refletindo sobre as informações do textoSegundo Piaget, a linguagem reflete o pensamento. A partir da con-cepção de Vygotsky, essa relação é verdadeira ou não? Justifique suaresposta com base nos dados do texto.Exercitando a análiseVocê conhece o livro Palavras, palavrinhas e palavrões, de AnaMaria Machado (Editora Codecri)? Nele, essa escritora brasileira, auto-ra de fascinantes obras de literatura infantil, conta, com muita sensibili-dade e humor, a história de uma menina que gostava muito de palavrase estava sempre querendo aprender palavras novas...Leia o livro e escreva um comentário sobre ele, tendo em vista asseguintes questões:• Como as crianças se relacionam com as palavras?• Como os adultos participam dessas relações?Trabalho de campoApós a leitura do livro de Ana Maria Machado, comece a escutarcom atenção falas de crianças, observando seus modos de dizer. Nosseus estágios, nas suas relações familiares, em contato com a vizinhan-ça, aproxime-se das crianças, ouça-as e converse com elas. Registreesses momentos, anotando a situação em que a interlocução (a relaçãoverbal) aconteceu, quais as pessoas envolvidas e as falas de cada umadelas. Não se esqueça de registrar as idades das crianças e as datas dasobservações. 8788Sugestão de leiturasVamos apurar nossa sensibilidade e nossa relação com a palavra.Só assim poderemos entrar em sintonia com a palavra da criança, comseu aparente nonsense. Para isso vamos ler, ler muito... Poesias (Drum-mond, Cecília Meireles, Mário Quintana, Fernando Pessoa, etc.), con-tos, romances, novelas, crônicas (Clarice Lispector, Drummond, Máriode Andrade, Machado de Assis, Graciliano Ramos, etc.), literatura in-fantil (Ana Maria Machado, Sylvia Orthof, Lygia Bojunga Nunes, Bar-tolomeu de Queiroz, etc.).O humor nos mostra especialmente a ambigüidade da palavra. Fi-que atento aos quadrinhos e charges dos jornais. Leia, entre outras, pro-duções como as de Quino (Toda Mafalda. Lisboa, Edições D. Quixote,1978), Ziraldo (As anedotinhas do bichinho da maçã, Ed. Melhoramen-tos), Eva Furnari, a criadora da Bruxinha.Para ajustar a sensibilidade aos modos de ser e de dizer da criança eà sua fantasia, leia A gramática da fantasia, de Giani Rodari (EditorialSummus), e a maravilhosa História sem fim, de Michael Ende (EditoraMartins Fontes), que também foi filmada e existe disponível em vídeo(o filme tem o mesmo título do livro).Capítulo 8A criança e a palavraComo a criança elabora a palavra ao longo de seu desenvolvi-mento?Tanto Piaget quanto Vygotsky consideram que os modos de elabo-ração da palavra não permanecem imutáveis ao longo do desenvolvi-mento infantil.Sendo a linguagem para Piaget uma função do pensamento, seutrabalho trata das formas que ela assume e do papel que ela desempenhaem cada um dos estágios do desenvolvimento do pensamento lógico. Afala da criança é, assim, enfocada a partir do processo do pensamento.Para Vygotsky, a palavra e o pensamento articulam-se na atividadede compreensão e comunicação envolvida nas relações sociais. O focoda análise é, então, colocado no processo como um todo, interessandoapreender as atividades intelectuais envolvidas, os modos como a pala-vra dirige essas atividades e as condições de interação em que elas vãosendo produzidas.Piaget e o papel da linguagem no desenvolvimento dopensamento lógico: do símbolo individual aos conceitosAté os 2 anos aproximadamente, a criança passa por uma série detransformações que a dotam dos pré-requisitos para a aquisição e elabo-ração da linguagem.Nesse período, o desenvolvimento da criança passa do nívelneonatal, marcado pelo funcionamento dos reflexos, para o de uma or-ganização perceptiva e motora dos fenômenos do meio. A consciênciaque a criança tem do meio externo se expande lentamente, tornando-seo eu e o mundo progressivamente diferenciados.E no curso dessas relações que a permanência dos objetos vai sen-do construída pela criança. O brinquedo, que ao ser retirado da criançadeixava de existir para ela, passa a ser procurado. A criança começa a8990perceber que os objetos, as pessoas, continuam existindo mesmo quan-do estão fora do seu campo de visão. Formam-se as primeiras imagensmentais dos objetos ausentes do meio imediato, as quais possibilitam odesenvolvimento da função simbólica, mecanismo comum aos diferen-tes sistemas de representação (jogo, imitação, imagens interiores, sim-bolização, linguagem verbal).O desenvolvimento da função simbólicaCom o desenvolvimento dafunção simbólica, a partir do segundoano de vida, o eu e o mundo da criança reorganizam-se num novo pla-no: o plano representativo.A criança reproduz, imita por meio de gestos ou de sons(onomatopéias) o comportamento de um modelo ausente. Ela represen-ta simbolicamente um objeto por outro no jogo do faz-de-conta.Empregando uma imagem mental, um símbolo, a criança relembrafatos, objetos, pessoas, acontecimentos que ocorreram em outras oca-siões. O espaço e o tempo dilatam-se. O desenvolvimento da função sim-bólica exime-a de agir somente em situações do meio imediato. Ela passaa se relacionar com ações ou fatos sem praticá-los efetivamente. Pela re-presentação mental do mundo externo e de suas próprias ações, a criançaos interioriza. Ela começa a distinguir significantes (imagens que repre-sentam fatos, pessoas ou objetos) e significados (fatos, objetos ou pes-soas ausentes à percepção imediata, aos quais as imagens se referem).O desenvolvimento da representação cria as condições para a aqui-sição da linguagem. A capacidade de construir símbolos, desenvolvidana representação, possibilita a aquisição das significações coletivas (alinguagem social). As palavras da linguagem social, que vão sendo ad-quiridas pela criança, passam a acompanhar as imagens mentais e ossímbolos que ela utiliza inicialmente.As relações da criança com as palavras se processam gradual-mente, da mesma forma que a passagem da ação motora para a açãointeriorizada.A criança não consegue de imediato utilizar as palavras em toda asua complexidade lógica. Ela utiliza a linguagem de forma imitativa,simbólica e pré-conceitual.Vejamos como isso acontece.Os primeiros esquemas verbaisAs primeiras palavras usadas pela criança reúnem sob uma mesmadenominação vários objetos e situações que a interessam ou que fazemparte de sua experiência. Ela pode, por exemplo, usar uma onomatopéiaclássica, como bruuuuu, para designar o carro que passa pela rua, qual-quer meio de transporte que apareça em sua frente, pessoas ou animaisque se movimentam na rua, brinquedos que se movimentam, assimcomo para manifestar o desejo de andar de carro, etc. O mesmo podeacontecer com a palavra mamã, utilizada para designar a própria mãe,as roupas da mãe no armário, qualquer mulher acompanhada de umacriança, ou mesmo para externar o desejo que sente de algo.Essas primeiras palavras, que Piaget chama de primeiros esquemasverbais, têm um forte caráter imitativo (elas são onomatopéias ou imita-ção de palavras usadas na linguagem adulta) e não têm um significadofixo (seu significado oscila, conforme as situações com que a criançadefronta).Tais características, segundo Piaget, são indicadores do tipo depensamento dominante na criança nesse período, o pensamento sin-crético. Ela agrupa vários acontecimentos e objetos numa mesma de-signação, independentemente das relações lógicas existentes entre eles.Para formar esses agrupamentos, ela leva em consideração apenas seupróprio ponto de vista, suas experiências.Assim, a criança pode reunir na expressão bótanto a bola quanto um cubo com o qual ela brincaou o tapete da sala onde ela brinca com a bola,sendo o elo entre os significantes apenas sua ex-periência pessoal em relação a eles.A criança, nessa fase, também não considerasimultaneamente as múltiplas dimensões de umobjeto ou de um acontecimento. Aspectos particu-lares são tomados pelo todo, enquanto dimensõesrelevantes são esquecidas ou negligenciadas, domesmo modo que cada aspecto ou dimensão es-pecífica dos objetos ou dos fatos é enfocada sepa-radamente. Por exemplo, a criança pode utilizar amesma designação para um cachorrinho de pelú-cia com olhos de vidro verdes e para o botão re-dondo e verde de uma roupa.De posse desses primeiros esquemas verbais,ela aprende rapidamente a falar palavras-frases,como Papá (Quero comer, Vou comer), frases deduas palavras, como Nenê dá (para pedir algo), efrases completas, que, inicialmente, são ordens ou expressões de dese-jo, enunciando uma ação possível, ligada ao ato imediato e presente.Dessas frases, a criança passa para a construção de representa-ções verbais, evocando e reconstituindo acontecimentos não mais li-gados ao ato imediato. Por exemplo, ela enumera, para si mesma oupara uma outra pessoa, coisas que viu ou utilizou para brincar, osalimentos que consumiu numa das refeições, algum tempo depois deter vivido tais situações. Ela conta fatos vividos ou presenciados porela, como um gafanhoto pulando no jardim (Fanhoto, fanhoto sal-tar...) ou a saída da tia (Ti Madena no automove, parti no automove),como exemplifica Piaget.A construção das primeiras representações verbais se dá por meioda narrativa. Na narrativa, a linguagem deixa de acompanhar simples-Os primeirosesquemas verbaisnão têm unisignificado fixo,oscilandoconforme asituação vivida.91A narrativatorna-se umrecurso decomunicaçãopara a criança.92Da narrativa, a criançapassa para a descrição, que é,nas palavras de Piaget, "umanarrativa que se prolonga atéatualizar-se". Na descrição, apalavra acompanha a ação emcurso, mas não faz parte dela,como na linguagem inicial. Apalavra descreve, reapresenta oque foi percebido na situação;não mais enuncia ações possí-veis, mas denomina os elemen-tos envolvidos na situação. Acriança nomeia, para si mesmaou para outras pessoas, objetosou pessoas que a cercam (boneco, pedra, gato, papai, mamãe, vovó),partes desses objetos ou dessas pessoas (nariz, boca, etc.), ações, etc.Piaget destaca como indicador relevante das transformações darelação da criança com a palavra o aparecimento da pergunta O queé?, que se relaciona ao mesmo tempo com o nome de objetos ou pes-soas particulares e com o conceito ou a classe do objeto designado(isto é, o conjunto composto por todos os elementos referidos pelapalavra).A nomeação, nessa fase, oscila entre a generalidade (conceito) e aindividualidade. Piaget relata um episódio envolvendo sua filha maisvelha, Jacqueline, quando tinha 3 anos e 2 meses.Ao cruzar com um homem na rua, a criança pergunta ao pai:— "Este senhor é um papai?"— "Que é que é uni papai?"Jacqueline responde:— "E um senhor. Ele tem muitas Luciennes (nome de sua irmãmais nova) e muitas Jacquelines."— "Que é que são Luciennes?"— "São meninas pequenas e as Jacquelines são meninasgrandes."(Episódio extraído do livro A fomo{no do símbolo na criança.p. 289.)Ao nomear o senhor como "um papai", a criança o inclui em umaclasse genérica — a classe dos pais, composta por homens que têm fi-lhos. No entanto, ao explicitar o conceito de pai, define-o a partir da suaexperiência particular: "um senhor que tem Luciennes e Jacquelines".A classe, analisa Piaget, é uma espécie de indivíduo-tipo que se repeteem vários exemplares.Do mesmo modo, o indivíduo particular, convertido em indivíduo-tipo, tem menos individualidade. Isso se evidencia na maneira comoJacqueline define "o que são Luciennes". Ela não enfatiza a singulari-dade da própria irmã, nem a relação particular de parentesco que as liga.Ela refere-se à irmã como um exemplo típico de uma categoria genérica— a das meninas pequenas.O mesmo acontece no episódio a seguir.Rafael, 3 anos, ao ganhar do pai a camiseta da Seleção Brasi-leira de Futebol, exclama: "Oba, pai! O Ronário! ".E, ao encontrar na escola várias crianças com a camiseta daseleção, comenta com a mãe: "Viu quanto Romário?".(Episódio extraído da experiência familiar de uma das autoras.)A criança pensa por imagens, e são as imagens que marcam a signi-ficação que ela atribui às palavras. O nome do indivíduo-tipo — um jo-gador específico — é utilizado por ela para denominar um grupo dejogadores e as camisetas utilizadas por eles.Como a criança generaliza com base na percepção imediata de se-melhanças e não a partir de considerações lógicas ou relacionais, suascategorias oscilam entre a generalização e a individualização.Os ensaios de generalização e individualizaçãotambém aparecemem relação às estruturas da língua.Beto, aos 5 anos, utiliza a expressão "tavo" por estava, emfrases como "Eu tavo com fome", "Eu tavo com sono ", em que elepróprio é o sujeito. Corrigido pela mãe, ele resiste: "Não, mãe. Eusou menino. Menina é que fala tava".Regina, 7 anos, ao aprender na escola a classificação das pa-lavras segundo o gênero, pergunta à mãe ao fazer um exercícioescolar: "Mamãe, eu sou feminina porque sou menina, e mamãe...é femulher?"(Episódios extraídos da experiência familiar de uma das autoras.)A criança também considera expressões relacionais, como maisescuro ou maior, como atributos absolutos e não comparativos. Assim,para ela mais escuro significa "muito escuro", do mesmo modo quemaior significa "muito grande".O caráter imitativo e sincrético das primeiras palavras da criança, anão-generalização e a não-individualidade das primeiras representa-ções verbais estão mais próximos dos símbolos individuais do que dosconceitos utilizados na linguagem adulta. Daí Piaget considerar os mo-dos de elaboração da palavra pela criança como pré-conceitos.mente o ato para reconstituir uma ação passada. A palavra deixa de serparte do ato para tornar-se um signo, uma evocação do ato, passando ater a função de representação (no sentido de nova apresentação) e tam-bém de comunicação — a criança dirige essas narrativas a si mesma oua outra pessoa.9394 .O desenvolvimento da elaboração conceitua) das palavrasNós, adultos, utilizamos a linguagem conceitualmente. Os concei-tos supõem uma definição fixa, que depende de uma convenção socialestável. Ou seja, nossas palavras não se restringem a designar determi-nado objeto ou acontecimento. Aplicando-se a um conjunto de elemen-tos da realidade, elas generalizam a informação sobre o objeto, incluin-do-o em uma categoria.Como essa generalização se baseia numa correspondência lógica,ela não muda ao sabor das situações. Os traços comuns definidores deuma categoria de objetos tornam-se estáveis. O caráter generalizante eestável da palavra nos possibilita transmitir o pensamento a outra pes-soa e sermos por ela compreendidos, bem como considerar o ponto devista do outro e sua experiência.Por exemplo, ao dizer a palavra relógio, não temos em mente ape-nas determinado relógio, e sim um tipo, uma categoria de objetos a queessa palavra se aplica. Do mesmo modo, aqueles que nos escutam nãotêm em mente um relógio específico, e sim esse tipo de objeto, que é oque lhes permite compreender o sentido generalizante dessa palavra.Entre os significados das palavras que utilizamos, há graus degeneralização distintos, que nos permitem estabelecer relações lógicasentre os objetos e eventos do meio, incluindo uma categoria em outra.Podemos nos referir, por exemplo, ao cachorro que temos em casacomo bassê, animal doméstico, ser vivo. Ao utilizarmos tais palavras,estamos incluindo o objeto dado — o cachorro — em um sistema decategorias, hierarquicamente organizadas, de contraposições abstra-tas: um cão bassê não é um buldogue, nem um cachorro vira-lata; umcachorro, como alguns outros animais, é um animal doméstico, emoposição a outros animais que são selvagens; como animal, o cachor-ro é um ser vivo e não um ser inanimado, etc. As expressões bassê,animal doméstico e ser vivo mantêm entre si relações lógico-verbaisque independem das características particulares de cada objeto ouevento em si.vivo inanimado11Ianimalvegetal11animalanimaldomésticoselvagemA ausência de critérios lógicos na elaboração conceituai na criançaestá exemplificada na situação de sala de aula que descrevemos e anali-samos no capítulo 7. Naquela situação, observamos como as criançasconstruíam o significado da palavra pátria: a partir das suas experiên-cias e das imagens delas resultantes, sem considerar elementos logica-mente pertinentes ao conceito estabelecido. Vimos também como esseselementos flutuavam ao sabor da experiência pessoal imediata a queeram relacionados. Por exemplo, o soldado é o elemento que define apalavra pátria em razão de sua presença nos desfiles de 7 de Setembroou dos desenhos feitos na escola.O desenvolvimento da capacidade de apreender conceitualmente alinguagem social depende do desenvolvimento das operações de pensa-mento, considera Piaget. As operações são ações interiorizadas que vi-sam à explicação e à constatação. Nelas, as ações são coordenadas ereversíveis (conforme vimos no capítulo 4).Inicialmente, as operações desenvolvem-se em relação a situaçõesimediatas. A criança ainda necessita do suporte perceptivo para apreen-der as relações lógicas, para considerar as relações de inclusão entreparte e todo (classificação), para apreender outros pontos de vista alémda própria experiência individual (descentração). Ela elabora generali-zações a partir de exemplos concretos.As características dos modos de pensar da criança nesse períodonão derivam das categorias lógicas da linguagem. A linguagem facilita,segundo Piaget, a generalização do pensamento, mas não é sua fonte.Piaget relata que diversos- estudos possibilitaram perceber que ascrianças resolvem vários problemas, embora tenham dificuldade paraexplicar verbalmente o raciocínio que lhes permite chegar à solução, ouseja, elas não conseguem transpor em palavras toda a atividade mentalque já sabem colocar em atos.Somente na adolescência, o indivíduo torna-se dotado do raciocí-nio dedutivo-hipotético, que lhe permite fazer considerações e racio-cinar apenas no plano representativo, atingindo plenamente o pensa-mento operatório. Nesse estágio, no qual as operações não se cons-troem mais sobre os objetos, sobre as situações imediatas, mas sobreproposições, a linguagem torna-se urna condição necessária do pensa-mento, passando a fazer parte dele. E nessa fase que os indivíduos tor-nam-se capazes de apreender conceitualmente a linguagem social.Vygotsky e a elaboração conceitua) —o desenvolvimento do significado da palavra na criançaDiferentemente de Piaget, Vygotsky considera que a elaboraçãoconceituai pela palavra, desenvolvida culturalmente pelos indivíduoscomo forma de refletirem cognitivamente suas experiências, não ocorrenaturalmente na criança. Ela começa nas fases mais precoces da infân-cia, por meio do emprego da função mais simples da palavra — a no-cavalo cachorro gatobassêI1"Roy""Chiquinho"ovelheiro95A palavradesenvolve-segradualmente nacriança, desde osseus primeirosmeses de vida.96meação —, e seu desenvolvimento depende das possibilidades que cadaindivíduo tem (ou não) de compartilhar e elaborar em suas interações osconteúdos e as formas de organização dos conceitos.As primeiras palavrasSegundo pesquisas conduzidas por vários psi-cólogos e apresentadas por Luria no livro Pensa-mento e linguagem (1987: capítulo 3), a funçãodenotativa (função de nomeação) da palavra de-senvolve-se gradualmente na criança desde seusprimeiros meses de vida, entrelaçada com fatoresnão-verbais.Pouco a pouco, a criança responde ao que osadultos dizem a ela voltando o olhar para os obje-tos nomeados ou tentando alcançá-los. Inicialmen-te o significado da palavra depende da situação emque a criança se encontra ao ouvi-la, da pessoa quea pronuncia, da entonação de voz utilizada, do em-prego (ou não) de gestos, etc. Gradualmente, cadaum desses fatores situacionais enumerados vai dei-xando de ter influência decisiva na compreensãoda palavra. Por volta dos 3 anos de idade, ela reagede modo seletivo ao objeto nomeado, independen-temente da situação.O mesmo processo acontece quanto à utilização da palavra. Dife-rentemente dos primeiros sons que a criança emite, que são manifesta-ções de seu estado emocional, suas primeiras palavras são tentativas dereprodução dos sons assimilados da fala do adulto. Essas primeiras pa-lavras estão fortemente vinculadas à atividade em que a criança estáenvolvida. Seu significado é difuso,uma vez que seu referente (o objetoou a pessoa que a palavra nomeia) muda conforme a situação em queelas são pronunciadas.Rafael, aos 8 meses, utilizava a expressão bá, para nomear oirmão (Beto), a mãe e o pai sempre que estes se aproximavam dele,e também para chamá-los quando estavam distantes, mas dentro deseu campo visual. A expressão bá, acompanhada do gesto de apon-tar, era utilizada também com a finalidade de indicar; para qualquerpessoa, algum objeto que ele desejava que alcançassem para ele.Gradativamente, Rafael passou a utilizar a expressão bá ape-nas para referir-se ao irmão. Bá se diferenciou de mã e pá, que elecomeçou a empregar para designar o pai e a mãe (e há que se des-tacar; nesse caso, a persistência do irmão em ensinar Rafael a dizeras palavras mamãe e papai). Depois, novas palavras passaram aindicar aquilo que ele desejava, até que, quando Rafael chegou aos3 anos, o próprio irmão deixou de ser bá, passando a ser Beto.(Episódio extraído da experiência familiar de uma das autoras.)A função designativa da palavra, por mais simples que pareça, éproduto de um longo desenvolvimento. Inicialmente, a palavra está vin-culada à situação em que é ouvida e utilizada. Ela passa a ter uma referên-cia estável, embora conserve ainda sua ligação com a ação prática, so-mente quando a criança atinge mais ou menos os 3 anos (Luria: 1987).A elaboração das funções analítica e generalizadorada palavraQuando a palavra adquire uma referência estável, o desenvolvi-mento de seu significado ainda não está concluído. Embora sua funçãodesignadora pareça ser constante e a mesma para um adulto e umacriança, permitindo que ambos se comuniquem, suas funções analíticae generalizadora sofrem profundas transformações à medida que o indi-víduo avança no domínio das operações intelectuais culturalmente de-senvolvidas.Vejamos uma situação que nos ajuda a perceber essas diferenças deelaboração.Voltando da escola, a mãe conversava com Eduardo, seu filhode 3 anos.Mãe: Quando a gente chegar em casa, vamos brincar?! .Filho (emburrado): Não quero...Mãe: Ah..., vamos jogar bingo!Filho: Não quero!Mãe: 1h, bobinho. Bingo é uma delícia!Filho (olhando espantado para a mãe): E de comer?(Episódio narrado pela mãe a uma das autoras.)O adjetivo delícia, utili-zado pela mãe, tem uma re-ferência estável tanto paraela quanto para a criança:ambos revelam, na interlo-cução, que aplicam esse qua-lificativo a determinados ti-pos de situação da realidade.E possível perceber também,na dinâmica enunciativa, queos dois elaboram a palavradelícia de forma generali-zante: para a mãe, delícia éum qualificativo que se apli-ca a coisas ou situações que produzem deleite; para a criança, delícia éum qualificativo que se aplica a alimentos gostosos. A diferença está nograu de generalização que a palavra tem para cada um dosinterlocutores: mais amplo para a mãe e mais restrito para a criança.Em um diálogo,mãe e filhoexpressamdiferentes grausde generalizaçãode uma mesmapalavra.798Como destaca Vygotsky, o conceito ligado a uma palavra semprerepresenta um ato de generalização, qualquer que seja a idade da pes-soa. Mas essa generalização se amplia à medida que os contextos vãosendo diversificados e as funções intelectuais complexas, como a abs-tração e a generalização, vão sendo elaboradas e consolidadas. Nessesentido, diz-nos Vygotsky, "quando uma palavra nova é aprendida pelacriança, o seu desenvolvimento mal começou" (1987: 71).Gustavo, de 6 anos, era o garoto menor da turma de futebol darua. Apesar da diferença de idade, os garotos de 8 a 10 anos oaceitavam, porque era bom de bola e se enquadrava às exigênciasda turma: não reclamava e esperava sua vez de jogar.Um dia, ele contou para a mãe a grande dificuldade por quepassara para descobrir o significado de uma palavra muito utiliza-da pelos meninos durante o jogo. A palavra era frangueiro. Ela lhecausava estranheza porque ele a associava apenas a frangos ("Eupensava que era o lugar de vender frango"), e não ao futebol. Elenão podia perguntar aos meninos o que eles queriam dizer comaquela palavra, pois seria alvo de gozações.Assim, decidiu ficar atento às situações do jogo para tentarentender em que momentos a palavra era usada. O que aconteciadurante as jogadas para que alguém a pronunciasse?Depois de observar por vários dias, Gustavo chegou à conclu-são de que a palavra estava relacionada ao goleiro que deixavapassar a bola e, na primeira oportunidade que teve, berrou:"Frangueiro! ".— Daí, mãe, eu vi que eu tinha aprendido. Sabe por quê? Por-que eles viraram pra mim e disseram "Aí, Gutão! ".(Episódio lembrado e relatado por Esteta, mãe de Guto, a uma dasautoras.)No processo de elaboração do significado, o indivíduo explora omaterial sensorial e opera intelectualmente sobre ele, orientado pelapalavra em funcionamento nas interações. A palavra aprendida, fran-gueiro, suscita imagens (frango) e associações (lugar de vender frango)das quais a criança lança mão para apreender seu sentido. Como o con-texto não comporta essas primeiras tentativas de significação, a palavrapassa a dirigir as observações da criança, que centra ativamente suaatenção nas situações do jogo e nas enunciações nele envolvidas.As situações não revelam por si mesmas os possíveis significadosda palavra frangueiro. É preciso analisá-las, compará-las. O que dife-rencia as situações em que a palavra é empregada daquelas em que nãoé? Qual a semelhança entre todas as situações em que a palavra é utili-zada? Nesse processo de observação e análise, algumas peculiaridadesse fazem notar: frangueiro é uma palavra dirigida ao goleiro, e não aoutros jogadores; frangueiro é uma palavra dirigida ao goleiro em de-terminadas situações, e não em outras. A criança analisa e generaliza,começando a ter uma idéia vaga do significado da palavra. Sente neces-sidade de usá-la, e, ao fazê-lo, o grupo confirma a adequação do signifi-cado esboçado, fortalecendo-o. A palavra agora lhe pertence: "Daí,mãe, eu vi que eu tinha aprendido".Funções intelectuais básicas — atenção, formação de imagens, as-sociação, comparação, inferências — participam da elaboração do sig-nificado da palavra, associadas a ela. A palavra funciona como meiopara centrar ativamente a atenção, para abstrair e selecionar os traçosrelevantes na situação considerada (análise), para estabelecer relaçõesentre esses traços e sintetizá-los (generalização).Por pressupor a articulação entre funções intelectuais complexas,como a generalização e a análise, que não podem ser dominadas naaprendizagem inicial, o processo de elaboração conceitual desenvolve-se na infância por meio do pensamento por complexos e dos conceitospotenciais.O pensamento por complexos e os conceitos potenciaisO pensamento por complexos cria as bases para a generalização.Nesse tipo de pensamento a criança busca estabelecer relações entre oselementos da realidade, unificar impressões dispersas. Por exemplo, elapode definir a palavra supermercado como o lugar onde a mãe compradoces, bolachas, iogurte, sucos. Nesse caso, a palavra é elaborada combase no sentido afetivo que o supermercado tem para a criança. Ela tam-bém pode definir a palavra como um lugar grande e movimentado aon-de vai com os pais para fazer compras. Nessa situação, a palavra super-mercado é elaborada com base na imagem direta do supermercado con-creto e na situação real de compra.No pensamento por complexos, a palavra evoca e agrupa uma sériede elementos e situações da realidade não apenas em razão das impres-sões subjetivas da criança, mas também das relações que de fato exis-tem entre esses elementos nos seus contextos de uso (os supermercadossão realmente lugares de compra, onde doces, bolachas, iogurte e sucossão encontrados).Segundo Vygotsky, a diferença principal entre um pensamento porcomplexos e um conceito está no tipo de relação que une os elementosnuma palavra. No pensamento porcomplexos as relações estabelecidassão concretas, factuais e tão diversas quanto os contatos e as relaçõesque de fato existem entre os elementos da realidade. Diferentemente, oconceito ancora-se em relações lógicas, cujo grau de generalização ul-trapassa as relações imediatas.Voltando ao exemplo do supermercado, ao procurarmos no dicio-nário essa palavra, encontramos uma definição como esta: "Loja deauto-serviço, onde em ampla área se expõe à venda grande variedade demercadorias, particularmente gêneros alimentícios, bebidas, artigos delimpeza doméstica e perfumaria popular" (Aurélio Buarque de HolandaFerreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Nova Fronteira: Rio 99:i0de Janeiro, 1986). A definição conceituai da palavra supermercadocomporta o complexo elaborado pela criança, mas o ultrapassa em mui-to. Ela remete a um tipo de sistema de compra (auto-serviço), que éparte de um sistema social de troca (o comércio), que é parte de umsistema econômico (modo socialmente organizado de produção e distri-buição). Na elaboração conceituai da palavra, as relações imediatas eparciais integram-se e subordinam-se a relações lógico-verbais, queabarcam muito mais elementos da palavra, generalizando-a.Embora a busca de ligações seja o traço distintivo do pensamentopor complexos, para chegar a elas a criança dá seus primeiros passos naanálise: ela destaca alguns elementos na totalidade da experiência combase no grau máximo de semelhança entre eles. Ela isola essa seme-lhança, tomando-a como atributo para definir a palavra.No caso da palavra supermercado, por exemplo, um traço distinti-vo que costuma aparecer nas elaborações das crianças é a função socialde lugar de compra, ainda que por trás dessa idéia estejam relaçõesafetivas e a imagem imediata do próprio supermercado.Podemos encontrar outro exemplo desse processo de elaboraçãoconceituai na situação de sala de aula descrita no início do capítulo 7.Ao definirem pátria como "coisa de soldado", as crianças elaboram umpensamento por complexos com base em elementos comumente pre-sentes em eventos e situações da vida real (os desfiles, os desenhos) porelas agrupados na palavra.O trabalho mental de destacar um elemento da totalidade e tomá-locomo critério para conferir o significado à palavra é uma característicado pensamento analítico e também a marca distintiva dos conceitos po-tenciais. Eles resultam de "uma espécie de abstração isolante", segundoas palavras de Vygotsky (1987: 67), uma vez que as características doselementos e situações da realidade não são consideradas em conjunto.A palavra é elaborada com base em apenas uma semelhança perce-bida. Além disso, o elemento que foi privilegiado num dado momentopara dar significado à palavra não é estável, podendo ser substituído poroutro. Na elaboração da palavra pátria como um pensamento por com-plexos, por exemplo, o elemento destacado foi soldado, mas poderia sera bandeira, que também é um elemento recorrente nas atividades come-morativas relativas à Semana da Pátria e aparece com freqüência nosenunciados das crianças.A diferença entre um conceito e os conceitos potenciais está nomodo como o atributo (o critério) que os define é estabelecido. Numconceito potencial, um atributo único é estabelecido com base na máxi-ma semelhança entre os elementos ou situações designados pela pala-vra. Num conceito, distintos elementos são agrupados de acordo comum conjunto de atributos comuns a todos os elementos que podem serreunidos sob sua denominação.No conceito, a abstração — que caracteriza os conceitos potenciais— e a generalização — que caracteriza o pensamento por complexos —combinam-se. "Um conceito só aparece quando os traços abstraídos sãosintetizados novamente, e a síntese abstrata daí resultante torna-se oprincipal instrumento de pensamento" (Vygotsky, 1987: 68). A palavrapassa a ser usada com referência a categorias abstratas. Sua nova funçãotorna-se codificar a experiência, os objetos e situações do mundo emesquemas conceituais.Para exemplificar essas características dos conceitos, basta recor-darmos as definições dicionarizadas de supermercado e de pátria jáapresentadas neste capítulo. Elas envolvem as experiências que as crian-ças destacam em suas elaborações, mas as superam em generalidade.O papel do outro no desenvolvimento daelaboração conceitua)As mudanças nas formas de utilização e de compreensão das pala-vras ao longo do desenvolvimento da criança são produzidas nas suasinterações verbais com os adultos, crianças mais velhas e produtos cul-turais (livros, revistas, jornais, TV, propagandas, etc.). Nessas relações,a criança integra-së ao fluxo da comunicação verbal, adquirindo novaspalavras e ampliando as possibilidades de significação daquelas que jáconhece.Beto, aos 7 anos, perguntou um dia à mãe:— Frágil é perigoso?A mãe, sem entender a indagação da criança, quis saber o mo-tivo da pergunta.— Por que você está me perguntando isso?— E porque aqui nesta caixa está escrito CUIDADO, FRÁGIL.(Episódio extraído da experiência familiar de uma das autoras.)A criança lê ou ouve palavras desconhecidas em contextos com-preensíveis e vai formando uma idéia vaga do seu significado, vai ajus-tando os significados elaborados de modo a aproximá-los dos conceitospredominantes no grupo cultural e lingüístico de que faz parte.Em suas relações, crianças e adultos compartilham palavras queem termos práticos significam a mesma coisa para ambos. Ou seja, háuma coincidência de conteúdo (aspecto da realidade ao qual a palavrase-aplica) entre as palavras utilizadas pela criança e pelo adulto. Noentanto, quanto à generalização e à abstração contidas na palavra, essacoincidência não se verifica.Mariana, de 7 anos, vinha encontrando grandes dificuldadespara resolver os problemas de Matemática na escola. A mãe, pro-fessora, dispôs-se a ajudá-la. Leram juntas o primeiro problemada tarefa: "Mamãe foi ao supermercado e comprou 1 quilo de car-ne por 4 reais, 10 pães por 1 real e 2 litros de leite por 2 reais.Quanto mamãe gastou?".Adultos ecrianças podemempregar amesma palavramas comdiferentessignificados.102Após a leitura, a mãe perguntou à menina:— Então, Mari, qual a continha que nós temos que fazer?— De menos, mãe.A mãe, surpresa, contestou:— De menos... Por que de menos? Olha bem, a pergunta doproblema é: quanto a mamãe gastou...— Então, mãe!!! Quando a gente gasta a gente não fica commenos dinheiro?(Episódio relatado pela mãe de Mariana num curso para profes-sores, ministrado pelas autoras.)Se, por um lado, a coincidência de con-teúdo da palavra permite a comunicação entreadulto e criança, por outro, a diferença na ela-boração do significado possibilita que a crian-ça desenvolva seus conceitos.Ao interagir com a criança, os adultos ouas crianças mais velhas apresentam a ela, deforma deliberada ou não, significados estáveisou sentidos possíveis de determinada palavrano seu grupo social. Embora não transmitam àcriança seu próprio modo de pensar, nem pos-sam "controlar" o modo de pensar dela, suaalocução verbal interfere na atividade da cri-ança de diferentes formas.A palavra do outro ajuda a criança a ela-borar o significado de novas palavras (comonos episódios envolvendo Beto e Guto). Ao seencontrar com aquelas que a criança já temelaboradas, explicita-as, confirma-as ou colo-ca-as em questão (como no caso de Mari e da criança do episódio dobingo). A criança pode assumir a palavra do outro, imitando-a, utilizan-do-a com sua ajuda, ou pode recusá-la.(Episódio extraído da experiéncia familiar de uma das autoras.)Comida e sopa são palavras que nomeiam coisas distintas para acriança. Ela não estabelece entre as coisas nomeadas e as palavras utili-zadas nenhuma relação de inclusão. Na situação descrita, na qual sedecidia sobre o que comer no almoço, Rafael recusa a inclusão apresen-tada pela mãe: a sopa pode ser uma comida, mas é uma sopa também. Asopaapresentando seus princi-pais teóricos e uma amostra das pesquisas que as fundamentam, e apon-taremos as influências que exerceram e ainda exercem na escola e notrabalho pedagógico.No capítulo 6, discutiremos as relações entre teoria e prática.A psicologia na escolaEscola é lugar de aprender. E de ensinarÉ também lugar de tomar merenda, de jogar futebol, de fazer fila,de ficar triste ou se alegrar. As crianças escrevem, somam ou subtraem,copiam, perguntam. Elas brigam, choram, se machucam. Fazem gran-des amigos. O professor explica a lição, lê histórias, pega na mão dacriança que começa a escrever. Ele também grita, fica bravo, perde acalma. Tem que fazer chamada, corrigir prova, preparar aula, preencherpapelada. As crianças às vezes têm fome, às vezes estão doentes, àsvezes estão sadiase felizes. De ondeelas vêm? Do bairroao lado, da favelaali em cima, do ou-tro lado da avenida,do sítio a algunsquilômetros. Faltalápis e, por vezes,até o sapato. Trinta(ou quarenta?) emcada sala. Lousanova, lousa gasta.Carteiras meio que-bradas. O diretor sepreocupa com a re-forma do prédio,orienta e fiscalizaos professores, tem um monte de papel para assinar, é homenageado naformatura. Na escola tem mais gente: merendeira, servente, secretário,inspetor... O salário está baixo. A vida está dura. Mas escola é lugar deensinar e de aprender.Escola: espaçode aprender e debrincar.4Quando pensamos na complexidade de tudo o que ocorre na esco-la, percebemos a multiplicidade de relações em que está envolvido o"ensinar e aprender". Relações econômicas e materiais, relações sociaise institucionais, relações entre conteúdos e métodos de ensino, crenças,concepções, teorias. O cotidiano da escola é sempre permeado por tudoisso e, dessa forma, não é tarefa simples procurar apreendê-lo, analisá-lo, compreendê-lo.A escola tem uma longa história. Em cada período histórico elaassume novas características quanto a funções, funcionamento, idéias econcepções que embasam suas práticas. As transformações dessas ca-racterísticas sempre se relacionaram a mudanças da sociedade: mudan-ças econômicas, políticas, sociais e ideológicas.O que acontece na escola é, assim, determinado por uma diversida-de de fatores, o que faz com que a educação escolar seja objeto do inte-resse e de pesquisas de várias ciências: a psicologia, a economia, a so-ciologia, a história, entre outras.Cada uma delas, de acordo com suas especificidades, produz análi-ses de aspectos determinados da educação escolar, sem que nenhumaconsiga (ou mesmo pretenda) isoladamente dar conta da complexidadeda prática pedagógica.A psicologia e a educação escolarA psicologia é apenas uma entre as ciências que concorrem para areflexão sobre a educação escolar. Sendo uma das ciências que estudamo homem, a psicologia tem se ocupado de uma grande variedade detemas: a afetividade, o desenvolvimento da criança, a velhice, a apren-dizagem, as relações sociais e institucionais, a deficiência mental, asrelações de trabalho, a saúde mental, entre outros.Muitas das pesquisas e teorias psicológicas que têm servido à prá-tica pedagógica não foram elaboradas com esse objetivo. Assim, asquestões e interesses dos psicólogos são às vezes mais abrangentes e àsvezes mais restritos do que aqueles colocados pelos agentes do proces-so educacional. Esses dois âmbitos, o psicológico e o pedagógico, rara-mente coincidem; portanto, não podem ser confundidos.Considerando que o papel social da escola é essencialmente defini-do pelo processo de transmissão/assimilação do conhecimento, enten-demos que as contribuições fundamentais da psicologia à prática peda-gógica são aquelas que podem lançar luz sobre alguns aspectos do "en-sinar e aprender".O que é ensinar? Como a criança aprende?Essas são questões importantes quando se objetiva construir umaprática pedagógica que possa garantir a todas as crianças um processode aprendizagem significativo.Todos nós já temos,em alguma medida, res-postas a essas questões.Se nos perguntarmos,por exemplo, como seaprende a fazer bolo,uma infinidade de res-postas pode aparecer: agente aprende fazendo,seguindo uma receita,vendo outra pessoa fa-zer, seguindo as orienta-ções de alguém. Quan-do o primeiro bolo nãodá certo, podemos aindadizer que "errando é quese aprende".E ensinar, o que é? Como se ensina? Novamente uma série de res-postas acaba emergindo: ensinar é transmitir conhecimentos, técnicas,valores, é deixar o outro fazer, orientando, explicando, "dando a recei-ta", fazendo junto...Quando se trata de criança, as idéias que temos sobre aprendiza-gem quase sempre se relacionam ao seu desenvolvimento, já que habi-tualmente admitimos que aprendizagem e desenvolvimento são proces-sos, de alguma forma, inter-relacionados.Quando dizemos, por exemplo, que, para ensinar à criança umacoisa determinada, é preciso esperar que ela amadureça ou atinja umacerta idade, estamos subordinando a aprendizagem ao desenvolvimen-to. Ou seja, admitimos que para aprender é necessário determinado ní-vel de desenvolvimento. Por outro lado, sempre ouvimos dizer que oensino deve promover o desenvolvimento da criança.Embora a gente conheça, em decorrência de nossa própria expe-riência, muita coisa sobre o ensinar, sobre o aprender e suas relaçõescom o desenvolvimento, quando se trata de desenvolver uma açãoeducativa intencional, de escolher os métodos, um grande número dequestões acaba aparecendo.Fonte: Nova Escola, maio/91.A escola é muespaço essencial-utente derelações sociaisde rocas.Representaçõesde crianças naRoma antiga(século f!).Será que, se o professor explicar direitinho, a criança aprende?Como explicar as coisas para uma criança? E se a deixarmos agir, mon-tar quebra-cabeça, brincar com pedrinhas, estará aprendendo? O que elaestará aprendendo? E, se a criança não aprende, será sinal de algumdistúrbio? Com quantos anos uma criança pode ser ensinada a ler?Quais são os pré-requisitos para aprender a adição?E sobre esse tipo de questões que a psicologia pode ajudar a refletir,uma vez que, no decorrer de sua história, ela tem enfocado como obje-tos de estudo o desenvolvimento humano, os processos de aprendiza-gem e a própria criança, além de ter produzido conhecimentos que cer-tamente contribuem para a compreensão do processo de apropriação/elaboração do conhecimento.O estudo científico da criança: um pouco de históriaA preocupação com o estudo da criança é bastante recente na histó-ria da humanidade. Aliás, a própria idéia de criança, tal como a conce-bemos hoje (como um ser que tem necessidades, interesses, motivos emodos de pensar específicos), não existia antes do século XVII.Até então, as crianças eram consideradas adultos em mi-niatura. Esse modo de conceber a criança pode ser percebidonas suas representações em pinturas. Nas ilustrações desta pá-gina, por exemplo, vê-se a representação de um jogo de bolasentre meninos e de um menino aprendendo a andar em umandador, feitas em uma tumba subterrânea, em Roma, no sécu-lo II. Repare como os meninos são representados: as propor-ções e formas do corpo se assemelham às de uma pessoa adul-ta, de tal modo quenão encontramos ne-nhum traço que indi-que qualquer especifi-cidade da criança emrelação ao adulto.A convivênciacom um índice demortalidade infantilextremamente alto fa-zia com que a mortedas crianças fosseconsiderada natural eque a duração da in-fância fosse limitada aum período muito cur-to na vida dos indivíduos. Ela correspondia ao período em que, para so-breviver, a criança necessitava de cuidados físicos. Quando sobrevivia,com 6 ou 7 anos, após o desmame tardio, a criança "tornava-se a compa-nheira natural do adulto" (Ariès, 1981), com quem passava a conviver otempo todo. Participava das atividades do adulto, compartilhando comele o trabalho nos campos ou nos mercados, os jogos e as festas.O avanço das descobertas científicas tornounão perde a sua peculiaridade, a sua condição de sopa.As palavras não são apenas lógicas, do mesmo modo que ainterlocução não é apenas troca de informações. Nas relações sociais háinteresses em jogo. As palavras não são neutras, elas apenas têm umaface neutra, conforme nos ensina o poeta. Com elas negociamos senti-dos ("trouxeste a chave?").E no movimento interativo, assumindo ou recusando a palavra dooutro, que a criança (e não só ela, mas qualquer um de nós) organiza etransforma seus processos de elaboração do significado das palavras,desenvolvendo-se. Nesse processo, ela apreende e começa a elaborar asoperações intelectuais complexas presentes na palavra, praticando opensamento conceitual antes de ter uma consciência clara da naturezadessas operações.O desenvolvimento da elaboração conceitual da palavra não é re-sultado de um processo individual e estritamente intelectual (cogni-tivo). Ele é resultado da prática social da criança nas diferentes institui-ções sociais.Nesse sentido, aponta Vygotsky, o aprendizado precede o desen-volvimento.Esse modo de conceber a relação entre desenvolvimento e aprendi-zado é oposto ao adotado por Piaget, que considera o desenvolvimentocondição para o aprendizado. Segundo Piaget, tudo o que a criança re-cebe do exterior, por transmissão familiar, escolar, educativa em geral,constitui o aspecto psicossocial do desenvolvimento. Este só pode serexplicado pelo desenvolvimento espontâneo (ou psicológico) da crian-ça, que corresponde a tudo que ela aprende por si mesma, sem que lheseja ensinado, ao que ela descobre sozinha.Vygotsky e Piaget apresentam dois modos distintos de olhar o hu-mano em suas relações e transformações. Que facetas a prática pedagó-gica nos revela, quando a olhamos através de uma ou outra dessas duasconcepções? E o que veremos no próximo capítulo.Rafael, aos 5 anos, conversando sobre o que gostaria de co-mer no almoço, contesta da seguinte forma a sugestão da mãe:— Sopa, não! Eu quero comida!— Mas a sopa é uma comida, Rafa!— Tá bom, a sopa é uma comida, mas é uma sopa também!,;103104Sugestão de atividadesOrganizando as informações do texto1. Sintetize o desenvolvimento da linguagem na criança segundo a con-cepção de Piaget, destacando as características da linguagem e o pa-pel desempenhado por ela ao longo do desenvolvimento da inteli-gência.2. Sintetize o desenvolvimento da linguagem na criança segundo a con-cepção de Vygotsky, caracterizando os seguintes pontos: o papel dapalavra, o papel do outro e o papel do sujeito.3. Enumere as semelhanças e as diferenças básicas entre o pensamentode Piaget e o de Vygotsky acerca do desenvolvimento do significa-do da palavra na criança. Faça um resumo comparativo do processode elaboração de conceitos pelo qual, segundo esses dois autores, acriança passa.Exercitando a análiseA seguir são descritos dois momentos de relação da criança coma palavra. Procure analisá-los prestando atenção aos modos como acriança elabora a palavra e aos modos de participação do outro nasituação.Situação n° 1Livro de Matemática da 1! série, página de problemas.Mamãe está pendurando roupa no varal. Para cada peça elausa dois prendedores. Ela já pendurou seis peças de roupa.Quantos prendedores usou?Resposta: 12 (resposta da criança).Por quê? "Pra roupa não voar" (resposta da criança).Situação n? 2A professora escreve na lousa "A mamãe afia a faca" e pedepara uma criança ler. A criança lê corretamente.Um adulto pergunta à criança:— Quem é a mamãe?— É a minha mãe, né?— E o que é "afia"?A criança pensa, hesita e responde:— Sou eu, porque ela (a mamãe) diz: "vem cá, minha fia "iA professora, desconcertada, intervém:— Não, afia é amola a faca!(A criança na fase inicial da escrita. Ana L. B. Smolka. São Paulo:Conez; Campinas: Ed. da Unicamp, 1988.)Em pequenos grupos, discutam as análises feitas. Depois, confron-tem as análises dos grupos, complementando e apurando a argumentação.Trabalho de campoOs episódios descritos na atividade anterior apontam um caminhointeressante para um trabalho de observação e registro.As práticas cotidianas dos adultos que trabalham com crianças sãomarcadas pelas concepções que eles têm tanto a respeito do processo deelaboração do conhecimento e da palavra como do seu próprio papelnesse processo. Essas concepções determinam as condições de elabora-ção que eles possibilitam à criança e os modos como participam de suaselaborações.Com a classe dividida em três grandes grupos, observem como ascrianças elaboram as palavras em suas relações com os adultos e comoutras crianças, nas creches e nas escolas.• O grupo 1 se encarregará de observar bebês e crianças de até 2 anosde idade. Deverá ser observado como os adultos interagem com es-sas crianças e em que momentos; o que falam com elas e como falama elas. E também os comportamentos da criança, suas reações não-verbais, as suas primeiras palavras.Será interessante, ainda, dar atenção às relações entre as criançasque já brincam juntas, as que disputam espaço e a atenção do adulto.Como se dão essas relações?• O grupo 2 observará as crianças dos diferentes ciclos da pré-escola.Deverá estar atento às condições de interação verbal, aos modos departicipação do adulto e da criança. O trabalho ficará mais interessan-te se diferentes momentos da rotina escolar (as atividades de roda, osbrinquedos, os jogos ou desenhos, o lanche, a hora do parque, contare.ouvir histórias, etc.) forem observados, assim como os momentos deinteração entre as crianças.As questões que podem direcionar a atenção do grupo são as mesmas.• O grupo 3 observará as quatro séries iniciais do 1? grau. O trabalhode observação deverá ser do mesmo tipo do desenvolvido pelos ou-tros grupos.Observação:Para facilitar o trabalho de coleta de dados, cada grupo poderá organi-zar, com base nas informações contidas no texto e com a orientação do pro-fessor, um roteiro com questões ou itens aos quais deverão estar atentos. 105As formas de registro poderão ser várias: em diário de campo, gra-vação em vídeo e gravação em áudio. O material gravado, depois deouvido e visto atentamente, deverá, pelo menos em parte, ser transcrito. Capítulo 9106Organizando e analisando os dadosÀ fase de observação e registro segue-se a de organização e análisedos dados obtidos pelo grupo.Lembrem-se de que o trabalho de análise envolve a comparaçãodos dados, observando-se o que há de comum entre eles, sua classifi-cação, o estabelecimento de relações (inferências e generalizações).Isso sempre à luz dos princípios teóricos e dos objetivos que nortearama observação (nesse caso, os modos de elaboração da palavra pelacriança, as condições em que eles se processam e a participação queneles tem o outro).Convém que todo esse trabalho seja documentado num relatóriosocializado com os outros grupos.Havendo tempo, seria interessante organizar sessões de apresen-tação e debate do trabalho de cada grupo, sendo conveniente uma leituraanterior do relatório do grupo que vai fazer a apresentação, anotações dedúvidas, pontos a serem esclarecidos e questionamentos a serem feitos.Sugestão de leiturasLURIA, A. Pensamento e linguagem — As últimas conferências. PortoAlegre: Artes Médicas, 1987.OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky. São Paulo: Scipione, 1993. (Em especialos capítulos 3, Pensamento e linguagem, e 4, Desenvolvimento eaprendizado.)PIAGET, J. A construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar,1975.VYGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes,1987. (Em especial os capítulos 5 e 6.)O papel da escolaCertamente você já ouviu mais de uma vez a afirmação "Escola élugar de aprender". Crianças, jovens e adultos aprenderam, na escola, aler, a escrever, a contar e tiveram acesso a muitas informações e concei-tos sobre o homem, a natureza, a sociedade, a língua que falamos. Osconceitos queaprendemos na escola, nas diferentes disciplinas, sao par-tes de teorias que buscam explicar e comprovar os fenômenos da natu-reza e os fatos sociais. Eles são organizados conforme uma lógica queprocura garantir-lhes coerência interna, e sua elaboração requer a utili-zação de operações complexas (como a comparação, a classificação, adedução, etc.) de transição de uma generalização para outras.Na pedagogia tradicional, que herdamos do século XIX, considera-va-se que os conceitos científicos não tinham nenhuma história interna,sendo transmitidos prontos à criança e memorizados tal qual por ela.Grande parte dos méto-dos de ensino ainda utilizadosem nossas escolas baseia-senessa concepção. Ensinam-seàs crianças os conceitos cien-tíficos, transmitindo-se a elasseu significado por meio dedefinições. Essas definiçõessão, então, utilizadas em umasérie de exercícios para trei-namento e memorização. Pelarepetição dos exercícios, a de-finição é fixada (memoriza-da) e utilizada (reproduzida)pela criança, além de reco-nhecida na fala de seus interlocutores. Nas séries iniciais, a quantidadede informações e detalhes fornecida é menor. A cada etapa da esco-larização, o mesmo conjunto de informações vai sendo retomado ecomplementado. Conhecimento e desenvolvimento são processos cu-mulativos: acumulamos informações e significados.Há diferentesformas de seapresentarem osconceitoscientíficos.107Fonte: Nossas crianças. São Paulo: Abril Cultural, 1970. v. 2.Nesse modo de considerar o ensino, está contida uma concepção delinguagem segundo a qual os significados das palavras estão fixados nalíngua e se impõem ao indivíduo. Daí a importância atribuída à exposi-ção das informações pelo professor (ou pelo livro didático), considera-da determinante para o aprender. A expressão da criança e suas elabora-ções próprias não são levadas em conta. A história dos conceitos, astransformações por que passam, os sentidos que evocam e provocamnos alunos, as experiências anteriores dos alunos com essas palavras,também não são tidos como questões relevantes, porque os atos decompreensão e de expressão (fala) que não seguem a norma vigente sãoconsiderados deformações da língua, erros.Assim, o modo pelo qual a criança responde às questões escolares,como a relativa à definição de pátria, por exemplo, revela se ela apren-deu (reconhece) ou não, se "entendeu" ou não a exposição do professor.Alguns professores, ao ouvirem as crianças definindo pátria como"coisa de soldado" e considerando que elas não entenderam o conceito,podem achar graça dos seus dizeres, que passam a compor o anedotárioescolar. Outros vêem na resposta a revelação de que as crianças nãoaprenderam aquilo que se esperava que tivessem aprendido, pois, sendoalunos da 3! série, seguramente, nos anos anteriores, ouviram falar so-bre o tema, tiveram acesso àquele conceito e, no entanto, não respon-dem de modo adequado à expectativa escolar.Os dizeres das crianças julgados como "falta de entendimento" le-vam a conseqüências: criança que não entende e não aprende precisaestudar mais, precisa prestar mais atenção, ou então "repete o ano".No entanto, como procuramos destacar no capítulo 7, a palavra nãoé transparente, nem tem um único significado. "Ela tem mil faces secre-tas sob a face neutra...", como disse Drummond.Sua multiplicidade se deixa entrever nos dizeres espontâneos dascrianças (algo que acontece em todas as salas de aula, quer os professo-res queiram e reconheçam, quer não). Eles nos revelam como as crian-ças procuram ativamente apreender o sentido da fala do adulto relacio-nando com suas experiências o que foi dito, evocando sentidos nemsempre esperados ou reconhecidos por nós.108Piaget e Vygotsky, dando importância à atividade do indivíduo noprocesso de conhecimento, refutam os pressupostos da pedagogiatradicional: os conceitos têm história interna, eles se desenvolvem nacriança. Por isso, seu ensino direto é impossível e infrutífero(Vygotsky, 1987: 72).Apesar dessa concordância, os dois focalizam e explicam de mododiverso o que acontece com os processos de elaboração conceituaiquando a criança defronta com os conceitos científicos que lhe sãoapresentados na escola.Piaget, considerando a construção do conhecimento um processoindividual, prioriza o ponto de vista da criança. Ele diz, por exemplo,que, quando ensinamos alguma coisa à criança, a impedimos de realizaruma descoberta por si mesma. Vygotsky enfatiza a participação do ou-tro no processo de conhecimento, que define como "internalização dasformas culturais de pensamento", e, de acordo com o conceito de zonade desenvolvimento proximal, que elaborou, afirma que a criança farásozinha amanhã o que hoje faz em cooperação.Escola é lugar de aprender a aprender, lugar deaprender pensando...A expressão do subtítulo acima, muito provavelmente, você tam-bém já ouviu. Ela reflete o deslocamento do foco do ensino, que setransfere para a aprendizagem. Seu centro passa a ser a criança, em vezdo professor, e o processo de elaboração ativa do conhecimento, nolugar da acumulação da informação pronta.Embora Piaget não tenha formulado nenhuma proposta meto-dológica, nem tenha se proposto a estudar os aspectos psicossociaisdo desenvolvimento — aqueles conhecimentos que a criança rece-be do exterior, por transmissão familiar, escolar, educativa em ge-ral —, suas idéias acerca do desenvolvimento infantil têm influen-ciado as chamadas propostas ativas de ensino, servindo como fun-damento para uma série de procedimentos metodológicos adotadospelos professores.Partindo do pressuposto que os conceitos científicos são objetos deconhecimento que o sujeito constrói de acordo com o estágio de desen-volvimento em que se encontra, Piaget considera que os conceitos nãose ensinam. Tudo o que se pode fazer é criar situações para que a criançapossa formulá-los (Dienes-Golding, 1972). Essas situações deverãopossibilitar-lhe atuar sobre os objetos de conhecimento, e, pela ativida-de cognitiva, levá-la a estabelecer as relações de análise e de generaliza-ção, por meio das quais irá elaborar a palavra.Nesse sentido, o ensino depende do desenvolvimento espontâneoda criança, acompanhando-o. Apesar dos esforços que os professoresfazem para explicar os conceitos, a criança recebe as informações e ati-vamente as transforma. "O processo de aprendizagem não é conduzidopelo professor, mas pela criança" (Ferreiro, 1982: 131).Segundo EmiliaFerreiro, "oprocesso deaprendizagemnão é conduzidopelo professor,mas pelacriança ".De acordo com es-ses princípios, o ensinocalcado na verbaliza-ção é visto como umaatividade mecânica, quedeve ser substituída pe-la elaboração espontâ-nea dos conceitos, con-dição determinante daconstrução conceituaida palavra. Deixa-se deesperar da criança apostura de ouvinte, va-lorizando-se sua ação esua expressão. Possibi-litar à criança situações em que ela possa agir e ouvi-la expressar suaselaborações passam a ser princípios básicos da atuação do professor.Apoiado nesse referencial teórico, o professor não vê comodesinformação ou falta de compreensão a diferença entre os significa-dos elaborados pela criança e o conceito sistematizado. A diferença re-vela um erro construtivo, que é indicativo do desenvolvimento da crian-ça, uma vez que suas palavras e ações mapeiam a especificidade do seupensamento.Ao definirem pátria como "coisa de soldado", por exemplo, ascrianças revelam a especificidade de seu pensamento poucogeneralizante, preso a imagens e experiências vividas. A fala de Sérgioenumerando algumas condições necessárias para se ter (ou não) pátria— casa, dinheiro, trabalho — revela uma causalidade por identificação,própria do pensamento pré-operatório.Deixando de dar prioridade às funções informativa e instrucional, oensino tem sua função social redefinida: contribuir para o desenvolvi-mento dos indivíduos, possibilitando-lhes vivenciar modos deconstruirconhecimento por si mesmos, modos de aprender pensando.em que estão envolvidos, aplicando-as a elementos nelas presentes. Aatenção de ambos está centrada na própria situação e não na atividadeintelectual que estão desenvolvendo enquanto a vivenciam.Assim, pai e filho, por exemplo, podem utilizar a palavra ferramen-ta numa situação de trabalho, sem que se explicite, para ambos, os sen-tidos que atribuem a ela. Para a criança, a palavra ferramenta pode de-signar apenas o martelo, não incluindo a chave de fenda ou o serrote.No entanto, como nesse contexto vivencial a palavra e a situação seentrelaçam, e a maioria das palavras utilizadas pelo adulto e pela crian-ça designa os mesmos objetos ou eventos, equivalendo-se funcional-mente, são raras as vezes em que ambos se dão conta das diferenças degeneralização e de abstração entre seus modos de elaborar as palavras.Essas diferenças aparecem ocasionalmente, quando a criança acabarevelando, por um motivo ou outro, o modo pelo qual "compreende" apalavra. Exemplos desse tipo de situação foram apresentados no capítulo 8.Já nas interações escolarizadas, que têm uma orientação deliberadae explícita no sentido da aquisição de conhecimentos sistematizadospela criança, as condições de produção da elaboração conceitual modi-ficam-se sob vários aspectos.Na escola, a criança e o adulto interagem numa relação social espe-cífica — a relação de ensino. Sua finalidade imediata, a de ensinar eaprender, é explícita para seus participantes, que nela ocupam lugaressociais diferentes: a criança, no papel de aluno, é colocada diante datarefa de "compreender" as bases dos conceitos sistematizados ou cien-tíficos; o professor é encarregado de orientá-la.Nessas condições, a participação do adulto é deliberada e explícitatanto para ele quanto para a criança. Cabe ao adulto, no papel de profes-sor, possibilitar à criança o acesso aos conceitos sistematizados, procu-rando induzir nela formas de raciocínio e significados. Cabe à criança,no papel de aluno, realizar as atividades propostas, seguindo as indica-ções e explicações dadas.No entanto, destaca Vygotsky, o papel do professor não implicaensinar ou explicar diretamente o significado de uma palavra à criança.Isso é impossível, assegura ele, porque "quando se explica qualquerpalavra, colocamos em seu lugar outra palavra igualmente incompreen-sível, ou toda uma série de palavras, sendo a conexão delas tãoininteligível quanto a própria palavra" (Tolstoi. Apud Vygotsky, 1987:72). Esse encadeamento de palavras que se substituem umas às outrasconduz apenas ao verbalismo vazio, "uma repetição de palavras pelacriança, semelhante à de um papagaio, que simula um conhecimentodos conceitos correspondentes, mas que na realidade oculta um vácuo"(idem, ibidem).O que a criança necessita, aponta Vygotsky, é de oportunidadespara adquirir novos conceitos e palavras na dinâmica das interaçõesverbais, mediadas pelo professor.O professor participa ativamente do processo de elaboraçãoconceitual da criança. Nas relações que mantêm, ele utiliza novos con-Escola é lugar de compartilhar conhecimentosA relação entre os processos de elaboração conceitual em desen-volvimento na criança e o aprendizado de conceitos científicos na esco-la é tematizada explicitamente por Vygotsky.Embora considere o processo de elaboração conceitual único e in-tegrado, Vygotsky destaca a necessidade de diferenciarmos as condi-ções em que a elaboração do conhecimento se dá nas relações coti-dianas e nas relações de ensino vividas no contexto escolar.Nas interações cotidianas, o adulto participa espontaneamente doprocesso de utilização e de elaboração da linguagem pela criança. Ele ea criança compartilham palavras, utilizando-as nas situações imediatas11O112ceitos, define-os, apresenta-os em diferentes contextos de uso, propõeatividades em que devem ser empregados. Destaca, recorta informa-ções e significados em circulação na sala de aula, direcionando a aten-ção da criança para eles; induz à comparação entre informações e signi-ficados; possibilita a expressão das elaborações da palavra, organizan-do verbalmente seu pensamento; problematiza as elaborações iniciaisda criança, levando-a a retomá-las, a refletir sobre possibilidades nãoconsideradas, a refletir sobre seus próprios modos de pensar...Na situação que vimos de conceituação da palavra pátria, é a pro-fessora quem conduz as crianças a explicitarem o significado que essapalavra tem para elas. Inicialmente ela destaca a expressão Semana daPátria, tentando organizar os comentários espontâneos que se seguiramà saída da diretora. Como Sérgio separa as duas palavras da expressão,indicando o significado de semana, a professora destaca a palavra pá-tria, perguntando sobre seu significado.Ao fazer a pergunta, ela interrompe os comentários entre as crian-ças e as conduz para uma elaboração refletida sobre a palavra.Para a criança, pensar sobre seu próprio modo de utilizar a palavraé uma atividade intelectual complexa e nova. Como a maioria de nós,ela está acostumada a utilizar as palavras nas relações cotidianas, e nãoa pensar sobre elas. Assim, o que a professora faz é levar as crianças adesenvolverem um tipo de atividade intelectual que elas ainda não rea-lizam por si mesmas.Visando responder às solicitações da professora é que as criançascomeçam a realizar esse trabalho intelectual, novo para elas. Mesmosem compreender completamente o que estão fazendo, elas buscam namemória elementos das experiências vividas, sentidos da palavra jáinternalizados que lhes possibilitem atender à solicitação feita. A per-gunta da professora não é apenas o disparador da atividade intelectualda criança. E a partir dela que as crianças selecionam os fragmentos desuas experiências (soldados, desfiles, desenhos, bandeiras), articulam eordenam esses fragmentos na resposta, organizando verbalmente o pen-samento, elaboram justificativas.O contexto (a situação) em que a pergunta da professora foi feita (apropósito das solenidades na escola para a comemoração da Semana daPátria) também orienta as respostas das crianças. Elas respondem le-vando em conta esse contexto quando privilegiam, inicialmente, ele-mentos ligados às comemorações da Semana da Pátria, como o soldado,os desfiles e os desenhos.Nesse sentido, não se pode dizer que as respostas elaboradas pelascrianças sejam decorrentes apenas da especificidade do seu modo depensar, como sugere Piaget, nem que sejam um mero reflexo de suasvivências, simplesmente uma associação entre estímulos. Elas são umaresposta ao outro numa relação social específica — a relação do ensino.Ao possibilitar o acesso das crianças a atividades intelectuais aindanão incorporadas por elas, a professora contribui para o desenvolvi-mento de seus conceitos iniciais, que são deslocados do processo deutilização da palavra nas situações imediatas (que as crianças já domi-nam) para o de reflexão sobre a própria linguagem (uma atividade inte-lectual a ser desenvolvida pela criança).A intervenção da professora contribui para o desenvolvimentoproximal das crianças, uma vez que atua sobre atividades psíquicas ne-las emergentes, fazendo-as avançar no raciocínio e começar a se darconta dele para poder responder ao outro.A professora ouve atentamente as crianças, mas não se limita aisso. Ela questiona as relações por elas estabelecidas entre pátria e sol-dado, indagando sobre a inclusão delas próprias no conceito: "Quemaqui tem pátria?", "Por que povão não tem pátria?". Em suas perguntasestão embutidas referências às relações entre grupos na sociedade: sepátria é coisa de soldado, em que conceito se encaixariam os indivíduosque não são soldados? Ela consegue formular essas questões porque játeve acesso, como adulta, a uma forma de elaboração mais generali-zante do conceito de pátria.Através de suas perguntas, ela não nega nem exclui as definiçõesiniciais das crianças. Ela as problematizae as "empurra" para outro pa-tamar de generalização. Leva as crianças a considerarem relações quenão foram incluídas nas suas primeiras definições, provocando reelabo-rações na argumentação desenvolvida por elas.As respostas dadas por Sérgio evidenciam esses esforços de reela-boração. Buscando responder aos questionamentos da professora e ori-entado pelas palavras dos colegas ("Pátria é coisa de soldado"), Sérgioacaba destacando outro sentido possível da palavra.Em sua primeira resposta, "Povão não tem pátria", Sérgio reafirmaa exclusão dos não-soldados do conceito de pátria. Mas explicita, deli-mita o grupo a que está fazendo referência. Não são quaisquer não-soldados que não têm pátria. Quem não tem pátria é o "povão".Para responder ao novo questionamento da professora (por quê?),Sérgio acaba definindo, com base nas experiências de seu grupo social,as condições necessárias para ter ou não pátria — dispor de casa, di-nheiro, trabalho — e, ao mesmo tempo, a expressão povão como a ne-gação dessas condições.A elaboração da resposta de Sérgio à professora revela outranuance do conceito. Pátria diz respeito a participação social, cidadania,relações de poder: Quem não tem acesso aos processos de produção econsumo da sociedade em que vive fica ou está à margem dela.Embora Sérgio recorra a elementos de suas experiências vivenciaispara responder à pergunta da professora, ele os coloca num quadro degeneralização mais amplo. Ao fazer referência ao "povão" (um gruposocial específico) e suas condições de vida, ele utiliza na elaboração dapalavra pátria as relações entre grupos da sociedade. Ele não faz umaanálise completa e deliberada das relações sociais de poder (que são abase das relações entre os grupos) na sociedade em que vive. Ele assugere, destacando um lugar social determinado: o dos despatriados. 113114A reelaboração resultante do encontro entre as perguntas da profes-sora e as primeiras definições expressas pelas crianças mostra comoseus conceitos iniciais (e cotidianos) foram se aproximando das formu-lações científicas do conceito de pátria, elaboradas pela história, pelasociologia, pela antropologia e pela política.Nas formulações dos cientistas sociais, as relações de poder são vi-síveis quando se considera o sentido de nação e de identidade nacionalque a palavra pátria tomou a partir do século XIX na Europa, com a con-solidação dos Estados nacionais. (Os professores da área de Históriapoderão fornecer detalhes desse período, além de explicar como os con-ceitos de pátria e de nacionalismo se relacionam. Poderão explicar tam-bém como esses conceitos foram sendo produzidos, como foram ga-nhando destaque e novos sentidos e a que setores da sociedade interessa-vam esses novos sentidos.) O sentido político, embora minimizado nocontexto escolar e nos livros didáticos, é que marca as solenidades daSemana da Pátria e em especial os desfiles mencionados pelas crianças.A aproximação entre as definições iniciais das crianças e as formula-ções científicas do conceito revela que o sentido político, o da relação en-tre pátria e poder, está presente nas elaborações que elas fazem. Os modoscomo definem pátria dizem respeito ao lugar por elas ocupado na socieda-de, à experiência histórico-cultural do grupo social a que pertencem. As-sim, o que de início poderia parecer falta de compreensão ou espe-cificidade do pensamento infantil pré-lógico é, na verdade, uma forma deelaboração não só aceitável como também relativamente complexa.Ao prestarmos atenção a essas possibilidades, vamos percebendoque as palavras não são apenas modos de representação do mundo e dopensamento ou instrumentos de comunicação. Elas são elemento deinteração e de constituição de identidades.Vamos percebendo, também, que é nas relações sociais que a "neu-tralidade" das palavras se desfaz. Pois é aí que "chegamos perto daspalavras", apreendendo-as na linguagem viva, em funcionamento.Ao considerarmos os conceitos em sua história, em sua relaçãocom a sociedade, em sua relação com a vida das pessoas que os utili-zam, redefinimos a relação de ensino como relação de partilha e dearticulação de saberes. Nela, crianças e professores ensinam-se recipro-camente.As crianças nos mostram como, a partir dos lugares sociais queocupam, compreendem as palavras, os conceitos que vamos trabalharcom elas. Elas nos falam de algumas das faces secretas que conseguemapreender nas palavras.Nós, professores, como parceiros sociais da criança, tomamoscontato com os sentidos e saberes que ela traz para a sala de aula e,levando-os em conta, participamos ativamente dos seus processos deconhecimento e de desenvolvimento. Para isso, destacamos outros sig-nificados e sentidos além dos que ela já conhece, outros modos de orga-nizar e articular os conhecimentos, tendo em vista chegar ao conheci-mento sistematizado.Nesse processo de entrecruzamento dos modos de conhecer se fa-zem presentes e atuantes as maneiras de dizer e pensar da criança, asoperações lógicas que ela realiza, as informações que o professor lhepossibilita e, fundamentalmente, a dinâmica das relações sociais emque o conhecimento é produzido, tanto na escola quanto fora dela.A sistematização é uma tarefa que as crianças não podem realizarsozinhas, pois requer o domínio de informações e de operações intelec-tuais que ainda estão fora de seu alcance. Elas necessitam da mediaçãodo professor para realizá-la.Para isso, o professor, como adulto que já teve acesso a um conjun-to muito mais amplo de informações e de práticas culturais de conheci-mento e de organização da atividade intelectiva, possibilita às criançaso contato com diferentes situações de uso do conceito, destacando,apontando as diferenças de que o conceito se reveste em cada situação.O professor ensina (ajudando, fazendo junto) as crianças a compararemsuas definições iniciais com os sentidos históricos dos conceitos. Eleproblematiza os sentidos dicionarizados das palavras ou os tradicional-mente enfatizados nos livros didáticos e nas solenidades escolares.A tarefa da sistematização exige que o professor, ele próprio, ela-bore ativamente os conceitos: que conheça sua história, que apreenda asatividades intelectuais contidas ou envolvidas na sua elaboração, queconheça os sentidos que têm nas práticas cotidianas das crianças com asquais trabalha, que analise as possibilidades de articulação entre os seusdiferentes sentidos.Essa elaboração de conceitos por parte do professor, porém, não éuma tarefa que ele realize sozinho. Ela é mediada pela produção cientí-fica e pelos dizeres das crianças.Nas relações de ensino compartilhadas, professor e crianças ensi-nam e aprendem. Eles aceitam o convite do poeta e contemplam juntosas palavras. Eles aceitam juntos o desafio das palavras, mergulhando nahistória, nas práticas sociais de conhecimento em que se constituem, embusca das chaves...115116Sugestão de atividadesOrganizando as informações do texto1. Compare as concepções de Piaget e de Vygotsky acerca do papel daescola no desenvolvimento da elaboração conceitual, enumerando assemelhanças e as diferenças entre elas.2. Confronte sua lista com a dos colegas, ajudando a organizar uma sín-tese do levantamento feito pela classe.Refletindo sobre os dados do textoA partir dos elementos apresentados no texto, elabore uma pequenareflexão considerando a seguinte questão: Professores para quê?Exercitando a sínteseRetome os dados do relatório do trabalho de campo sugerido no ca-pítulo anterior e complemente-o, utilizando informações e questio-namentos possibilitados pelo presente capítulo. Reelabore sua primeiraversão, retomando os pontos que, depois dessa reflexão, considerar ne-cessários.Exercitando a análiseVamos dividir a classe em dois grupos:• Os alunos do grupo 1 deverão ler o texto "Ensinando Ciências e Es-tudos Sociais nas séries iniciais ", de Terezinha Nunes Carraher eDavid W. Carraher, publicado emIsto se aprende com o Ciclo Básico(Projeto Ipê, curso II. São Paulo: SEICENP, 1986).• Os alunos do grupo 2 deverão ler "A elaboração conceitual: a dinâ-mica das interlocuções na sala de aula", de Roseli A. C. Fontana, nolivro A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a constru-ção do conhecimento, de A. L. Smolka e M. C. Góes, editado pelaPapirus.Nesses textos, os autores abordam situações de elaboração de con-ceitos em sala de aula ou experimentalmente.Cada aluno deve ler atentamente o texto que coube ao seu grupo esintetizá-lo, destacando a concepção de elaboração de conhecimentoadotada pelo autor e suas implicações pedagógicas.Cada grupo deve fazer uma síntese da sua leitura e apresentá-la àclasse.Reunidos, os grupos devem debater sobre as posições defendidas nostextos, tendo como referência a seguinte questão: Como ensinar às crianças?Unidade 3IntroduçãoCapítulo 10rincar e desenhar são atividades fundamentais da crian-ça. Ela brinca e desenha na rua, em casa, na' escola.Pela brincadeira e pelo desenho, ela fala, pensa, elaborasentidos para o mundo, para as coisas, para as relações.Pela brincadeira, objetos e movimentos são transformados. As rela-ções sociais em que a criança está imersa são elaboradas, revividas,compreendidas. Brincando de casinha, de médico, de escolinha, deroda, de amarelinha, de bolinhas de gude ou de pião, a criança se rela-ciona com seus companheiros, e com eles, num movimento partilhado,dá sentido às coisas da vida.Pelo desenho, a criança deixa suas primeiras marcas. Traços, rabis-cos, círculos, que, aos poucos, vão assumindo formas mais definidas.As marcas são nomeadas — pelos outros e por ela mesma — e come-çam a se tornar simbólicas. Pelo desenho é possível representar objetos,pessoas, espaços. A criança desenha sozinha, com outros, para outros.Pelo desenho ela fala de si e do mundo.São essas as atividades da criança para as quais vamos, agora, diri-gir o nosso olhar, procurando compreendê-las a partir das perspectivasde Luquet (no desenho), Piaget e Vygotsky.No capítulo 10, vamos apresentar as concepções de Vygotsky e dePiaget sobre a brincadeira, sobre por que as crianças brincam e qual asua importância no processo de desenvolvimento.No capítulo 11, acompanharemos as transformações por que passaa brincadeira da criança, desde os primeiros jogos até aqueles com re-gras, e discutiremos o lugar da brincadeira na escola.No capítulo 12, focalizaremos o desenvolvimento do desenho in-fantil com base nos pontos de vista de Luquet, Vygotsky e Piaget.No capítulo 13, vamos olhar o processo de elaboração do desenhopela criança, o papel que nele têm os outros e os modelos. E discutire-mos algumas concepções sobre criatividade e desenho e sobre o traba-lho com o desenho na escola.O papel da brincadeira nodesenvolvimento da criançaHora do recreio. No pátio, crianças correm, pulam, jogam bola,brincam de amarelinha, de roda e fazem outras tantas brincadeiras.Na sala de aula, crianças reunidas em pequenos grupos estão con-centradas em jogos que a professora escolheu para ajudá-la a ensinaralgum conteúdo. Em outra sala (ou em outro momento), crianças prepa-ram a encenação de um texto.Na aula de Educação Físicaas crianças jogam, pulam corda,praticam esportes.Na pré-escola, as criançasbrincam na areia, imitam bichos,montam quebra-cabeças, inven-tam coisas com sucata, brincamde faz-de-conta; enfim, passamboa parte do tempo brincando.A brincadeira se faz pre-sente na escola nas mais varia-das situações e sob as mais di-versas formas. Muitas tambémsão as concepções sobre o seulugar e sua importância na práti-ca pedagógica.Uma concepção é aquela que pode ser traduzida na frase "Criançavai à escola para aprender, e não para se divertir". De acordo com esseponto de vista, a brincadeira é pura diversão e, portanto, só deve serpermitida na hora do recreio.Outra concepção é a de que o criança tem necessidade de brincar,mas que na escola é preciso separar brincadeiras e "tarefas sérias". Asbrincadeiras estão presentes tanto na pré-escola como nas séries iniciaisdo 1? grau, e o tempo ocupado por elas é determinado pela idade dascrianças ou pelo andamento da programação pedagógica.A brincadeira fazparte daspráticasescolares dascrianças.1T,.9120Existe ainda a concepção segundo a qual "brincando a criançaaprende", que pode ser traduzida em métodos educacionais que valori-zam a brincadeira e procuram evitar uma distinção rígida entre jogo e"tarefas sérias". Nesse caso, os jogos podem ser introduzidos como re-cursos didáticos importantes, ou, então, especialmente na pré-escola,todo o trabalho pedagógico pode basear-se na brincadeira.Diante desse quadro, somos levados a perguntar: "Mas, afinal, quala importância da brincadeira na vida da criança e qual o lugar que elapode ou deve ocupar na escola?". E isso o que vamos procurar examinara seguir, com base na psicologia do desenvolvimento.Por que as crianças brincam?Todos nós já ouvimos, ou até já demos, algumas respostas à ques-tão formulada acima, como: "Criança brinca para descarregar energia";"Criança não trabalha, não precisa se preocupar com a sobrevivência e,portanto, brinca para ocupar o seu tempo"; ou, ainda, "Criança brincapor puro prazer".Hoje, prestar atenção à brincadeira infantil e buscar explicações(de senso comum ou científicas) para ela faz parte de nosso dia-a-dia.Parece-nos natural que as crianças brinquem e que tenha sido sempreassim.No entanto, não foi sempre assim. Houve um tempo em que a idadenão era um critério de diferenciação social, e a criança partilhava ostrabalhos e as festas dos adultos. Conforme vimos no primeiro capítulo,foi apenas nos séculos XV e XVI que nas sociedades ocidentais ascrianças foram afastadas das atividades adultas. E a idéia da infânciacomo um período particular somente se consolidou no século XVII,acompanhada da elaboração de uma teoria filosófica sobre a especifici-dade infantil, que tomou possível o posterior aparecimento de uma psi-cologia da criança e de seu desenvolvimento.A assimilação do real ao eu: a concepção de PiagetA psicologia vem mostrando que a brincadeira tem um papel im-portante no desenvolvimento da criança e que ela satisfaz algumas desuas necessidades. Mas que necessidades são essas? O que leva a crian-ça a brincar?Para Piaget, a brincadeira infantil é uma assimilação quase pura doreal ao eu, não tendo nenhuma finalidade adaptativa. A criança pequenasente constantemente necessidade de adaptar-se ao mundo social dosadultos, cujos interesses e regras ainda lhe são estranhos, e a uma infini-dade de objetos, acontecimentos e relações que ela ainda não com-preende. De acordo com Piaget, a criança não consegue satisfazer todasas suas necessidades afetivas e intelectuais nesse processo de adaptaçãoao mundo adulto.Assim, a criança brinca porque é "indispensável ao seu equilí-brio afetivo e intelectual que possa dispor de um setor de atividadecuja motivação não seja a adaptação ao real senão, pelo contrário, aassimilação do real ao eu, sem coações nem sanções [...]" (Piaget eInhelder, 1989: 52).A brincadeira é, então, uma atividade que transforma o real, porassimilação quase pura às necessidades da criança, em razão dos seusinteresses afetivos e cognitivos.Unia garotinha que havia feito diversas perguntas sobre o me-canismo dos sinos, observado num velho campanário de aldeia,mantém-se imóvel e em pé ao lado da mesa do pai, fazendo umbarulho ensurdecedor. "Você está me atrapalhando um pouco, nãovê que eu estou trabalhando? ", acode o pai. E a pequena: "Nãofale comigo, sou uma igreja ". Da mesma forma, profundamenteimpressionada por um pato depenado sobre a mesa da cozinha, acriança é encontrada à noite, estendida em um canapé, a ponto dea cuidarem doente e de a crivarem de perguntas, a princípio semrespostas; depois, com voz fraca, ela acaba explicando: "Eu sou opato morto! ".(Episódio relatadopor Piage( e Inhelder, em A psicologia dacriança.)Para Piaget, situações como essas indicam que na brincadeira dofaz-de-conta (chamada por ele de jogo simbólico) as crianças criamsímbolos lúdicos que podem funcionar como uma espécie de lingua-gem interior, que permite a elas reviver e repensar acontecimentos inte-ressantes ou impressionantes. As crianças, mais do que repensar, neces-sitam reviver os acontecimentos. Para isso recorrem ao simbolismo di-reto da brincadeira.As relações sociais com o mundo adulto: a concepçãode VygotskyVygotsky também analisa a emergência e o desenvolvimento dabrincadeira nas relações sociais da criança com o mundo adulto.Segundo ele, na idade pré-escolar algumas modificações ocorremno desenvolvimento da criança. Como demonstra Leontiev, impor-tante psicólogo soviético, o mundo objetivo que a criança conheceestá continuamente se expandindo e, nesse período, já não incluiapenas os objetos que constituem o ambiente que a envolve (comoseus brinquedos, sua cama ou os utensílios e objetos com os quaisela está sempre em contato e sobre os quais pode agir), mas tambémos objetos com os quais os adultos operam e sobre os quais ela ain-da não pode agir. 121.A situaçãoimaginária dabrincadeira éuma decorrênciada ação, afirmaVygotsky.122(Adaptado de Vygotsky, Luria, Leontiev. Linguagem, desen-volvimento e aprendizagem. São Paulo: ícone/Edusp.)Ou seja, a criança passa ase interessar por uma esfera mais amplada realidade e sente necessidade de agir sobre ela. Agir sobre as coisas éa principal forma de que a criançadispõe para conhecê-las, compreen-dê-las. Nesse período, ela tenta atuarnão apenas sobre as coisas às quaistem acesso, mas esforça-se para agircomo um adulto: quer, por exemplo,dirigir um carro ou fazer comida.Surge, então, uma contradiçãoentre a necessidade de agir sobre umnúmero cada vez maior de objetos e odesenvolvimento das capacidades fí-sicas. Em outras palavras, surgem nacriança as necessidades não realizá-veis imediatamente, no dizer deVygotsky, e que se tornam motivopara as brincadeiras. Isso não significa, porém, que as crianças com-preendem as motivações que as levam a brincar.A brincadeira é, então, a forma possível de satisfazer a essas necessi-dades, já que possibilita à criança agir como os adultos (dirigindo um carro,cuidando de um bebê, fazendo "comidinha") em uma situação imaginária.Para Vygotsky, a situação imaginária da brincadeira decorre da açãoda criança. Ou seja, a tentativa da criança de reproduzir as ações do adul-to em condições diferentes daquelas em que elas ocorrem na realidade éque dá origem a uma situação imaginária. Isso significa que a criançanão imagina uma situação para depois agir, brincar. Ao contrário, paraimaginar, ela precisa agir. E o que vamos compreender melhor analisan-do uma situação real de crianças brincando, descrita a seguir.Brincando de estação de tremAlgumas crianças brincam de estação de trem em uma pré-escolana antiga União Soviética, observadas por um pesquisador.Sete crianças estão brincando em uma sala grande. B é o che-fe da estação. Ele está usando um boné vermelho e carrega umdisco de madeira em uma vara. Ele cercou uma área com cadeiras,explicando que é a estação onde o chefe mora.7; L e N são passageiros. Eles dispuseram as cadeiras em fila,uma atrás da outra, e sentaram-se.N: "Como podemos começar sem um condutor? Eu serei o ma-quinista ". Ele vai para a frente e começa a resfolegar: "Ssh-ssh-ssh ".G é a garçonete do restaurante. Ela cercou um "restaurante"com cadeiras em torno de uma mesinha, pôs uma caixa de papelãosobre ela e encheu-a de pedaços de papel rasgados por ela e queseriam o "dinheiro ". Perto da caixa, ela dispôs ordenadamente,em fileiras, pedacinhos de biscoito. "Veja como eu tenho um res-taurante bem-fornido", diz ela.Ba: "Eu venderei as passagens... oh! Como se chama quemfaz isso? ". "Caixa ", diz o pesquisador. Ba: "Sim, sim, o caixa. Dê-me um pouco de papel ". Tendo obtido o papel, ela o rasga em tirase separa os pedaços maiores. "Aquelas são as passagens e estes(os pedaços pequenos) o dinheiro, para dar o troco".B dirige-se a N: "Quando eu lhe der este disco, você imediata-mente começa ". N imita o som de descarga de uma máquina e ospassageiros ocupam seus lugares. De repente, B diz: "Os passa-geiros estão embarcando sem bilhetes e está na hora do trem par-tir". Os passageiros correm para o guichê de venda de passagens,onde Ba está sentada, esperando. Eles estendem a ela pedaços depapel e ela lhes dá, em troca, as passagens. Os passageiros voltama seus lugares. B aparece e dá o disco a N. N imita o som de descar-ga, sopra, e eles "partem ".G (com ar aborrecido): "Quando é que eles virão para com-prar? ". B: "Eu posso vir agora, o trem partiu e por isso eu posso ".Quem foi Leontiev?Alexis N. Leontiev, nascido em 1903, foi um dosmais importantes psicólogos soviéticos que trabalha-ram com »gotsky e Luria. Membro daAcademia Sovié-tica de Ciências Pedagógicas, recebeu em 1968 o títulode doutor honoris causa pela Universidade de Paris.Leontiev pesquisou principalmente a relação en-tre o desenvolvimento do psiquismo humano e a cultu-ra, ou seja, entre a evolução das funções psíquicas e aassimilação individual da experiência histórica.Assim como Vygotsky, Leontiev criticou as con-cepções mecanicistas do comportamento humano. Suapreocupação era encontrar um referencial materialis-ta histórico e dialético para a psicologia.A defesa que Leontiev fez da natureza sócio-histó-rica do psiquismo humano teve como base a teoriamarxista do desenvolvimento social.Teórico e experimentador, Alexis Leontiev não se limitou ao tra-balho de laboratório. Preocupou-se com os problemas da vida hu-mana em que o psiquismo intervém. Seu campo de estudos compre-endeu principalmente a pedagogia, a cultura, o problema da perso-nalidade. Criou a Faculdade de Psicologia da Universidade deMoscou, da qual se tornou decano.Leontiev morreu em 1979.123Ele vai até o restaurante e pede um bolo. G lhe dá um e pergunta:"E o dinheiro?". B corre até o pesquisador e, tendo recebido umpedaço de papel, volta e "compra" um bolo. Ele come com ar sa-tisfeito. Ba mexe-se na cadeira, olha para o restaurante, mas nãose levanta. Em seguida, ela olha novamente para o restaurante epara o pesquisador, e pergunta: "Quando é que vou comer? Nãohá ninguém aqui agora ", diz ela, como que para se justificar. Nobserva: "O que é que está impedindo? Vá em frente ". Ba olha aoredor, depois corre para o restaurante, compra rapidamente e vol-ta depressa. G arruma de novo os seus bolos, mas não se serve.N assopra ruidosamente e grita: "Estação! ". Ele e os passa-geiros correm ao restaurante, compram bolos e voltam. B toma odisco de N e, depois, devolve-o. N assopra e resfolega, e eles "par-tem" novamente.Ba examina o restaurante, compra um bolo e o come. G: "Eutambém gostaria de comer, mas o que é que eu faço, compro ou mesirvo? ". B ri: "Compre de você mesma e pague-se ". G ri, masimediatamente pega duas "moedas" e compra de si mesma doispedaços de bolo, explicando como se fosse para o pesquisador queestá presente: "Eles já compraram uma vez ". Não recebendo res-posta, ela se põe a comer.(Situação relatada por Leontiev, 1988: 136-7.)podem se transformar em um trem. Desse modo, a criança transformao significado dos objetos de acordo com seus desejos, sem preocupa-ção de adaptar-se à realidade.Assim, na brincadeira qualquer coisa pode transformar-se em ou-tra, sem regras nem limitações. Essa possibilidade de livre transforma-ção de significado dos objetos explica-se pelo predomínio da atividadeassimilativa da criança, ou seja, pela incorporação a seus esquemas deação e pensamento de objetos diferentes sem a correspondente transfor-mação (acomodação) desses esquemas e com o único propósito de per-mitir à criança imitá-los ou evocá-los.Vygotsky, no entanto, observou que na situaçãodo faz-de-contanão é qualquer objeto que pode substituir outro e que a criança, ao brin-car, sempre submete seu comportamento a regras.Se observarmos na brincadeira de estação de trem como se de-senrolam as ações das crianças, notaremos que, ao contrário do quehabitualmente se diz sobre as brincadeiras das crianças — que nelastudo pode acontecer —, toda a ação das crianças é regulada pela si-tuação imaginária, desenvolve-se de acordo com ela. Assim, o tremnão pode partir antes que os passageiros tenham comprado seus bilhe-tes e que o chefe da estação tenha dado a devida autorização ao ma-quinista. Da mesma forma, não se pode comprar bolo sem dinheiro, eos passageiros que estão no trem só se dirigem ao restaurante quandoo trem pára na estação.Aprendendo a olhar a brincadeiraComecemos por examinar quais são as características dessa brin-cadeira. A primeira coisa que nos chama a atenção é que cada criançaenvolvida na situação assume um papel definido: algumas são os passa-geiros, uma é o maquinista, outra o chefe da estação, e assim por diante.Toda a ação das crianças se desenvolve e se estrutura a partir dessespapéis, configurando-se, assim, uma situação imaginária. Ou seja, acriança que assume o papel de chefe de estação, age como tal: é elaquem deve autorizar a partida do trem. O mesmo ocorre com as criançasque assumem os outros papéis: elas agem como passageiros, como ma-quinista, como bilheteiro.Um segundo aspecto que podemos notar na brincadeira é a utiliza-ção que as crianças fazem dos objetos: cadeiras tanto demarcam os es-paços como compõem o trem; pedaços de papel transformam-se emdinheiro e em passagens; pedaços de biscoito viram bolo.Essa transformação dos objetos é interpretada por Piaget comoresultado da utilização de esquemas habituais, contando não com apresença dos objetos a que comumente se aplicam, mas de novos ob-jetos que "não lhe convém [à criança] do ponto de vista de uma adap-tação efetiva" (Piaget, 1978: 127). Um pequeno travesseiro, por1 24exemplo, pode ser embalado como uma boneca; uma caixa, empurra-da como um carrinho; ou, ainda, como na situação acima, cadeirasBrincadeira é coisa sériaPodemos notar, então, que a situação imaginária, longe de ser algocriado livremente pelas crianças, sem nenhuma relação com a realida-de, traz as marcas da experiência social das crianças, de suas vivênciase conhecimentos sobre a realidade.Vygotsky dá um exemplo de duas irmãs, uma com 5 e outra com 7anos, que resolveram "brincar de irmãs". Nessa brincadeira, elas fazemtudo aquilo que enfatiza sua relação social de irmãs, passando a agir deacordo com regras de comportamento próprias dessa relação, que nãosão percebidas na vida real.Essa situação, como a da criança que assume o papel de maquinistade trem, mostra que aquilo que na vida real passa despercebido pelascrianças torna-se regra de comportamento na brincadeira.De acordo com Vygotsky, essas regras decorrem da própria situa-ção imaginária. E o fato de assumir determinado papel que induz acriança a submeter seu comportamento a regras.A submissão a regras implica a superação da ação impulsiva. Paraesperar que o trem pare na estação para ir ao restaurante comprar bolo,as crianças precisam evitar a ação impulsiva de obter um biscoito esubmetê-la às regras implícitas na situação imaginária. Segundo Vy-gotsky, essa submissão da criança a regras de comportamento é a razãodo prazer que ela experimenta na brincadeira.125Durante abrincadeira, acriança operacom o significadodas coisas, e nãocom elas em si.126Na situação de brincadeira, a criança supera a ação impulsiva tam-bém relativamente aos objetos. Crianças muito pequenas ainda não têmessa capacidade: os objetos é que determinam o que devem fazer, por-que sua percepção é sempre um estímulo para a atividade. Ou seja, acriança pequena age de acordo com o que vê. Se vê um cabo de vassou-ra perto de uma lata, por exemplo, ela poderá usá-lo para bater na lata.Ou então, se vê um biscoito, ela provavelmente o comerá.De acordo com Vygotsky, "é no brinquedo que a criança aprende aagir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, de-pendendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivosfornecidos pelos objetos externos".Isso significa que na brincadeira os objetos perdem sua força deter-minadora e a criança passa a operar com o significado das coisas. Nabrincadeira, um cabo de vassoura pode ser utilizado como um cavalo, ebiscoitos podem se transformar em pedaços de bolo vendidos no restau-rante de um trem.Objetos e significados na brincadeiraMas a criança não realiza a transformação de significados de umahora para outra. Como vimos, quando muito pequena, ela ainda não écapaz de agir como se um cabo de vassoura fosse um cavalo. Isso por-que os significados ainda estão ligados aos objetos concretos que acriança conhece: cachorro significa seu próprio cachorro; relógio é orelógio de parede da sala de sua casa; irmã é sua própria irmã.Vygotsky vê a brincadeira infantil como um recurso que possibilitaa transição da estreita vinculação entre significado e objeto concreto àoperação com significados separados dos objetos. Na brincadeira, acriança ainda utiliza um objeto concreto para promover a separação en-tre significado e objeto. Ela só é capaz de operar, por exemplo, com osignificado de cavalo (sem se referir ao cavalo real) utilizando um obje-to, como o cabo de vassoura, que lhe permita realizar a mesma açãopossível com o cavalo real: montar ou cavalgar.Assim, não é qualquer objeto que pode substituir outro. Uma bola,uma caneta ou uma mesa não poderiam representar um cavalo, porque acriança não poderia agir com esses objetos como se fossem um cavalo,não poderia montá-los ou cavalgá-los.Já uma criança mais velha ou um adulto poderiam utilizar qualquerum desses objetos para representar um cavalo. Um adolescente, porexemplo, que estivesse relatando uma experiência a um amigo, poderiatranqüilamente dizer: "Faça de conta que aquela mesa é o cavalo. Euestava aqui, mais ou menos a essa distância, quando ele disparou emminha direção".Isso porque crianças mais velhas, adolescentes ou adultos já po-dem operar com o significado, independentemente do objeto concreto.Qualquer coisa pode simbolizar outra, e é possível até mesmo operarcom significados Sue dizem respeito a coisas que nunca foram vistas ouexperimentadas. E por isso que, se nos falam sobre violino, é possívelcompreendermos o que dizem sem nunca termos visto um violino ououvido o seu som. Para isso, basta conhecermos o significado da pala-vra violino.E nesse sentido que a brincadeira infantil constitui uma transição:ao agir com um objeto como se fosse outro, a criança separa do objetoreal, concreto, o significado. Mas, para realizar essa separação, ainda hánecessidade de um objeto substituto que possibilite a mesma ação que oobjeto real.Da mesma forma que um objeto substitui outro, na brincadeira in-fantil uma ação também substitui outra. Quando a criança brinca demontar a cavalo, sua ação de correr com um cabo de vassoura entre aspernas, imitando um trotar, substitui a ação real de cavalgar.Nesse caso, o significado também se separa da ação por intermédiode uma ação diferente (como no caso dos objetos), e a criança operacom o significado de sua ação: "montar" um cabo de vassoura adquire osignificado de cavalgar.Na brincadeira, a criança opera com significados desvinculadosdos objetos e das ações; mas o fato de utilizar outros objetos reais(como o cabo de vassoura) e outras ações reais (como "montar" umcabo de vassoura) ajuda-a a realizar uma importante transição.O papel da brincadeira no desenvolvimento da criançaA brincadeira e a função simbólicaPiaget e Vygotsky têm pontos de vista diferentes também quanto àfunção da brincadeira no desenvolvimento infantil.Para Piaget, o jogo simbólico é parte de uma função fundamentaldo processo cognitivo da criança,a função simbólica. Essa função apa-127situações concretas, tendo dificuldade em controlar voluntariamenteseu comportamento e submetê-lo a regras. Quem conhece crianças des-sa idade sabe que é preciso estar constantemente lhe dizendo o que fa-zer. E preciso sempre chamá-la para tomar banho, lembrá-la de escovaros dentes, recomendar que guarde seus brinquedos, e assim por diante.Ela ainda não decide antecipadamente o que vai fazer e só submete seucomportamento a regras impostas obedecendo a uma autoridade exte-rior (os pais ou o professor).Fonte: Nossas crianças. São Paulo: Abril Cultural. 1970. v. 2.A criança dessa idade tem no dia-a-dia dificuldade para fazer dis-tinção entre o significado dos objetos e suas características. Uma crian-ça que tenha aprendido a utilizar a palavra animal para se referir a ma-míferos de quatro patas, provavelmente terá dificuldade em reconhecerum inseto ou uma ave como animais. O significado da palavra animalpermanece ligado às características dos seres que concretamente elaconhece como animal: as quatro patas, por exemplo.E por isso que, segundo Vygotsky, a brincadeira cria uma zona dedesenvolvimento proximal: "[...] no brinquedo, a criança sempre secomporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seucomportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que éna realidade" (Leontiev, 1988: 122).Assim, a brincadeira é a atividade "em conexão com a qual ocor-rem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico dacriança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que prepa-ram o caminho da transição da criança para um novo e mais elevadonível de desenvolvimento" (idem, ibidem).Logo, a atividade de brincar é essencial para o desenvolvimento dacriança em idade pré-escolar.129rece na criança mais ou menos aos 2 anos e permite que ela possa repre-sentar uma coisa (um objeto, um acontecimento, etc.) por intermédio deoutra coisa, como a linguagem, o desenho ou o gesto simbólico.Como vimos, Piaget considera que a brincadeira não tem finalida-de adaptativa, não provoca um aprimoramento dos esquemas mentais,ou de ação, da criança. Sua importância para o desenvolvimento consis-te no fato de possibilitar — pela aplicação de esquemas conhecidos aobjetos "inadequados" — a transformação do significado dos objetos ea criação de símbolos lúdicos individuais. Num símbolo lúdico, comopedacinhos de biscoito que representam bolo, um objeto é evocado poroutro, ao qual são atribuídas as qualidades daquele.Assim, o jogo simbólico relaciona-se ao aparecimento da capaci-dade de representar eventos e objetos. E, com a representação, a criançatorna-se capaz de pensar em objetos que não estão presentes em seucampo perceptivo, de lembrar-se de acontecimentos, de prever mental-mente o resultado de suas ações.A função simbólica é, então, indispensável para a ampliação dasfronteiras da inteligência, embora, de acordo com Piaget, ela só progri-da com o desenvolvimento da própria inteligência. Ou seja, é à medidaque o pensamento da criança se desenvolve que sua linguagem, o dese-nho e o próprio jogo evoluem.Portanto, embora o jogo simbólico seja importante para a constitui-ção de símbolos que servem para representar objetos ou acontecimen-tos, ampliando o campo de ação da inteligência, seu desenvolvimentoestá subordinado ao desenvolvimento da própria inteligência.A criação de zonas de desenvolvimento proximalJá para Vygotsky, a brincadeira tem um papel fundamental no de-senvolvimento do pensamento da criança. Ao substituir um objeto poroutro, a criança opera com o significado das coisas e dá um passo im-portante em direção ao pensamento conceitual, que, como já vimos,baseia-se nos significados, e não nos objetos. Por exemplo, o conceitode escola para um adulto não se refere a uma ou várias escolas que eleconhece, mas corresponde a uma generalização, a uma idéia de escolaque pode incluir múltiplos aspectos: seu caráter de instituição, sua fun-ção social, sua forma de organização em geral, etc.Além disso, quando a criança assume um papel na brincadeira, elaopera com o significado de sua ação e submete seu comportamento adeterminadas regras. Isso conduz ao desenvolvimento da vontade, dacapacidade de fazer escolhas conscientes, que estão intrinsecamenterelacionadas à capacidade de atuar de acordo com o significado deações ou de situações e de controlar o próprio comportamento pormeio de regras.E importante notar também que no jogo a criança faz coisas que128ainda não consegue realizar no cotidiano. Nas atividades cotidianas, acriança em idade pré-escolar age de acordo com o meio, os objetos e as130Sugestão de atividadesOrganizando as informações do texto1. Reproduza o quadro abaixo e preencha-o com as informações dotexto:Trabalho de campo1. Observe crianças brincando. Faça uma combinação entre as idades eas situações seguintes:SituaçõesIdadesSozinhasDe 1 a 3 anosCom outras criançasDe 4 a 6 anosCom adultosDe 7 a 9 anosDe 8 a 11 anosCombinando as diferentes faixas de idade e situações (por exemplo,crianças de 1 a 3 anos sozinhas, de 1 a 3 anos com outras crianças ede 1 a 3 anos com adultos), serão doze as condições para a observa-ção. A classe deverá ser dividida em grupos, e a cada grupo será atri-buída uma das condições.Durante as observações, prestem atenção aos seguintes aspectos:• de que as crianças brincam;• com quem brincam;• que objetos ou brinquedos utilizam e como os utilizam;• que atividades realizam e como as realizam;• o que falam e a quem se dirigem;• como se relacionam durante a brincadeira.Procurem registrar tudo o que puderem e bem rapidamente (as falasdas crianças merecem atenção especial e, na medida do possível, de-vem ser registradas literalmente).Cada grupo deve organizar o seu registro e depois apresentá-lo para aclasse.2. Com base nos resultados das observações de todos os grupos, organi-ze com os colegas um painel sobre a brincadeira infantil. Na apresen-tação do painel, façam um debate sobre a brincadeira infantil, con-frontando os modos como a vêem Piaget e Vygotsky.Sugestão de leiturasKIsHiMOTo, T. M. O brinquedo na educação — Considerações históri-cas. O cotidiano da pré-escola. São Paulo: FDE, 1990. (Idéias, 7).OLIVEIRA, Zilma M. R. de. L. S. Vygotsky: algumas idéias sobre desen-volvimento e jogo infantil. A pré-escota e a criança hoje. São Paulo:FDE, 1988. (Idéias, 7).PIAGET, J. A função semiótica ou simbólica. In: . A psicologiada criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.VYGOTSKY, L. S. O papel do brinquedo no desenvolvimento. In:. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,1984.PiagetVygotskyPor que as criançasbrincamComo as criançasbrincamPapel da brincadeira nodesenvolvimento131Capítulo 11A brincadeira na vidae na escolaComo vimos no capítulo anterior, Piaget e Vygotsky têm concep-ções diferentes sobre a importância da brincadeira para a criança. Noentanto, os dois concordam que a brincadeira evolui e se modifica.Para Piaget, essa evolução acompanha o desenvolvimento da inte-ligência e do pensamento, enquanto para Vygotsky ela se deve a mu-danças que ocorrem na interação da criança com o meio social, em ra-zão das diferentes posições que ocupa e das diferentes tarefas que lhesão colocadas.Assim, cada um desses autores dirige sua atenção para aspectosdistintos do processo de evolução da brincadeira, reconhecendo nelediferentes momentos.A perspectiva de Piaget sobre o desenvolvimento dabrincadeiraOs primeiros jogos que a criança realiza são denominados porPiaget jogos de exercício. Estes não comportam ainda nenhum simbo-lismo e consistem na repetição, por puro prazer, de comportamento queela já aprendeu.Depois de ter aprendido, a partir dos 7 meses, a repelir umobstáculo para agarrar o objetivo, T começa, entre 8 e 9 meses, asentir prazer nesse gênero de exercícios. Quando eu interponho,várias vezes seguidas, a minha mão ou um cartão entre a sua e obrinquedo que ele cobiça, T chega a esquecer momentaneamenteesse brinquedo para limitar-se a repelir o obstáculo, rindo às gar-galhadas. O que era adaptação inteligente converteu-se, pois, emjogo por deslocamento do interesse para a própria ação indepen-dentemente de sua finalidade.1 32(Situação relatada por Piaget em A formação do símbolo na^'- criança.)O jogo vai se tornando maiselaborado e mais complexo à medi-da que o bebê começa a combinarludicamente ações diferentes, pas-sando de uma a outra ação sem em-preender nenhum esforço que viseadaptação ao meio ou aos objetos esem ter nenhuma finalidade deter-minada. O bebê repete certas açõespelo prazer de exercitá-las.Se num primeiro momento asações do bebê são repetidas, apli-cando-se aos mesmos objetos (co-mo, por exemplo, repetir com o travesseiro todos os movimentos quehabitualmente faz para dormir: deitar-se de lado, apoiando nele a cabe-ça, chupar-lhe as franjas, fechar os olhos, etc.), chega um momento emque outros e novos objetos começam a ser empregados.J. (1 ano e 3 meses) vê uma toalha cujas bordas franjadas lherecordam vagamente as de seu travesseiro: apanha-a, retém umaponta na sua mão direita, chupa o polegar da mesma mão e deita-sede lado, rindo muito. Conserva os olhos abertos mas pisca-os de tem-pos a tempos, como se quisesse fazer uma alusão aos olhos fechadospara dormir. Enfim, rindo cada vez mais, grita nanã (= dormir).(Situação relatada por Piaget em A formação do símbolo nacriança.)É apenas porpuro prazer queos bebês repetemcertas ações.O jogo do faz-de-conta surge quando a criança torna-secapaz de representar objetos e acontecimentos ausentes.Esse tipo de jogo dá origemao jogo simbólico (o faz-de-con-ta), que surge na criança quandoseu pensamento torna-se capazda representação simbólica (maisou menos aos 2 anos). Diferente-mente do jogo de exercício, quenão supõe o pensamento nem arepresentação mental de objetosou situações, o jogo simbólico,conforme já observamos, impli-ca a representação de objetos eacontecimentos ausentes.De acordo com Piaget, o jo-go simbólico começa por comportamentospelos quais a criança imita objetos, pessoasou situações.Aos poucos, a brincadeira sim-bólica com outras crianças (casinha, escoli-nha, etc.) começa a ter lugar, e o simbolismo lúdico vai se tornando maiscomplexo. O símbolo lúdico pouco a pouco leva às representações adap-134tadas, em que verdadeiras dramatizações com papéis definidos ocupamo lugar do faz-de-conta. Construções com madeira, pedras, modelagem,etc. passam a ser utilizadas, substituindo as transformações mais rudi-mentares dos objetos que ocorrem no jogo de faz-de-conta.Assim, o jogo simbólico se desenvolve na direção de uma atividademais construtiva, com finalidade de adaptação ao real. Os jogos de cons-trução (em que a criança constrói maquetes e réplicas de objeto a partirdos mais variados materiais), os jogos dramáticos (teatrinho, drama-tização) e também os jogos com regras (bolas de gude, cartas, amare-linha, etc.), todos eles se devem ao desenvolvimento do jogo simbólico.Os jogos com regras aparecem por volta dos 7 anos, possibilitadospela crescente socialização do pensamento da criança, que conduz àsubstituição do símbolo lúdico individual pelas regras. Ao contrário dosimbolismo, a regra supõe relações interindividuais, pois é "uma regu-laridade imposta pelo grupo, e de tal sorte que a sua violação representauma falta" (Piaget, 1978: 148).Os jogos com regras são jogos de combinações sensório-motoras(como corridas, bolas de gude, etc.) ou intelectuais (cartas, xadrez,etc.). Quase sempre há entre indivíduos competições que são reguladaspor regras estabelecidas pelo grupo, por acordo momentâneo ou porregras transmitidas de uma geração a outra:[...] os jogos de regras podem ter origem quer em costumesadultos que caíram em desuso (de origem mágico-religiosa, etc.),quer em jogos de exercícios sensório-motores que se tornaram co-letivos, quer, enfim, em jogos simbólicos que passaram igualmentea coletivos mas esvaziando-se, então, de todo ou parte de seu con-teúdo imaginativo, isto é, de seu próprio simbolismo.(Piaget, 1978: 185)A perspectiva de Vygotsky sobre o desenvolvimentoda brincadeiraDe acordo com Vygotsky, as primeiras brincadeiras surgem da ne-cessidade de dominar o mundo dos objetos humanos. Ao brincar, a crian-ça tenta agir sobre os objetos, como os adultos. É por isso que a brin-cadeira de crianças mais novas caracteriza-se pela reprodução de açõeshumanas realizadas em torno de objetos. Elas brincam de montar umcavalo, de dirigir um trem, de alimentar, trocar ou banhar uma boneca.Durante o desenvolvimento dessas brincadeiras, as relações huma-nas incluídas nessas ações começam a aparecer mais claramente. As cri-anças passam a brincar não apenas de dirigir um trem, mas reproduzemas relações humanas em que o maquinista está envolvido. Já não importaapenas a relação entre o maquinista e o trem (a ação de conduzir o trem),mas também as relações entre o maquinista e seu ajudante, os passagei-ros, o chefe da estação e o funcionário que dá o sinal de partida.Ao embalar a boneca, trocar sua roupa, dar-lhe banho ou comidi-nha, a criança pequena assume o papel de mãe, preocupando-se em re-produzir as ações maternas. Já a criança mais velha inclui essas açõesem um contexto de relações sociais mais amplo, em que não importamapenas as ações que a mãe realiza com o filho, mas as relações entreambos. Ela ralha com a boneca, leva-a ao médico ou à escola, o pai eoutros irmãos podem aparecer, trazendo para o primeiro plano as rela-ções sociais em que mãe e criança estão inseridas.Nas brincadeiras de grupo, as relações sociais são reproduzidas nasrelações das crianças entre si. Reguladas por regras implícitas de com-portamento, essas relações são uma pré-condição importante para que,aos poucos, as crianças tornem-se conscientes da existência de regrasna brincadeira. E sobre essa base que surgem os jogos com regras (co-mo amarelinha, esportes, cartas).Vygotsky afirma que "da mesma forma que uma situação imaginá-ria tem que conter regras de comportamento, todo jogo com regrascontém uma situação imaginária". O jogo de xadrez (que é um jogocom regras), por exemplo, baseia-se em uma situação imaginária.Fonte: Nossas crianças. São Paulo: Abril Cultural, 1970. v. 1.Ao se vestiremde mulher, asmeninasreproduzemações sociaisdo seu meio.135O cavalo, o rei, a rainha eoutras peças só podem sermovidos no tabuleiro de ma-neiras específicas, determi-nadas por uma situação ima-ginária. O mesmo ocorre nosjogos com cartas, na bata-lha-naval, no jogo de bolasde gude e outros.Assim, no contexto daspráticas histórico-culturais,a brincadeira se desenvol-ve, passando de uma situa-ção claramente imaginária,com regras implícitas, para uma situação implicitamente imaginá-ria, com regras e objetivos claros.Da mesma forma que a brincadeira, o papel que ela exerce no de-senvolvimento infantil também se modifica. Na idade pré-escolar, abrincadeira de faz-de-conta é a principal atividade da criança. Já na ida-de escolar, os jogos com regras e os esportes tomam-se mais impor-tantes. Estes têm um papel específico no desenvolvimento, mas não sãotão fundamentais como o faz-de-conta na idade pré-escolar. A instruçãoformal, culturalmente valorizada e estimulada, passa a ocupar então opapel central no desenvolvimento da criança.Brincando, aprendendo e sendoApós tratar do papel da brincadeira no desenvolvimento infantilem nossa sociedade, vamos retornar à questão do seu lugar na escola.Brincar na escola não é a mesma coisa que brincar em casa ou narua. O cotidiano escolar é marcado pelas características, pelas funções epelo modo de funcionamento dessa instituição.Na escola, como lugar essencialmente destinado à apropriação eelaboração pela criança de determinadashabilidades e determinadosconteúdos do saber historicamente construído, a brincadeira é negada,secundarizada ou vinculada a seus objetivos didáticos. Nesse últimocaso, diz-se que brincar é uma forma de aprender, privilegiando-se as-sim a atividade cognitiva implícita na brincadeira, em detrimento de seucaráter lúdico.E na escola existe o professor, que é o adulto que conduz intencio-nalmente as relações de ensino, de acordo com objetivos e concepçõesdidático-pedagógicos. Concepções e objetivos que constituem, ao mes-mo tempo, o crivo de seleção das atividades apresentadas às crianças ea "lente" com a qual ele focaliza o que elas fazem e dizem. Diferente-136do adulto que em casa vê a criança brincar, ou brinca com ela e1.36para ela, "experimentando com o acaso" (Novalis), o professor relacio-No jogo de regrasestão presentestambém situaçõesimaginárias.na-se com a brincadeira como um procedimento previsto em seu planode ação com as crianças.No entanto, nas condições concretas do cotidiano escolar, como obrincar se realiza?Brincando na escolaSala de jogos. Acompanhadas pela professora, as crian-ças do jardim (5 anos) vão se acomodando nas mesinhas e esco-lhendo, nas prateleiras, os jogos e materiais com que desejam ocu-par-se.O material disponível à exploração das crianças é consti-tuído basicamente por jogos pedagógicos — quebra-cabeças, jo-gos de encaixe e montagem, placas de alinhavo, etc.Nesse espaço, a professora não precisa orientar verbal-mente a atividade dos alunos. A próprig organização das condi-ções físicas da sala indica o que é esperado deles, o que é permiti-do a eles nesse lugar e momento da rotina escolar.Na situação há possibilidades de escolha. Não há lugaresmarcados, nem uma tarefa única para todos — cada criança esco-lhe com que e com quem brincar, onde sentar.A situação é um convite à exploração — os jogos estão àdisposição para serem manipulados, observados... Eles permitem/incitam a atividade das crianças. Nos jogos há problemas implíci-tos a serem solucionados: para que servem as peças? Comomontá-las?A criança obedece às sugestões dos brinquedos, apren-dendo a usá-los dentro das regras a que foram destinados.Mas essa não é a única forma de explorá-los. Além de suaexperiência ou conhecimento desses tipos de jogos, as criançastambém exploram as peças que os compõem, elaborando outraspossibilidades e modos de brincar com elas.Epossível comparar as peças, juntá-las ao acaso, agrupá-las segundo os mais diferentes critérios e até desenhar com elas,percorrendo os múltiplos caminhos que o material oferece à suaatividade.Sem levar em conta figura e forma, Guilherme junta aspeças de um quebra-cabeça em pares. Ana, percebendo o contornodo quebra-cabeça, uma borda azul e reta existente em várias pe-ças, utiliza-o como ponto de encontro para enfileirá-las, sem seimportar com os encaixes. Fernando engata quatro peças montan-do, empolgado, um trenzinho, enquanto Júlio transforma a haste eas argolas, que formariam o corpo do palhaço, no eixo e nas rodasde um avião.Sentadas no chão, Carol, Elisa e Natália brincam de ali-nhavo. Enquanto as mãos movimentam-se ritmadamente sobre asplacas, elas conversam.Carol: "Eu era a costureira. Eu tava tão cansada, maspreciso terminar este vestido".137Por meio dejogos, na escola,as criançasreproduzemdiversassituações sociais:das trocasinterpessoais, danegociação. dadisputa.138Elisa: "Eu também".Natália: "Eu também. É pra festa de hoje à noite ".Carol: "E duro ser costureira. Dá uma dor na costa.Tem que trabalhar muito. Este vestido é tão grandão, não acabanunca".Natália: "A gente furava o dedo na agulha e não vai poderir na festa ".Elisa: "É... a madrasta não vai deixar: Ela vai com as fi-lhas dela e a gente vai ficar sozinha trabalhando...".Carol: "Que nem Cinderela, né?".(Episódio extraído do relatório de estágio de Fernanda Victor. alu-na do curso de Magistério, 1993.)As crianças brincam, transformando os brinquedos, reelaborando-os criativamente. Combinando os dados da experiência, elas constroemuma nova realidade.O movimento de ali-nhavar, treino motor obje-tivado pedagogicamente,adquire um novo significa-do — o "gesto" de costurar—, enquanto as crianças setransformam em costurei-ras e, em seguida, são im-pedidas de irem à festa, emCinderelas.Pelo gesto, pela pala-vra, a placa de alinhavo éconvertida em símbolo parao jogo, e as crianças imitame vivenciam um mundo quequerem conquistar.O faz-de-conta impõe-se aos objetivos didático-pedagógicos, redi-mensionando-os. Na brincadeira, conhecimento e fabulação, experiên-cia e simbolização entrelaçam-se.Brincar na sala de jogos possibilita, também, o relacionamento en-tre as crianças. Algumas ficam sozinhas. Outras se agrupam, mas têmdificuldade de se entrosar, não sabem exatamente o que fazer, ficamobservando os colegas. Há as que falam com os amigos, trocam peças eidéias, num trabalho conjunto efetivo e equilibrado.Otávio fica em dúvida sobre onde colocar a peça do quebra-cabeça que tem nas mãos. Danilo, ao seu lado, lhe diz: "Tá vendoo nome?" (apontando para a parte já montada do quebra-cabeça)."Então, coloca a sua peça embaixo."(Episódio extraído do relatório de estágio de Juliana Nogueira.aluna do curso de Magistério. 1993.)Há grupos em que as relações são tensas, envolvendo disputa deinteresses, e com algumas crianças querendo se impor ao restante dogrupo. Como todas as crianças queriam o quebra-cabeça da árvore, es-tabelece-se entre elas a seguinte conversa:Ricardo: "Ah, Carla! Dá o da árvore para mim. Eu quero fazêprimeiro, tá?".Fabiana: "Não, não pode dar pra ele. Tem que acabar demontar pra pegar o outro ".Carla: "Eu vou ficar com o da árvore. Depois eu vejo praquem eu vou dar".Ricardo: "Isso não vale!".Carla: "Eu e minhas amigas vamos ficar de mal de você! ".(Episódio extraído do relatório de estágio de Juliana Nogueira,aluna do curso de Magistério, 1993.)No confronto das possibilidades, no exercício das trocas e negocia-ções, vai se delineando a disputa entre os modos de ver e dizer o mundoe o outro. Emergem, na dinâmica da brincadeira, as práticas sociais dascrianças, suas histórias em construção no jogo "real" e conflitante dasrelações sociais.O lugar da brincadeira na escolaVista de perto, com enfoque na criança que brinca, a brincadeira na es-cola se revela muito mais complexa, múltipla e contraditória do que leva emconta o princípio didático-pedagógico que associa o brincar a aprender.Brincar é, sem dúvida, uma forma de aprender, mas é muito maisque isso. Brincar é experimentar-se, relacionar-se, imaginar-se, expres-sar-se, compreender-se, confrontar-se, negociar, transformar-se, ser. Naescola, a despeito dos objetivos do professor e de seu controle, a brinca-deira não envolve apenas a atividade cognitiva da criança. Envolve acriança toda. E prática social, atividade simbólica, forma de interaçãocom o outro. Acontece no âmago das disputas sociais, implica a consti-tuição do sentido. E criação, desejo, emoção, ação voluntária.Quando perde sua dimensão lúdica, sufocada por um uso didáticoque a restringe a seu papel técnico, a brincadeira esvazia-se: a criançaexplora rapidamente o material, esgotando-o. Isso se dá quando, em vezde aprender brincando, a criança é levada a usar o brinquedo paraaprender.Esse uso da brincadeira como estratégia de aprendizagem acentua-se nas séries iniciais do 1? grau. Incentivada e considerada atividadefundamental da criança na fase pré-escolar, a brincadeira costuma ser,então, deixada de lado, ou apenas tolerada. Nas sociedades urbanascontemporâneas, ler, escrever e estudar tornam-se as atividades funda-mentais para as crianças em idade escolar, e os jogos e as brincadeirassó têm lugar na prática pedagógica quando auxiliam a elaboração econstrução de conhecimentos sistematizados.139Nesse contexto, o jogo aparece (con)fundido com o "materialpossível o prolonga-mento da vida e a diminuição da mortalidade infantil. A partir do séculoXVII, gradativamente passou-se a admitir a idéia de que a criança eradiferente do adulto não apenas fisicamente. Começou-se então a con-siderá-la como não preparada para a vida, cabendo aos pais, além dagarantia de sua sobrevivência, a responsabilidade por sua formação, en-tendida principalmente como espiritual e moral. Nessa época foi que seiniciou o costume de enviar crianças às escolas, as quais se ocupavambasicamente com o ensino da religião e da moral e de algumas habilida-des, como a leitura e a aritmética.Se antes a socialização da criança acontecia em meio à convivênciadireta com os adultos — ajudando os mais velhos ela aprendia valores,costumes e habilidades —, a partir do século XVII, ela foi afastada do con-vívio constante com eles e sua formação passou a ser responsabilidade dafamília e da escola. Repare, na ilustração a seguir, um quadro do séculoXVII, como a representação da criança se transformou: seu corpo, suasproporções, seus movimentosganharam contornos que per-mitem diferenciá-la claramentedos adultos (compare com a re-presentação do século II, a domenino 'aprendendo a andar).Repare também como ela é co-locada como centro do interes-se, da atenção e dos cuidadosdos adultos: seus primeirospassos são acompanhados a-tentamente pela mãe, pela amae pela avó.O historiador PhillippeAriès cita um texto de 1602, quefala da preocupação dos paiscom a educação das crianças:Os pais que se preocupam com a educação de suas criançasmerecem mais respeito do que aqueles que se contentam em pô-lasno mundo. Eles lhes dão não apenas a vida, mas uma.vida boa esanta. Por esse motivo, esses pais têm razão em enviar seus filhos,desde a mais tenra idade, ao mercado da verdadeira sabedoria [ocolégio], onde eles se tornarão os artífices de sua própria fortuna...(Ariès, 1981: 277.)Mas a atuação da escola era ainda bastante limitada, tanto no que serefere aos objetivos que ela assumia quanto em relação aos métodos queutilizava e ao pequeno número de crianças que atendia.A retirada da criança do mundo adulto teve repercussões no modo depensar sobre elas. No século XVIII, os filósofos começaram a apontar aO primeiro passoda infância,quadro deMargueriteGérard.8existência de um mundo próprio e autônomo da criança. Rousseau,Pestalozzi e outros consideraram que a mente infantil opera diferentementeda dos adultos. Isso possibilitou o estudo científico da criança e seu desen-volvimento em suas formas próprias de organização (Charlot, 1979).Mas foi apenas no começo do século XX que se iniciou efetiva-mente o estudo científico da criança e do comportamento infantil. Des-de então vem sendo desenvolvida uma série de pesquisas sobre diferen-tes aspectos da vida psíquica da criança. Importantes sistemas teóricosforam construídos e têm servido de base às reflexões sobre seu desen-volvimento, sua afetividade e sua educação.Além disso, diversas abordagens sobre os processos de aprendizageme desenvolvimento foram elaboradas, a partir de questões e interesses espe-cíficos e com base em diferentes métodos de investigação. Enfocando te-mas como a inteligência e as diferenças individuais, a maturação, a aprendi-zagem, a construção do conhecimento e o desenvolvimento da criança, al-gumas dessas abordagens têm exercido considerável influência nos meioseducacionais e levado a reflexões sobre as metodologias e conteúdos doensino escolar. Entre elas destacam-se a inatista-maturacionista, ocomportamentalismo, a piagetiana e a histórico-cultural.E sobre essas abordagens que trataremos nos próximos capítulos,destacando os autores mais representativos, os conceitos fundamentaisligados a cada uma e as relações entre elas. Apresentaremos tambémalgumas das pesquisas que as embasaram, suas concepções quanto àrelação desenvolvimento-aprendizagem e sua influência na escola.O início da psicologia da criança no BrasilNo Brasil, as principais pesquisas psicológicas sobre a criançadatam do início do século. Foram educadores, geralmente vincula-dos às Escolas Normais, que implantaram a psicologia do desenvol-vimento infantil, realizando pesquisas e experimentos com criançasem idade escolar.Alguns fatos que marcaram o início da psicologia da criança noBrasil foram:1) O estabelecimento, em 1914, de um laboratório de pedagogiaexperimental junto à Escola Normal de São Paulo, onde crianças eramsubmetidas a exames destinados a medir suas reações psicofísicas(como, por exemplo, discriminações visuais, auditivas, etc).2) A criação, em 1916, de um laboratório de psicologia pedagó-gica, por uma academia de pedagogos do Rio de Janeiro. Esse labo-ratório foi planejado por Alfred Binet (ver boxe no próximo tópico)e, através dele, introduziram-se os testes psicológicos no Brasil, es-pecialmente aqueles destinados a medir e avaliar as capacidades ehabilidades infantis.3) Os estudos sobre a maturidade para a leitura em escolares,realizados por Lourenço Filho na Escola Normal de Piracicaba/SP.Sugestão de atividadesTrabalho de campoEscolha uma classe da l! à 48 série para observar durante um pe-ríodo de aula. Anote, em folhas de papel, a série observada, a data, ohorário do início e -do término da observação, o número de alunos pre-sentes à aula, como está organizada a sala, que móveis e outros objetoshá nela (por exemplo, se as carteiras estão dispostas em círculos, gruposou fileiras; a posição da mesa do professor; se há armários, prateleiras,murais, etc.).Em seguida, vá anotando bem rapidamente tudo o que se passa nasala de aula, prestando atenção aos seguintes aspectos:• os conteúdos trabalhados;• os recursos utilizados pela professora;• as atividades realizadas pelas crianças;• a movimentação das crianças e da professora;• acontecimentos "não previstos":a) interrupções da aula;b) situações de briga, choro, doença, falta de material;c) situações em que a professora perdeu a paciência;d) assuntos sobre os quais a professora e os alunos falaram que vo-cê considera não pertinentes aos conteúdos trabalhados;• reação das crianças à sua presença.Depois, organize o seu registro, agrupando as situações semelhan-tes, de acordo com os aspectos sugeridos acima. Lembre-se de redigirseus registros de maneira clara, para que possam ser compreendidosfacilmente por outras pessoas.Comente, por escrito, as situações observadas, considerando aquestão da complexidade do ensinar e do aprender.Problematizando a observaçãoDestaque um comportamento ou um episódio observado ao desen-volver a atividade acima que, a seu ver, a psicologia poderia ajudar aanalisar. Justifique sua escolha. Enumere as perguntas que você faria,pensando em encontrar respostas na psicologia.Aprofundando as informações do texto1Conforme vimos, os sentimentos que temos atualmente em relaçãoà criança e as formas de nos comportarmos em relação a ela não são osmesmos que se viam antes do século XVII. Para conhecer um pouco daspráticas sociais de educação da criança até então, leia um dos dois tex-tos sugeridos a seguir, anotando seus pontos principais:• P. Ariès, A história social da família e da criança (`Conclusão', p.275-279).• J. Gélis, A individualização da criança (História da vida privada,v. 3).Sugestão de leiturasARIÈS, P. História social da família e da criança. Rio de Janeiro: Zahar,1978.GÉLIs, J. A individualização da criança. In: ARIÈS, P., CHARTIER, R. Histó-ria da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. v. 3.KORCZAK, J. Quando eu voltar a ser criança. São Paulo: Summus.MIRANDA, M. G. O processo de socialização da criança: a evolução dacondição social da criança. In: LANE, S. T. M., CoDO, W. Psicologiasocial: o homem em movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984.Capítulo 2A abordageminatista-maturacionistaTodos nós já ouvimos ou dissemos coisas como: "Ele ainda nãotem maturidade para aprender a ler";con-creto" utilizado nas aulas de Matemática, como recurso para a fixaçãode regras ortográficas ou de conteúdos a serem memorizados, comomeio para a elaboração conceituai. Usam-se bingos, jogos de memória,"coelhinho sai da toca" (para dar noções espaciais, como de domínios efronteiras), etc.Os professores propõem aos alunos: "Vamos fazer um jogo?". Maso jogo sugerido pouco tem dos "jogos de verdade" com que as criançasse divertem fora da escola. Nele não há ganhador ou perdedor, pois oobjetivo é aprender, e não jogar. Seu propósito não diz respeito à ativi-dade do próprio jogo, e sim a uma necessidade e a uma lógica alheias aele: a necessidade de sistematização de determinado conhecimento e alógica do próprio conhecimento.A culminância das atividades envolvendo jogos está, do ponto devista pedagógico, no que acontece depois do jogo. Está no registro e naanálise do que se fez, dos resultados obtidos, do que se observou duran-te o jogo, etc., e não no jogar em si.Desfigurado, o jogo oscila entre a "ausência de sentido" e a"busca de sentido". Ou as crianças não se envolvem, reclamam queos jogos propostos são chatos, resistem ao registro e à análise, ouentão brincam, mas "sem prestar atenção ao que é importante". Pro-fessores e crianças passam a desconfiar (por motivos distintos, natu-ralmente) da presença do jogo na escola. Para que, então, o jogo naescola? Como lidar com ele?Ao possibilitarmos o jogo e observarmos as crianças brincando,podemos nos ater a suas respostas (ao que elas fazem), identificando oque elas conhecem (ou não), se desempenham as tarefas e se solucio-nam os problemas. Podemos, também, intervir na sua atividade, no sen-tido de ajustar suas respostas ao que delas esperamos durante o jogo. Osdados observados, incluindo os "efeitos" de nossa intervenção, permi-tem a nós, professores, classificar as crianças segundo seu desempenho,- formando o grupo daquelas que conseguem montar o quebra-cabeça e odaquelas que não conseguem, o das que agem prontamente e o dasdispersivas.As respostas das crianças também podem nos servir de indicadoresdo seu desenvolvimento: estas "já" montam o quebra-cabeça, aquelas"ainda" não, etc. Nesse caso, continuamos classificando as crianças,mas a classificação baseia-se no grau de proximidade ou distancia-mento entre o que a criança faz e o que é esperado dela, de acordo comas etapas do desenvolvimento apontadas pelas teorias da psicologia.Nos dois modos acima descritos de utilizar o jogo, este serve comoinstrumento de avaliação e, implicitamente, de seleção: a diversidadeque aparece entre as crianças é hierarquizada e analisada como desi-gualdade. Uma teoria psicológica adotada pelo professor pode, então,levá-lo a colocar e sustentar "etiquetas" nas crianças.E possível, no entanto, fazer do jogo um momento de conhecimen-to e de convivência com as crianças, que nos permite conhecer seusmodos e percursos de apropriação e elaboração do mundo, pois pode-mos voltar nosso olhar não apenas para aquilo que elas fazem, mas parao como elas fazem. Quais são as elaborações das crianças? Em que me-dida respeitam ou transformam o projeto, a estrutura e a tática do jogo?Que associações de idéias elas fazem no transcorrer da brincadeira? Oque se mostra significativo para elas? Que elementos se tornam subita-mente personagens, passando a agir por conta própria? Durante a brin-cadeira, o que elas dizem, a quem, quando, como? Como se relacionamcom o outro (real ou imaginado)?Nesse processo o objeto de nossa atenção torna-se outro, bemcomo nossas perguntas acerca da criança e de nossa prática. Busca-mos um novo sentido para o nosso trabalho pedagógico: conhecer acriança para trabalhar com ela, para brincar com ela, para aprendercom ela.Aprender e ensinar a brincarNo parque, crianças de 4 anos brincam na areia. Uma delas seaproxima da professora e oferece o "bolo de chocolate" que haviafeito com areia:— Professora, experimenta. Fui eu que fiz.— Hum! Que delícia! Ah, mas agora me deu sede. Você nãoquer fazer um suco para mim?— Tá bom.A criança mistura água com um pouco de areia num copinhode danone.— Professora, olha o suco.— Do que é?— É de laranja.— Que tipo de laranja?— Laranja-lima.A criança volta e faz outro bolo, só que agora com enfeites defolha de árvore, e o oferece à professora.— Você só sabe fazer doce?— Não.— Então eu quero um salgado.— Eu vou preparar um salgadinho doce.A criança volta com várias bolinhas de areia nas mãos.— Oba! Que salgadinho é esse?— Bolinha de queijo.A professora, fingindo comer o salgadinho, oferece-o a outracriança:— Quer uma, Mateus?— Eu não!!! — responde Mateus.— Ah! Nós come de mentirinha — diz a primeira criança.(Episódio extraído do relatório de estágio de Juliana Nogueira,aluna do curso de Magistério, 1993.)4A professora, ao aceitar o bolo de chocolate, aceita o convite que acriança lhe faz para brincarem juntas. Quem comanda a brincadeira éa criança, mas a professora, assumindo um papel na brincadeira, enco-raja-a a explorar outras possibilidades e nuances da situação imaginada:"Você não quer fazer um suco para mim?", "Você só sabe fazer doce?".A atenção ou destaque que a professora vai dando a determinadosaspectos da brincadeira constituem a via pela qual ela interfere na ativi-dade da criança, não para ajustá-la à sua própria maneira de consideraro jogo, mas para, explorando com ela outras possibilidades, enriquecê-lo em organicidade e duração.Pelo fato de a brincadeira não ser uma simples recordação de im-pressões vividas, mas uma reelaboração criativa delas, e por consistirsempre e apenas de materiais colhidos na realidade, o adulto tem nelaum importante papel. A vantagem de dispor de uma experiência maisvasta, de um repertório mais amplo de formas para imitar lhe permite irmais longe com a imaginação. Ao compartilhar sua experiência inventi-va com a criança, a professora "ensina-a" a brincar.Na dinâmica do jogo, ela pode estimular e organizar as respostasda criança, colocando ao seu alcance novos elementos e possibilida-des sígnicas.Além de ensinar, nessa relação a professora também aprende.Como destaca Rodari, no seu Gramática da fantasia:[...] aprende-se com a criança a falar com as peças do jogo, acompreender seus nomes e papéis, a transformar um erro em umainvenção, um gesto em uma história [...]; mas também a confiaràs peças mensagens secretas (porque são elas que dizem à criançaque a queremos bem, que ela pode contar conosco, que nossaforça é sua).(1982: 93.)Nesse terceiro modo de utilizar o jogo que descrevemos, o profes-sor elabora um saber sobre as crianças (sobre as particularidades decada uma e sobre as regularidades no processo de como elas aprendeme se desenvolvem) e um saber sobre sua prática (sobre as possibilida-des de sua participação nos processos de aprendizagem e desenvolvi-mento de cada uma e de todas as crianças com quem interage).Nesse saber elaborado no cotidiano do trabalho pedagógico, as teo-rias constituem um referencial importante para ajudar a perceber e com-preender a complexidade, a multiplicidade e as contradições das rela-ções de ensino.Sugestão de atividadesOrganizando as informações do textoElabore um quadro-resumo acerca das diferenças e semelhançasentre as concepções de Vygotsky e Piaget sobre o desenvolvimento dabrincadeira da criança.Trabalho de campoObserve crianças brincando na escola e anote tudo o que puder,seguindo as mesmas orientações dadas no capítulo anterior. Elabore umrelatório de suas observações, discutindo, a partir dos subsídios do tex-to, questões relativas ao lugar do brinquedo na escola.Exercitando a análiseO filme O Menino Maluquinho focaliza com sensibilidade a infân-cia: os desejos, a família, as angústias, a escola, os amigos, as brincadei-ras, as traquinagens.Assista ao filme e, depois, organize um debate em classe. Troquecom os colegas opiniões e impressões sobre o filme e destaque aspec-tos, cenas, situações que possibilitem refletir sobre a brincadeira infan-til, sua importância e seu desenvolvimento.Sugestão de leituraRODARI, G. Jogos no parque. In: . Gramática da fantasia. SãoPaulo: Summus, 1982.142143Capítulo 12restrito e delimitado: as aulas de Educação Artística. Estas podem sertanto um espaço para a atividade artística criativa, para o ensino de téc-nicas diferentes, quanto para a reprodução de modelos, por meio daconfecção de "trabalhos manuais", em que o trabalho de uma criançaseja semelhante aos das outras.Desenho:presençaconstante napré-escola.O desenho infantilA professora distribui folhas embranco, lápis e giz de cera. Uma agitaçãotoma conta das crianças. E hora de dese-nhar. Elas falam umas com as outras,contam sobre o que vão desenhar. Umaolha o desenho da outra. Alguém diz quenão sabe fazer um gato. Gradativamenteas marcas no papel vão aparecendo: ga-ratujas, bonecos, casinhas, animais. De-senhos grandes, que ocupam toda a fo-lha. Desenhos pequenos colocados emum cantinho do papel. Monocromáticosou multicoloridos.Atividade intensa e envolvente paraas crianças, o desenho na pré-escola temuma presença constante. É visto comopossibilidade de expressão, como incen-tivo à criatividade. Ou ainda como indi-cador do nível de desenvolvimentocognitivo e afetivo das crianças. Tendoem vista a alfabetização, o desenho étambém considerado uma forma agradável de trabalhar a coordenaçãomotora das crianças, sua capacidade de atenção e concentração, seusconhecimentos sobre cores, formas, etc.Na escola do 1? grau, a escrita, a leitura e os cálculos gradualmentepassam a ocupar o espaço do desenho e a determinar seu novo papel. Ascrianças desenham para ilustrar um texto, para enfeitar seus cadernos,para compor conjuntos numéricos. Desenham ainda nas aulas de Ciên-cias ou Estudos Sociais, copiando dos livros o ciclo da água ou mapasgeográficos.O desenho livre, a exploração das diversas possibilidades ofereci-das pela atividade gráfica, quando ainda se mantém, ganha um espaçoElemento capaz de proporcionar a livre expressão e a criatividade,o desenho se faz presente na escola como exercício da coordenaçãomotora ou treino de habilidades manuais, como ilustração ou apoio paraa compreensão de determinados conteúdos ou, ainda, como recursopara a mera ocupação do tempo quando a programação do dia já foicumprida.Entretanto, que concepções sobre o desenho sustentam suapresença na escola? Qual o significado do desenho para a criança?Como ele se desenvolve? E qual o seu papel no desenvolvimentoe na aprendizagem da criança? Esses são alguns aspectos que nosparecem fundamentais quando se busca a construção de uma prá-tica pedagógica cientificamente fundamentada. Este capítulo pre-tende trazer elementos que ajudem a compreensão e a reflexãosobre esses pontos.Quando o traço no papel recebe um nomeQuando observamos uma criança muito pequena rabiscando ou"desenhando", notamos facilmente que os traços não são nada mais quea fixação no papel de seus movimentos das mãos, dos braços e, às ve-zes, até do corpo todo.Os primeiros desenhos ou rabiscos infantis podem ser vistos maiscomo gestos que imprimem marcas em uma superfície do que propria-mente como desenhos.De acordo com Vygotsky, o desenvolvimento posterior do desenhonão é puramente mecânico nem tem explicação em si mesmo: é precisoque, num dado momento, a criança descubra que os traços feitos por elapodem significar algo.Fonte: Nossas crianças. São Paulo: Abril Cultural, 1970. v. 3.145146Rafael, de 3 anos, está desenhando em sua casa. Sentado àmesa, produz com o lápis movimentos mais ou menos circulares,deixando marcas no papel. Num dado momento, olha para a suaprodução e exclama, dirigindo-se à sua mãe: "Olha, mãe! Eu fizum fusca!".(Episódio extraído das experiências familiares de uma das au-toras.)A criança, ao nomear o seu desenho depois que o fez, relaciona ostraços que produziu (que podem ou não assemelhar-se a algo real) a umobjeto concreto (no caso, um fusca). E, pelo ato de nomear, seu desenhotorna-se significativo.A fala tem, assim, um papel fundamental na descoberta que a crian-ça faz de que seus rabiscos podem significar algo, segundo Vygotsky. Eimportante lembrar que, antes que a criança nomeie seu desenho, ele énomeado pelos adultos que a rodeiam (habitualmente perguntam àcriança o que ela desenhou ou dizem coisas como "Olha, você fez ummenininho!").Embora a descoberta de que os traços do desenho podem repre-sentar objetos reais ocorra nos primeiros anos da infância, Vygotskyobserva que essa descoberta ainda não equivale à da função simbólicado desenho.A nomeação, feita inicialmente depois de pronto o desenho,passa gradativamente a acompanhar o ato de desenhar. E muito co-mum observarmos crianças que começam a fazer traços no papel evão, durante o ato de desenhar, nomeando o que estão fazendo. Adecisão quanto ao que desenhar não é tomada antecipadamente, masno decorrer do próprio desenho elas falam e nomeiam o que estãofazendo.Depois, a nomeação começa a se dar no início do processo de dese-nhar. A criança diz "Vou desenhar uma flor" ou "Vou fazer uma casa",antes de começar a desenhar.Essa mudança relativa ao momento da nomeação no desenho de-monstra que os primeiros traçados da criança ainda não representamsimbolicamente, em si mesmos, os objetos reais. E apenas pelo ato denomeação, pela utilização da linguagem falada que os desenhos ga-nham algum significado. Tanto é assim que muitas vezes o significadopassa a ser outro no decorrer do ato de desenhar. A criança pode expli-car que está fazendo um gato e, antes mesmo de completar o desenho,dizer "Isto é uma bruxa".Por isso Vygotsky afirma que a "representação simbólica primáriadeve ser atribuída à fala" e considera que o próprio desenho torna-sesimbólico pela utilização da linguagem oral. O desenho transforma-seefetivamente em representação simbólica quando a nomeação passa ase dar no início do ato de desenhar e a criança torna-se capaz de decidirantecipadamente o que vai desenhar.A criança desenha o que sabe e não o que vêRabiscos, bonecos formados por um círculo do qual saem dois tra-ços, carro de perfil com quatro rodas, casinha com chaminé, árvores esol com raios. Essas e outras formas tomadas pelo desenho da criançasão vistas por Vygotsky em sua estreita relação com a linguagem. Paraele, "o desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base alinguagem verbal" (1984: 127), conforme já observamos.Os primeiros desenhos infantis, reproduzindo somente aspectos es-senciais dos objetos, assemelham-se a conceitos verbais. Ao desenhar, acriança tem a fala como base: ela conta uma história ou o que ela sabesobre os objetos. Vygotsky diz que a criança não se preocupa com arepresentação da realidade, com a reprodução daquilo que vê. Ao con-trário, ela tenta, por meio do desenho, identificar, designar, indicar as-pectos determinados dos objetos. Ou seja, a criança não começa dese-nhando o que vê, mas sim o que sabe sobre os objetos.../Fig. 1Rareto• 4 aNa figura 1, por exemplo, o desenho mos-tra traços que, antes de representar em deta-lhes o que a criança quis desenhar (um carro-guincho), indicam aspectos de um carro-guin-cho: duas formas contendo duas rodas cadauma, ligadas por um traço. Na figura 2, pes- Fig. 2soas são representadas por formas que indi-cam a cabeça, os braços e as pernas.Isso implica certo grau de abstração, de generalização, do mesmomodo que a palavra na linguagem verbal. Já vimos, em capítulos anteriores,que o significado de determinada palavra não é um objeto concreto comtodas as suas características. O significado da palavra coelho, por exemplo,comporta uma abstração, uma generalização que poderia ser expressa daseguinte forma: "pequeno mamífero leporídeo, selvagem e doméstico"(Dicionário Melhoramentos da língua portuguesa). Esse conceito verbalnão faz referênciapectiva de maneira correta, tomando-a pelo que é: uma "simplesmontagem" estética e não uma categoria do espírito.(Meredieu, 1974: 41.)Vygotsky também observa que a capacidade de desenhar o que sevê não é algo que se desenvolve espontaneamente. Ele demonstra, em-pregando dados de outros pesquisadores, que a idade normalmenteidentificada pelas teorias como aquela em que se chega ao realismovisual coincide com o momento em que os desenhos começam a desa-parecer.De fato, poucas crianças atingem esse "último estágio" do desen-volvimento do desenho sem terem recebido algum tipo de treino ouinstrução especial. A maioria gradativamente abandona a atividade dodesenho e, quando desenha, não chega a ultrapassar as formas própriasdo estágio que Luquet denominou realismo intelectual. Quantos de nósmesmos dizemos que não sabemos desenhar? E, se nos vimos obriga-dos a fazê-lo, produzimos geralmente algo que se assemelha ao dese-nho de uma criança de 8 ou 9 anos.Ao que tudo indica, o realismo visual equivale, de fato, a um pa-drão estético convencional socialmente valorizado, não tendo suaaprendizagem nada de natural. A partir de determinada idade, a criançajá não se contenta com seu desenho, como aponta Vygotsky. Seja pornão conseguir corresponder aos padrões socialmente valorizados, sejapor já não ser suficiente para atender às necessidades expressivas dacriança, o desenho acaba por ser abandonado.A partir de certo momento, torna-se fundamental a aprendizagemde técnicas, pois é apenas quando a criança ou o adolescente passam aconhecer as diferentes técnicas e os diversos padrões estéticos consti-tuídos culturalmente que sua própria habilidade poderá continuar a sedesenvolver, ajudando-a a expressar sua visão de mundo.Sugestão de atividadesOrganizando as informações do texto1. Organize um quadro-resumo com as etapas de desenvolvimento dodesenho discriminadas por Luquet.2. Reproduza o quadro abaixo e, a partir das informações do texto,complete-o.VygotskyPiagetSemelhançasDiferençasTrabalho de campoObserve pelo menos duas crianças de idades diferentes (uma de 2 eoutra de 5 anos, por exemplo) desenhando, em casa ou na escola. Casonão surja naturalmente uma oportunidade para isso, convide criançasconhecidas (parentes, vizinhos) para desenhar. Se for necessário, provi-dencie o material: folhas de sulfite, lápis ou giz de cera. Peça às criançasque lhe dêem ou emprestem um dos desenhos que elas fizerem paravocê mostrar a seus colegas na escola ou para guardar.Durante a observação, preste atenção à fala da criança: o que ela diz,a quem, em que momento da produção de seu desenho. Se possível, façasuas anotações na própria situação de observação, ou logo em seguida.Elabore um pequeno relatório, analisando, a partir dos subsídios dotexto, o papel da fala na elaboração do desenho. Tente também classifi-car os desenhos que coletou, segundo os estágios propostos por Luquet.Justifique sua classificação e, caso tenha encontrado dificuldades, co-mente-as.Exercitando a análise1. Convide o professor de Educação Artística da escola para fazer umabreve apresentação (se possível, ilustrada com reproduções de obrasfamosas) da evolução histórica da pintura, com o objetivo de discutira questão do realismo nas representações gráficas. Faça anotaçõesdurante a exposição do professor. Depois, com base nas anotações ena releitura do capítulo, elabore um texto analisando o realismo nodesenho infantil. 1531542. Faça um desenho. Cada qual deve fazer pelo menos um e, depois,vocês devem organizar uma exposição de seus próprios desenhos.Analisem a exposição: Em que os desenhos que vocês produziramsão diferentes dos das crianças? Em que são parecidos?A partir dessa análise, discutam as abordagens apresentadas no textosobre a evolução do desenho. Todos os adultos atingem a última eta-pa identificada por Luquet e Piaget? Por quê?Sugestão de leiturasDERDYCK, E. Fonnas de pensar o desenho; o desenvolvimento do gra-fismo infantil. São Paulo: Scipione. (Coleção Magistério).MEREDrEU, F. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 1974.Capítulo 13Desenhando na escolaNuma sala de pré-escola, as crianças estão desenhando. Ivo pede aToni que lhe faça um desenho. Toni concorda, mas continua desenhando.Ivo: Toni, você faiz um menininho desse pra mim, faiz? (Toniconcorda com a cabeça, e continua desenhando). Que que é isso,Toni?Toni: Ué, maçã, aqui laranja e aqui é a banana (vai apontando).Ivo: Nunca vi laranja assim, ó (mostra na folha de Toni).Toni:...Vai dando um giz, vai dando um cor de abacate (Ivohavia pegado todos os lápis).Ivo: Num tem cor de abacate.Toni: O cor de abacate (tira o verde do monte que está comIvo).[...]Toni desenha uma árvore com frutas.Ivo: Toni, como que faiz árvore?Toni: Faz árvore? Qué que eu faço?Ivo: Quero.Toni: Cê qué amarrão ou azul?Ivo: Quero...Toni: Cor de laranja?Ivo: Quero cor de aba... ó, é, é assim, assim, assim (mostra nodesenho de Toni).Toni: Qué com fruta?Ivo: Quero com maçã, com... com...Toni: Com laranja.Ivo: E com...Toni: Uva.Ivo: Com uva!Toni: Maçã. E com banana, não é?Ivo: Cadê a banana?155156Toni: A banana é aqui (aponta), e aqui é abacate. Abacate émais gostosa com açúcar.Ivo: Eu quero abacate.(...JIvo: Pode pintá colorido?Toni: Pode!Ivo: Cor de abacate? (Ivo pinta e Toni olha, debruçado sobrea mesa).Toni: Cor de abacate também. Faz as fruta também. Num es-quece, tá bom?Ivo: Eu num sei fazê fruta.Toni: Fruta? Então deixa que eu faço.(Episódio apresentado na dissertação de mestrado de Silvia MariaCintra da Silva, As condições sociais de produção do desenho,Unicamp, 1993. Os comentários que faremos a seguir são de nossaresponsabilidade, embora inspirados nas belas análises feitas pelaautora no decorrer de sua dissertação.)Toni aparece aqui como aquele que sabe, que serve de modelo, queensina e que faz para o outro. Nem por isso Ivo deixa de fazer umaobservação crítica sobre o seu desenho ("Que que é isso?", "Nunca vilaranja assim"). O fato de dizer "Nunca vi laranja assim" demonstra queIvo espera que o desenho se pareça com aquilo que ele vê na realidade.E talvez seja por isso que ele pede a Toni que lhe desenhe um menini-nho. Toni "sabe desenhar", seus desenhos se parecem com o que se vê.Ivo provavelmente ainda não consegue fazer o mesmo.Depois de observar o desenho de Toni, Ivo não quer mais que estelhe faça um menininho. Quer saber e aprender como se faz uma árvore.Toni se propõe fazer por ele e para ele. Ivo aceita e começam, então, anegociar as cores e os detalhes do desenho.Ivo pinta sua árvore. Ainda aqui pede a ajuda de Toni: "Pode pintácolorido?", "Cor de abacate?". A expressão cor de abacate, que no iní-cio fora utilizada por Toni sem que Ivo identificasse a que cor se referia("Num tem cor de abacate"), é agora também utilizada por este.Toni assume realmente o papel daquele que sabe e que ensina. Diza Ivo que faça as frutas e propõe-se desenhá-las quando este diz quenão sabe.Se tivéssemos em mãos o desenho de Ivo, o que veríamos? Umaárvore com frutas coloridas, pela qual poderíamos tentar avaliar suacapacidade de desenhar. Qual o tema de seu desenho? A forma aproxi-ma-se da realidade? As cores que utilizou estão "adequadas"?A partir das respostas a essas perguntas, faríamos uma avaliação ouuma apreciação do trabalho de Ivo e de sua capacidade de desenhar. Aavaliação provavelmente não corresponderia à realidade. Se comparás-semos o seu desenho com o de Toni, poderíamos concluir que Ivo fezuma cópia ou, então, que Toni é realmente o autor do desenho. Nessecaso, não haveria nada a dizer sobre a capacidade de desenhar de Ivo,sobre sua escolha de tema e a forma de seu desenho.Analisando o processo de elaboração do desenhoMas, quando observamos o processo de elaboração do desenho vi-vido por Ivo e Toni, o que apreendemos sobre eles, sobre como dese-nham e sobre como seu desenho vai sendo produzido?Nesseprocesso, uma criança serve de modelo para a outra, temseus desenhos valorizados, já que "sabe fazer". Essa criança auxilia,explica, ensina, ajuda a decidir e faz pela outra, a que pede ajuda eexplicações, a que aparentemente "não sabe", mas que critica e opina.Durante a elaboração do desenho, há um partilhar de saberes, de infor-mações e de experiências ("Nunca vi laranja assim", "O cor deabacate", "Abacate é mais gostosa com açúcar"). Há também negocia-ção envolvendo formas, cores, o que e como desenhar.Quando observamos o processo de elaboração do desenho pelascrianças, colocamos em questão a pretensa natureza individual dessaforma de atividade. A participação do outro nesse processo é clara: umadulto ou outra criança auxilia, fornece pistas ou instruções, opina, cri-tica, elogia, incentiva ou faz junto.Também nos modelos à disposição da criança, está presente a parti-cipação do outro. O desenho da professora, de um colega ou do irmão, asgravuras dos livros, das revistas, das propagandas, etc., sugerem os temas,as formas, as cores, evidenciam o que é socialmente valorizado comobelo, correto, bem-feito, indicam o que é saber e não saber desenhar.Portanto, o processo de aprender a desenhar implica a interação dacriança com outros membros de seu grupo cultural e com modelos so-cialmente disponíveis. O desenho evolui à medida que a criança seapropria das formas culturalmente constituídas de atividade gráfica.O desenho ésempre resultadodas interaçõessociais somadasao auxílio que oindivíduo recebee aos materiais etécnicas a queele tem acesso.157Desenhando, ascriançaspartilham seussaberes.158O desenhar não é,assim, uma atividadenecessariamente solitá-ria e individual. Não éapenas o grau de maturi-dade ou o nível de de-senvolvimento do pen-samento que se manifes-tam nos desenhos dacriança. O que e comoela desenha emerge dasinterações sociais emque ela está inserida.Depende do auxílio, daspistas e instruções querecebe; da partilha de in-formações, opiniões, preferências; da sua relação com os modelos, osmateriais e as técnicas a que tem acesso.E a criatividade, onde fica?Será possível criar algo novo sem recorrer às nossas experiênciasanteriores? Vygotsky afirma que a possibilidade de criação do ho-mem está apoiada em sua faculdade de combinar o antigo com o novoa partir de elementos da sua própria experiência. A atividade criadoraencontra-se em relação direta não só com a riqueza e a variedade denossas experiências individuais, mas também com as experiênciassocialmente produzidas pela humanidade. Cada grande invento, des-coberta ou obra de arte produzidos pelo homem tem como base paraseu surgimento a enorme experiência acumulada social e cultural-mente.Vygotsky nos dá o seguinte exemplo da relação entre criação emeio social:Suponhamos que nas ilhas Samoa nascesse uma criança dota-da das qualidades e do gênio de um Mozart. Que poderia fazer?No máximo, ampliar a gama de três ou quatro tons para sete ecompor algumas melodias um pouco mais complicadas, mas seriatão incapaz de compor sinfonias como Arquimedes de construir umdínamo elétrico.(Vygotsky. Imaginación p el arte en la infancia. México:Hispénicas. 1987.)Toda obra criadora parte sempre de níveis alcançados anteriormen-te (seja na arte, seja na ciência), e nenhuma descoberta ou obra originalaparece antes que estejam socialmente criadas as condições materiais epsicológicas para seu surgimento.Assim, antes de ser um potencial de certos indivíduos, a criativi-dade é algo que emerge de práticas sociais próprias de determinadasépocas históricas e de determinados grupos culturais.Logo, o desenvolvimento da criatividade depende das experiên-cias, dos interesses e necessidades da criança, mas também de conheci-mentos técnicos, das tradições e dos modelos de criação a que ela temacesso. O desenvolvimento do desenho criativo envolve a apropriaçãopela criança da experiência cultural. Quanto mais ricas essas experiên-cias, quanto mais variados os modelos a que tiver acesso, quanto maisincentivos, auxílios, técnicas e materiais lhe forem proporcionados,maior será a sua capacidade criativa.Desenhando e aprendendoNuma sala de pré-escola, a professora aproxima-se para ver osdesenhos das crianças: Esse aqui é a menina, é? Esse que é a meni-na? Que que é, as pernas da menina?Eva: É.P: Cê fez uma perna vermelha e outra verde? Que mais cê fezaí? E a cabecinha dela? Faz a cabeça pra ela.Lu: E a boca?P: Não, pra mim isso é o corpo... Faz o chão pra ela não ficarvoando.Eva: Onde tá o chão?P: Onde é as pernas dela? Mostra pra mim.Eva: Aqui (mostra no desenho).P: Então, então faz o chão pra ela não ficar voando.Eva desenha um traço, o chão, sob as pernas da menina.P: Isso, muito bem! Então aqui é a perninha dela? (indica como dedo).Eva: E.P: Aqui é os braços, a perna, agora faz a cabecinha dela.[...IP: Isso, Eva. Agora o olhinho, pra ela não ficar sem olho...Eva risca em outro lugar da folha.P: Aí não é o olho não, né? O que que é aí?Eva: Aí é a cabeça!P: Aí que é a cabeça? Então faz!Lu: A oreia, cadê a oreia?Gil: Cadê a oreia?P: Faltou a boca, ó (Eva desenha a boca). E o nariz? (ele faz).Gil: E a oreia? isso que é oreia, faiz otra oreia aqui, ó (apontacom o lápis no desenho de Eva).159160Que modelos estão sendo oferecidosàs crianças na escola? Que padrões de de-senho estão sendo valorizados? Como sedá a participação do professor e das crian-ças nessa atividade? Que materiais estãosendo utilizados pela criança?A escola e o desenhoPara as questões formuladas acima, nãohá uma única resposta. Os inúmeros modosde lidar com o desenho infantil na escola re-fletem as diversas concepções que funda-mentam o trabalho pedagógico cotidiano.Não oferecer modelos, não intervir,deixar que a criança desenhe sozinha.Direcionar a produção da criança, valori-zando um único modelo e procurandoensiná-la a "desenhar corretamente". Dis-tribuir folhas mimeografadas para colorirou cobrir o pontilhado, determinando ascores que devem ser utilizadas. Essas sãoalgumas práticas relativas ao desenho pre-sentes no cotidiano escolar.Quando a escola incentiva a criança adesenhar livremente, a construir sozinhaseu próprio trabalho, com o objetivo depossibilitar o desenvolvimento livre do de-senho, da criatividade e da expressão, ain-da assim os modelos e o outro estão pre-sentes. Afinal, não há outros desenhos nasala de aula? Não há gravuras, livros dehistórias, desenhos da professora e de ou-tras crianças pelo ambiente? As criançasnão comentam, opinam, avaliam os dese-nhos umas das outras?161Lu: É mesmo. Fica igual a um coelho! Cadê os cabelo?P: O cabelo, ela esqueceu? Cê esqueceu do cabelo, Eva?Eva: Aí, o nariz.(Episódio apresentado na dissertação de mestrado de Silvia M. C. daSilva, As condições sociais de produção do desenho, Unicamp, 1993.)Desenhar na escola é desenhar com os outros e para os outros.Crianças e professora participam da construção do desenho de Eva. Su-gerem, apontam, indicam, comentam. O desenho de Eva vai se com-pondo, se transformando. E Eva vai "aprendendo" a desenhar, vai des-cobrindo o que é esperado de seu desenho, quais os padrões socialmen-te valorizados como corretos, necessários e bonitos.Esses padrões, no episódio descrito acima, aparecem na interven-ção da professora, revelando suas concepções sobre o desenho infantil:"Cê fez uma perna vermelha e uma verde?", "Faz o chão pra ela nãoficar voando", "E a cabecinha dela?".A professora espera que o desenho da criança reproduza o maisfielmente possível a realidade e atua tendo em vista esse resultado. Umamenininha precisa ter pernas, braços, cabeça, olhos, cabelo, etc., suaspernas não podem ser uma vermelha e outra verde. O espaço do papelprecisa ser delimitado, a criança precisa aprender a se orientar nele:fazer o chão é necessário.Há uma partilha de experiências sobre a atividade do desenho queenvolve o que acriança já sabe fazer e os conhecimentos e as concep-ções da professora e de outras crianças. E nesse jogo que o desenho vaiemergindo, trazendo em si as marcas da participação do outro.A criança não desenha sozinha. Seu desenho não é desvinculado domomento e do espaço em que é produzido. Ao contrário, constitui-sesempre a partir de modelos e da participação do outro.Numa sala de pré-escola, a professora trabalha com as crian-ças em um estudo de artes durante vários dias. Ela apresenta àscrianças produções gráficas típicas de diferentes países, como mo-tivos chineses, russos, indianos, egípcios. Apresenta, ainda, repro-duções de obras de artistas como Van Gogh, Goya e Picasso, alémde outras representativas da pintura renascentista e abstrata. Ascrianças podem ver, conversar, perguntar.. A professora informa,explica, direciona a atenção das crianças para determinadas ca-racterísticas dessas produções. Novos horizontes são abertos: am-plia-se o conhecimento que já se tem, possibilidades interessantessão descobertas. As crianças desenham e em seus desenhos explo-ram as novas descobertas. Reproduções de motivos egípcios, in-dianos, russos e chineses aparecem com grande riqueza de deta-lhes; obras famosas também são reproduzidas pelas tintas, peloslápis, pelas mãos, pelas cores, como você pode verificar na páginaao lado.(Situação reconstituída a partir do relato de experiéncia da professoraCristina Rufino Jates, da EMEI Agostinho Pátaro, Barão Geraldo, Cam-pinas, que gentilmente compartilhou conosco o material dela resultante.)1.62Para poder criar e se expressar, por meio do desenho, a criança seapropria das experiências do seu ambiente, servindo-se de modelos e doauxílio de outras pessoas. A experiência que ela tem é que lhe propor-ciona os meios para se expressar de modo criativo.A preocupação com a correspondência do desenho à realidade re-vela não só a valorização de determinado padrão estético, mas tambémo empenho da escola em desenvolver na criança habilidades de obser-vação, concentração, discriminação visual, orientação espacial e coor-denação motora. Também as folhas mimeografadas são utilizadas comessa finalidade, considerada requisito para a aquisição da escrita.Quando observamos uma criança desenhando, desde as suas pri-meiras garatujas até as composições mais definidas, desde suas primei-ras experiências de marcar o papel com os próprios movimentos atéproduções com formas bem determinadas, descobrimos uma grandeevolução de suas capacidades de concentração, orientação espacial,coordenação motora, etc.Nesse mesmo processo, o caráter simbólico do desenho tambémvai se constituindo, com base na linguagem. O simbolismo é a dimen-são fundamental do desenho e se vincula mais estreitamente à elabora-ção da escrita e ao desenvolvimento da conceituação. A escrita, sendotambém essencialmente uma atividade simbólica, apresenta uma es-treita ligação com outras formas de simbolização, como o desenho e abrincadeira.A relação de continuidade que há na pré-escola entre o desenho e aescrita, na escola fundamental transforma-se em substituição do dese-nho pela escrita. O espaço para o desenho diminui e não há preocupaçãoem trabalhá-lo. A criança desenha do jeito que sabe e aquilo que já sabe.As possibilidades de transformação, de evolução da atividade do dese-nho, via de regra, são mínimas. Deixadas a si próprias, gradativamenteas crianças vão parando de desenhar.Como criar em sala de aula, no 1? grau, condições e situações quepossibilitem a utilização e o desenvolvimento do desenho?"O lápis é o melhor dos olhos..."A afirmativa acima, que aparece em O segredo da observação, deRamacharaca, nos levou a descobrir, professora e crianças, o desenhocomo um modo de guiar e instrumentalizar nossa observação.Era o ano letivo de 1986, e estávamos em uma 3f série do 1.°grau, de uma escola municipal, na periferia de Campinas.Ao lado das salas de aula da escola havia muitas árvores earbustos que abrigavam um grande número de insetos. Freqüen-temente, marimbondos, abelhas e percevejos de plantas (conheci-dos pelas crianças como marias-fedidas) entravam na classe, pro-duzindo alvoroço: os dois primeiros por causa da picada e os últi-mos por causa do mau-cheiro que desprendiam quando tocados.Resolvida a problematizar com as crianças esse tipo de rea-ção, propus a elas uma questão: Por que a marfa fedida fede?Essa questão foi o disparador para nosso estudo sobre insetos, quedurou um semestre inteiro.Onde buscar a resposta?Antes de consultar os livros, decidimos fazer um trabalho decampo, coletando insetos para observação.Puçás improvisados, vidros de boca larga de vários tamanhos(alguns com álcool), éter para anestesiar os insetos, pinças,lançamo-nos ao trabalho, anotando o nome de todos os animaisencontrados, além do que faziam no momento da coleta, e tratandode conseguir pelo menos um exemplar para identificação posterior.Sacudimos as árvores e os arbustos, observamos folhas e flo-res, reviramos pedras e galhos caídos, improvisamos uma armadi-lha com uma lata perfurada contendo pedaços de frutas...Em sala, começamos a estudar os exemplares coletados, aten-tando para suas características gerais, número de patas, númerode asas, antenas, configuração do corpo, co,; formato, caracterís-ticas como dureza, transparência, existência de pêlos, etc.Procurando explicitar e tematizar a atividade intelectual quedesenvolvíamos, propus à classe a leitura e o estudo do texto Osegredo da observação. Nele, o personagem central, contandocomo descobrira o segredo da observação, dizia, destacando aimportância do desenho: "o lápis é o melhor dos olhos..." . A partirdaí, o lápis passou a guiar nossa observação.Todos queriam desenhar. Cada criança escolheu um exemplare trabalhando individualmente procurava representá-lo na folhade sulfite. Alguns ampliavam o inseto, explorando todo o espaçodo papel, outros faziam reproduções diminutas.As dificuldades emergiam, e com elas as frustrações: comomarcar no papel a variedade de formas observadas, as simetrias,as proporções?"Oh, meu! Olha o tamanho dessa antena!""Ich! Tá torto!""Desse tamainho não dá nem pra saber que bicho é..."Sentindo-se incapazes de representar pelo desenho algo quefosse o mais parecido possível com o "real", algumas criançasqueriam desistir.A própria classe discutiu quanto a qual seria o papel do dese-nho: "Esse desenho é pra gente saber mais sobre o inseto ".Propusemos, então, o trabalho em conjunto, que favoreceu acomparação entre os insetos e a atenção aos detalhes particularesde cada tipo, a troca de técnicas, de modos de desenhar, entre os maise os menos habilidosos, a troca de informações ("presta atenção,aqui do lado do corpo tem um furinho "), enfim, a busca conjunta deum desenho mais apurado e um grande conjunto de questões."O que é esse fiozinho enrolado que tem na borboleta?" 163.164;"Por que alguns insetos têm um tubinho que parece um alfine-te e outros não?""Por que esse tem a antena lisa e a desse outro parece feita deum morte de pedacinhos emendados?"Detalhes que haviam escapado num primeiro momento foramsendo identificados...O sentimento de incapacidade de desenhar foi sendo substituí-do por comentários como "Eu aprendi com o Marcelo a fazer ogafanhoto". A admiração diante das habilidades reveladas peloscolegas foi sendo explicitada: "Nossa, a senhora viu como oDouglas é bom de desenho? Olha que bonito que ficou o desenhodele!". A descoberta das próprias habilidades e interesses foi sen-do percebida: "Eu por mim ficava o dia inteiro olhando e dese-nhando esses bichos. Você viu como a perninha desse aqui é for-mada por um monte de bolinha? Olha! Parece até um colarzinho...Por que será que é assim?".Depois, os desenhos feitos pelas crianças foram confrontadoscom desenhos e esquemas apresentados nos livros, evidenciando omuito que eles haviam apreendido em suas observações (e que ale-gria: " ViuVemos essas tentativascomo relevantes apenassob um aspecto: o de, pormeio delas, as crianças aprenderem a manejar o lápis e a utilizar o espaçodo papel, desenvolvendo habilidades motoras que lhes serão úteis paraaprender a escrever.utdoors, prateleiras de supermercado, rótulos, ban-cas de revistas, jornais, letreiros, livros, placas deO que é a escritapara a criança?:giz169170Por que isso acontece?Para entendermos o nosso próprio modo de nos relacionarmos com aescrita em nossa tão letrada sociedade, precisamos, ainda que brevemente,refletir sobre o que é a escrita e sobre a história de sua escolarização.Escrita e poderA linguagem escrita, como a linguagem falada, é um sistema sim-bólico criado pelo homem. No fluxo da comunicação verbal, gruposhumanos passaram a utilizar linhas, pontos e outros sinais para repre-sentar, registrar, recordar e transmitir informações, conceitos, rela-ções, produzindo assim a escrita.Vários tipos de escrita (pictográfica, ideográfica, etc.) foram pro-duzidos ao longo da história. Hoje, a escrita dominante é a alfabética.A escrita alfabética é uma forma de representar a palavra faladacom base nos seus aspectos sonoros e nas possibilidades de uso dasletras do alfabeto. Por exemplo, para escrever a palavra gato, na nossalíngua, usamos quatro letras que correspondem às quatro unidades mí-nimas de som que compõem essa palavra no seu registro oral. As letrasg, a, t, o são grafismos (marcas) que representam aspectos sonoros dapalavra falada.As letras grafadas no papel representam, mediante uma convençãosocialmente estabelecida, os sons da palavra falada (seu significante,sua imagem sonora), e esta, por sua vez, designa os objetos, as ações eos fatos da realidade. Nesse sentido, podemos dizer que a linguagemescrita é mais complexa do que a linguagem falada, uma vez que arepresenta.Para que a escrita seja dominada, essa complexidade requer aaprendizagem sistematizada e o treinamento específico de algumas ha-bilidades e convenções, tais como: o conhecimento do conjunto de le-tras disponíveis para o registro dos sons da linguagem falada, suas rela-ções com esses sons e as regras de combinação entre elas, o traçado queas constitui, sua direcionalidade, e outros tantos detalhes.No processo de divisão social do trabalho, o acesso a essa aprendi-zagem foi sendo controlado por algumas classes sociais, transformandoa escrita em privilégio, em índice de poder e recurso de dominação.Embora desde a Renascença (século XV) a universalização daaprendizagem da escrita e da leitura fosse uma reivindicação das clas-ses excluídas do acesso à cultura letrada, somente com a criação dossistemas nacionais de ensino dos Estados modernos (século XIX) foique se concretizou a idéia de escola como a instituição encarregada deiniciar as crianças no mundo da escrita e, com ela, criou-se o modelo dealfabetização que conhecemos hoje.Entre nós, brasileiros, o lema "Escolarizar para alfabetizar " é maisrecente ainda. Tendo sido uma bandeira do pensamento republicano,consolidou-se a partir da última década de 30, quando a alfabetizaçãopassou a ser claramente definida e defendida como um conhecimento aser possibilitado pela escola.Ao passar para a esfera de responsabilidade da escola públicamantida pelo Estado, o acesso ao domínio das convenções e comple-xidades dessa forma de linguagem foi ampliado, representando umgrande avanço em direção à meta de universalização da alfabetização.No entanto, a ação da escola fixou-se de tal forma no treinamentodas habilidades específicas relativas à escrita e ao traçado de letrasque acabou relegando sua utilização como linguagem a um segundoplano.Alfabetização e desenvolvimento da escritaJá na década de 20, Vygotsky criticava a não priorização da escritacomo linguagem. Para ele, o ensino da habilidade da escrita por si mes-ma corresponde ao domínio da habilidade técnica de tocar piano, emque o aluno desenvolve a destreza dos dedos e a leitura simultânea dapartitura, sem se envolver na essência da própria música.Embora ele considerasse necessário o ensino da escrita, sua críticadirigia-se ao modelo de ensino então adotado e que é, ainda hoje, domi-nante na prática escolar.Nesse modelo, a escrita é considerada principalmente como umcódigo que permite representar graficamente a linguagem falada. Paradominar esse código, as crianças necessitam treinar duas técnicas bási-cas: a codificação, que é a transformação dos sons da língua falada emsinais gráficos, e a decodificação, que é a possibilidade de reconstituir apalavra falada a partir dos sinais gráficos registrados.Essas técnicas enfatizam os aspectos perceptivos (auditivos e vi-suais) e as habilidades motoras envolvidas no ato de ler e escrever, cujaaprendizagem é feita de modo progressivo, hierarquizado e cumulativo.As crianças precisam dominar passo a passo o traçado correto das le-tras, as correspondências entre os sons e as grafias, a discriminação de 171Fonte: Nossas crianças. São Paulo: Abril Cultural, 1970. v. 5.sons e grafias semelhantes para chegar ao registro e à leitura de pala-vras, frases e textos.Durante o processo de alfabetização, as crianças desenham letras,copiam ou formam palavras com elas, escrevem palavras ditadas pelaprofessora, completam-nas, dominam a mecânica de decodificar o queestá escrito, independentemente do significado que as palavras escritasou lidas tenham para elas.Esse modo de considerar o ensino da escrita leva a que todos os es-forços se concentrem no treinamento de habilidades que possibilitarão àcriança sua utilização futura. Ou seja, só depois de terem dominado essashabilidades é que elas poderão utilizar a escrita para registrar suas expe-riências e pensamentos, para se comunicar com outras pessoas... Atéentão, elas escrevem para treinar a escrita e lêem para treinar a leitura.Suas tentativas de "dizer por escrito" o que querem e o que pensam sãocontroladas. "E melhor que o aluno escreva uma linha certa do que umafolha cheia de erros", dizem alguns professores alfabetizadores.A escrita, privada de sentido e do seu funcionamento social, é con-vertida em fim último da aprendizagem escolar. E esta, em vez de servista como parte imprescindível de um processo amplo, passou a serconsiderada o único e possível caminho de apropriação e de elaboraçãoda linguagem escrita.A crítica a essa forma de ensino da escrita vem sendo feita desde oinício do século por psicólogos, pedagogos, lingüistas. Entre esses traba-lhos críticos vamos destacar o de Vygotsky e Luria (1920) e o de EmiliaFerreiro e seus colaboradores (1980), baseados nos pressupostos da teo-ria piagetiana de desenvolvimento.Quem foi Luria?Alexander Romanovich Luria (1902-1977) foicolaborador de Vygotsky. Na década de 20, reali-zou experimentos relativos ao estudo do desenvol-vimento da escrita e dos conceitos matemáticos nacriança. Pondo em questão o modo como a psico-logia da época abordava esses temas, conduziu ex-tenso trabalho de campo sobre o funcionamentopsicológico de moradores de vilarejos e áreas ru-rais de uma região remota da Ásia central. Seu ob-jetivo era estudar como os processos psicológicossuperiores são construídos em diferentes contextosculturais. Dedicou-se mais intensamente ao estudodas funções psicológicas relacionadas ao sistemanervoso central, tornando-se conhecido como um dos mais impor-tantes neuropsicólogos do mundo.Esses estudos procuraram descrever como se origina e como sedesenvolve a escrita na criança. Por meio deles tornou-se possível co-nhecer:• o que as crianças pensam sobre a escrita e como se relacionam comela, antes e durante a alfabetização,• os processos envolvidos nas relações da criança com a escrita, que têminício muito antes da alfabetização, acompanham-na e prolongam-separa além dela, segundo a relevância da escrita no contexto social emque vivem seus usuários;• as especificidades da alfabetização, vista como um processoque, en-volvendo sistematização de regras, mecanismos e funções da escrita,acontece na relação de ensino do contexto escolar.A seguir, vamos apresentar e comparar essas duas contribuições.Primeiramente focalizaremos o modo como esses estudos explicamas relações da criança com a escrita. A seguir abordaremos como elesdescrevem e analisam a escrita produzida pela criança. E finalmentediscutiremos as implicações dessas teorias para as práticas escolaresde alfabetização.Quem é Emilia Ferreiro?Emilia Ferreiro, psicóloga argentina, é douto-ra pela Universidade de Genebra, onde foiorientanda e colaboradora de Jean Piaget. Suaspesquisas sobre alfabetização foram realizadasprincipalmente na Argentina e no México, onde éprofessora titular do Centro de Investigação e Es-tudos Avançados do Instituto Politécnico Nacio-nal. Deslocando do "como se ensina" para o"como se aprende" o foco da investigação relativaà aprendizagem da escrita, descreveu, no final dadécada de 70, a psicogênese da língua escrita.Suas conclusões têm possibilitado aos educadoreso redimensionamento da compreensão acerca dasrelações da criança com a escrita.V173174Sugestão de atividadesOrganizando as informações do textoNo texto foram utilizados dois conceitos distintos para definir asrelações da criança com a escrita: alfabetização e desenvolvimento da-escrita na criança.Com base nos dados do texto, compare os dois conceitos. Lembre-se de que comparar é apontar semelhanças e diferenças entre os elemen-tos considerados.Pesquisa bibliográficaDe tal maneira nos acostumamos às coisas que fazem parte do nos-so cotidiano, que as consideramos naturais. Parece que elas sempreexistiram e sempre com as mesmas características. A escrita é um des-ses elementos.Vivendo num mundo povoado por representações escritas, fica di-fícil imaginar como surgiram e como evoluíram ao longo da históriahumana as formas de registro que utilizamos hoje.Vamos fazer um pequeno estudo sobre a história da escrita. Umroteiro básico pode ser o seguinte:a) Identificaras condições históricas que possibilitaram o aparecimentoda escrita e quais foram suas finalidades sociais.b) Resumir as etapas da evolução histórica da escrita, caracterizandosuas diversas configurações, até chegar à escrita alfabética.c) Procurar informações sobre o funcionamento do sistema de escritaalfabético, tendo em vista caracterizar o princípio fundamental queo rege.Para isso consulte outros livros didáticos ou livros especializados,como os que são indicados neste capítulo nas sugestões para leitura epesquisa.Você pode também recorrer a vídeos (neste capítulo sugerimos um)e a seus professores de História, História da Educação, Português eMetodologia da Alfabetização.Exercitando a análiseLeia o livro O menino que aprendeu a ver, de Ruth Rocha (EditoraMelhoramentos). Nele a autora focaliza as relações da personagemJoão com a escrita.Ao analisar o texto, observe se o livro fala da relação de alfabetiza-ção, do desenvolvimento da escrita na criança ou dos dois temas.Sugestão de leiturasBARBOSA, José Juvêncio. A história da escrita. In: . Alfabetiza-ção e leitura. São Paulo: Cortez, 1990.CAGLIARI, L. C. O mundo da escrita. In: . Alfabetização & lin-güística. São Paulo: Scipione, 1989.GOMES JR., G. S. Escrita. Cadernos CEVEC, n° 4. São Paulo: Centro deEstudos Educacionais Vera Cruz, 1988.Filme recomendado• Escrita, direção de Fernando Passos, 1988. Distribuído pela Fun-dação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), São Paulo.175176Capítulo 15As relações da criançacom a escritaQuando prestamos atenção aos comentários que as crianças fazemsobre a escrita ou às suas tentativas de utilizá-la, percebemos que elasnão são indiferentes a essa forma de linguagem. Elas procuram imitá-la,interpretá-la, entendê-la.Olívia, de 3 anos, conversando com a mãe, diz:— Na escola eu faço desenho, eu escrevo...— Ah, é?! Como é que você escreve?— É assim, ó.E enquanto traça rabiscos em ziguezague no papel, ela vainomeando:— Papai, mamãe, Olívia.(Relato feito pela mãe da criança às autoras durante um curso paraprofessores.)Escrever, para Olívia, é diferente de desenhar. Ao demonstrar paraa mãe o que é escrever, ela nomeia cada um dos rabiscos feitos no papel.O ato de escrever, em casos assim, é relacionado pela criança àtarefa de anotar palavras. Neste momento, trata-se apenas de um esboçode apreensão da função representativa. Esta só será apreendida, de fato,um pouco mais tarde.Os ziguezagues traçados por Olívia, em linhas mais ou menosretas, constituem a forma de grafismo utilizada pela maioria dascrianças de sua idade quando se pede a elas que escrevam. Esse dadofoi observado e analisado nos estudos de Luria e Emilia Ferreiro,como um indicador da apreensão de algumas das características for-mais da escrita pela criança. Observando os adultos quando escre-vem, a criança percebe que a escrita apresenta configurações (taiscomo o formato, a distribuição no papel, etc.) que a distingue de ou-tras formas de representação gráfica. Ela imita, então, o formato ex-terno da escrita do adulto.As características gráficas da escrita também orientam as "tentati-vas de leitura" das crianças.Rafael, de 3 anos, olhando para a tampa da lata de Nescau,onde estava escrita em relevo a palavra Nestlé, diz para o irmão de9 anos:— Olha,, Beto!E, passando o dedinho sobre as letras, vai pronunciando pau-sadamente:— Neeeeessscaaauuu!(Episódio envolvendo os filhos de uma das autoras.)Não são quaisquer traços que podem ser lidos. O formato dos tra-ços em relevo na tampa da lata e o lugar onde foram impressos não sãoarbitrários. Eles significam alguma coisa. Na interpretação de Rafael,eles nomeiam.Rafael, imitando o modo de ler de uma criança mais velha, compar-tilha a possibilidade de leitura com o irmão, que muitas vezes lê paraele. Na imitação, ele reproduz a relação entre o texto escrito e a fala.Nas duas situações observamos que a escrita, além de estar presen-te no cotidiano das crianças, é compartilhada com elas por adultos ecrianças mais velhas: a mãe possibilita a Olívia explicitar o que pensa esabe sobre a escrita; o irmão, que lê, serve de modelo para Rafael.Esses episódios cotidianos mostram processos não escolares deelaboração da escrita em que a criança formula uma compreensãoincidental e inicial dessa forma de linguagem.Como as crianças chegam a essas elaborações iniciais da escrita?A gênese da escrita na criança é vista de modos diferentes porEmilia Ferreiro e Vygotsky.A criança constrói a escritaEmilia Ferreiro e seus colaboradores consideram que a escrita,como toda representação, baseia-se em uma construção mental que criasuas próprias regras."Escrever não é transformar o que se ouve em formas gráficas, as-sim como ler não equivale a produzir com a boca o que o olho reconhe-ce visualmente", destaca Emilia Ferreiro (1985: 55). O sistema de escri-ta tem uma estrutura lógica, e compreendê-la não é uma tarefa simples.Há várias relações e detalhes que a criança precisa apreender.No caso do sistema alfabético, por exemplo, a criança deve com-preender, entre outras coisas, que existe uma relação entre a letra escrita(grafema) e o som pronunciado (fonema); que não há nenhuma relaçãoentre a forma da palavra escrita e as características físicas do elementoda realidade nomeado por ela; que palavras com o mesmo significadonão são escritas da mesma forma; que elementos essenciais da orali-dade, como a entonação, não são registrados na escrita, etc. 177Esse conjunto de relações não é simplesmente aprendido pelacriança, mas construído ("reinventado") por ela.Nas relações que mantém com a escrita no ambiente em que vive, acriança elabora e testa hipóteses acerca da lógica de seu funcionamento.Ela assimila a escrita interpretando-a de acordo com os conhecimentose modos de pensar que já desenvolveu e organizou no decorrer de suaexperiênciade vida, produzindo "escritas" e "leituras" não compatíveiscom a escrita convencional.Tal qual Olívia no episódio relatado anteriormente, ela começa di-ferenciando a escrita do desenho.AC) EAEm seguida, preocupa-se com a disposição das letras conhecidasou com o número de letras utilizadas, tentando marcar diferenças entreas palavras que deseja (ou é solicitada a) registrar.Fonte: Reflexões sobre alfabetização— Emilia Ferreiro. Cortez, p. 23.Conforme desenvolve a capacidade de prestar atenção às caracte-rísticas sonoras da palavra falada, a criança começa a estabelecer rela-ções entre as partes da palavra escrita e a quantidade de partes que reco-nhece na palavra falada. Ela passa, então, a representar cada sílaba comuma letra..iKhDA sRAFAEL-q* .A criança pode utilizar letras convencionais cujo traçado conhece,para representar a escrita, sem estabelecer nenhuma diferenciação entreas palavras, como na ilustração a seguir.s E ASEFonte: Reflexões sobre alfabetização — Emilia Ferreiro. Cortez, p. 22.S K^^ tv rn JFonte: Reflexões sobre alfabetização — Emilia Ferreiro. Cortez, p. 26.178179180As informações fornecidas por adul-tos leitores (inclusive a professora na es-cola) a respeito de especificidades da es-crita não são mecanicamente acrescenta-das às elaborações da criança.Ela vai passando de uma forma deescrita para outra, à medida que vai sedando conta, por si mesma, das contra-dições entre sua interpretação da escritae a escrita convencional. Nesse proces-so, ela reelabora gradativamente suashipóteses, por meio de acomodações su-cessivas, até chegar à lógica da escritaalfabética.O conjunto dessas formas de escrita que nos parecem "erradas" doponto de vista convencional são, segundo Emilia Ferreiro, "erros cons-trutivos": é passando por essas hipóteses que a criança vai construindo(reinventando) a lógica do sistema alfabético. Nesse sentido, os errosrevelam o raciocínio da criança sobre o que é escrever e as etapas pelasquais ela vai passando no processo de construção da escrita.Nos estudos realizados por Emilia Ferreiro e seus colaboradorescom crianças de diversos meios sociais em diferentes países (Argentina,México, Espanha, Brasil), as formas de escrita mostradas nas ilustra-ções acima apareceram de modo sistemático, regular e na mesma pro-gressão. O que diferia de uma criança para outra era o tempo de duraçãode cada etapa e o tempo de passagem de uma etapa para outra. As regu-laridades observadas comprovavam, segundo ela, que o desenvolvi-mento da escrita envolve uma série de concepções e de relações cujaelaboração não pode ser atribuída à influência do meio, nem à aprendi-zagem, mas, sim, ao desenvolvimento cognitivo da criança.Isso acontece, explica Emilia Ferreiro, porque a criança "é um su-jeito que pensa. Um sujeito que assimila para compreender, que devecriar a fim de assimilar, que transforma o que vai conhecendo, queconstrói seu próprio conhecimento para apropriar-se do conhecimentodos outros" (1987: 103; o destaque é nosso).A criança integra-se às práticas sociais de escritaJá para Vygotsky e Luria, a escrita é mais do que um sistema de for-mas lingüísticas organizado segundo uma lógica com a qual o sujeito seconfronta, esforçando-se por compreendê-lo. Ela é uma forma de lingua-gem, uma prática social própria de membros de uma sociedade letrada.A escrita nos confere o título de cidadãos. É por meio do registrolegal, nosso primeiro documento, que somos inscritos no rol de habitan-tes do país, temos nossa nacionalidade definida.A escrita nos faz ser classificados como alfabetizados ou analfabe-tos, e arcar com as vantagens e desvantagens de pertencer a um ou aoutro desses grupos.Como sistema de signos (conjunto organizado de marcas externas quenos permitem representar ou expressar objetos, eventos e situações da reali-dade), a escrita age sobre nossos processos psicológicos, transformando-os.Sua utilização, por exemplo, transforma nossa memória. Ao fazer-mos uma lista de compras por escrito, ao anotarmos um endereço ou osingredientes e o modo de preparo de uma receita, não só liberamosnossos neurônios da necessidade de reter mecanicamente algumas in-formações, como também aumentamos enormemente a quantidade deinformações que podemos armazenar. A escrita nos permite esquecerinformações que, tendo sido registradas, podem ser recuperadas.Ela também transforma nossa atenção, nossos modos de buscar in-formações. Pense, por exemplo, nos usos de placas informativas.Por não ser nem natural (ela é produção cultural) nem arbitrária(escrever não é marcar quaisquer traços sobre qualquer superfície), aelaboração da escrita não começa dentro de cada um de nós. Apro-priamo-nos dos conhecimentos das gerações que nos precederam paraconstruirmos o nosso conhecimento. Nesse sentido, a elaboração da es-crita pela criança tem início nas suas relações sociais (cotidianas eescolarizadas), contando sempre com a participação do outro.Nas sociedades letradas, como a nossa, a escrita vai sendo gra-dativamente apontada e destacada para a criança pelos adultos leitores.Aline, de 3 anos, pega um pedaço de papel e pede à avó:— Vá, faz Aline...A avó escreve no papel: ALINE.A criança não aceita e volta a pedir.— Faz Aline, vovó.A avó, na tentativa de entender e atender ao pedido da neta,desenha urna menininha, e Aline mostra-se satisfeita.Alguns dias depois, a criança faz de novo o mesmo pedido à avó.A avó pega lápis e papel e desenha a menininha.A criança retruca:— Assim não, vovó. A outra...E, pegando o lápis, faz risquinhos no papel, enquanto diz:— Assim, Aline, Aline pequenininha.E, enquanto traça rabiscos maiores, vai dizendo:— Aline grande...(Episódio relatado por uma professora durante curso ministradopelas autoras.)É na interação com a avó que Aline, ao tomar contato simultanea-181mente com duas formas de simbolização — o desenho e a escrita —,Fonte: Reflexões sobre alfabetização —Emilia Ferreiro. Cortez, p. 29.descobre a possibilidade de usar marcas para representar. A avó, ao es-crever o nome da menina no papel, não determina os significados dodesenho e da escrita, mas desencadeia essa elaboração em Aline.As crianças mais velhas também participam da progressiva inte-gração da criança à comunicação escrita. Elas compartilham com asmais novas suas relações com a escrita, lendo, desenhando e escreven-do para elas, ensinando-lhes os nomes das letras e a escreverem o pró-prio nome, brincando de escolinha, etc. A elaboração ativa dos conteú-dos e formas de organização da es-crita depende, fundamentalmente,das possibilidades que as criançastêm (ou não) de utilizar e comparti-lhar a escrita em suas interações.Num país como o nosso, agrande maioria das crianças temcontato incidental com a escrita, pormeio de rótulos de produtos, de pla-cas e propagandas na rua, quandovai aos supermercados, vendo TV...Elas convivem com a escrita.Nas grandes cidades, com o au-mento de freqüência à pré-escola, a utilização de papéis, lápis, tintas e ocontato com a escrita têm se intensificado e sido submetidos a um modode organização mais sistemático.Essas crianças, assim, além de conviver com a escrita, a utilizam e or-ganizam algumas de suas convenções no espaço das relações escolares.Apenas um número reduzido de crianças brasileiras tem, na vidaem família, como Aline, oportunidade de conviver com leitores, papel,lápis, livros de história, jornais, revistas.Em algumas dessas famílias, os paislêem histórias para as crianças, escrevempalavras com elas e para elas. Nessecaso, essas crianças vão além da situaçãode convivência com a escrita, passando autilizá-la. Assim, mesmo sem dominarautônoma e convencionalmente a escrita,elas começam a elaborar e a compreen-der, desde muito muito cedo, seus princí-pios de organização e sua natureza.Nas relações que mantêm com a es-crita, as crianças apropriam-se de técni-cas para sua utilização"Meu filho tem uma aptidão incrí-vel para a matemática"; "A Marina é tão inteligente! Puxou ao pai!".Maturidade, aptidão, inteligência são temas tradicionalmente abor-dados pela psicologia numa perspectiva que atribui um papel central afatores biológicos no desenvolvimento da criança. Essa perspectiva,que estamos denominando inatista-maturacionista, parte do princípiode que fatores hereditários ou de maturação são mais importantes para odesenvolvimento da criança e para a determinação de suas capacidadesdo que os fatores relacionados à aprendizagem e à experiência.Mas o que são esses fatores hereditários ou de maturação?A hereditariedade pode ser entendida como um conjunto de quali-dades ou características que estão fixadas na criança, já ao nascimento.Ou seja, quando falamos em hereditariedade estamos nos referindo àherança genética individual que a criança recebe de seus pais. Todossabemos que traços como, por exemplo, a cor dos olhos e do cabelo, otipo sanguíneo, o formato da orelha e da boca já estão determinadosgeneticamente quando nascemos.A idéia de maturação refere-se a um padrão de mudanças comum atodos os membros de determinada espécie, que se verifica durante avida de cada indivíduo. O crescimento do feto dentro do útero da mãe,por exemplo, segue um padrão de mudanças biologicamente determi-nado. As transformações do corpo, o crescimento dos órgãos, etc. acon-tecem de acordo com uma seqüência predeterminada, que, a princípio,não dependeria de fatores externos.Você pode estar se perguntando o que essa história de cor dos olhosou do desenvolvimento do feto tem a ver com uma abordagem psicoló-gica da maturidade, das aptidões e da inteligência.E que, na psicologia, teóricos da perspectiva inatista-maturacio-nista supõem que, do mesmo modo que a cor dos olhos, aptidões indivi-Gêmeos: centrode interesse nosestudos sobrehereditariedade.12duais e inteligência são características herdadas dos pais e, portanto, jáestão determinadas biologicamente quando a criança nasce. Ou entãoque, à maneira do crescimento das partes do corpo, o desenvolvimentodo comportamento e das habilidades da criança é governado por umprocesso de maturação biológica, independentemente da aprendizageme da experiência.São essas concepções que estudaremos no decorrer deste capítulo.A questão das diferenças individuais e a hereditariedadeda inteligência: "filho de peixe, peixinho é?"Por que as pessoas são diferentes umas das outras? Por que algu-mas crianças parecem mais inclinadas para atividades artísticas, en-quanto outras se saem melhor com os nú-meros? Foram perguntas desse tipo queorientaram, no começo do século, as pri-meiras investigações psicológicas sobre oproblema da natureza hereditária das apti-dões e da inteligência.Interessados em saber por que uma pes-soa é diferente da outra — quanto a traços depersonalidade, de habilidades, de desempe-nho intelectual, etc. —, pesquisadores pro-curaram obter dados que permitissem esta-belecer comparações entre pessoas.Eles constataram, então, que pessoascom uma aptidão especial (um artista, porexemplo) normalmente tinham familiaresque apresentavam o mesmo tipo de aptidão.Ou, ainda, que gêmeos idênticos apresenta-vam aptidões e nível intelectual com umgrau de semelhança maior do que o encon-trado entre irmãos não gêmeos. Por outrolado, identificaram diferenças de aptidões ede traços mentais entre homens e mulheresou entre raças diferentes.Essas constatações foram interpretadas como indicadoras de que osfatores inatos são mais poderosos na determinação das aptidões indivi-duais e do grau em que estas podem se desenvolver do que a experiên-cia, o meio social e a educação. O papel do meio social, segundo essaperspectiva inatista, se restringe a impedir ou a permitir que essas apti-dões se manifestem.Assim, uma criança — filha, neta ou sobrinha de músicos — apre-senta inclinação e facilidade para aprender música porque herdou deseus familiares a aptidão, o "dom" para a música, e não porque foieducada num ambiente em que, provavelmente, a música é valorizada eensinada. Do mesmo modo, crianças brancas e negras apresentam dife-renças no desempenho de determinadas tarefas em razão da herança ge-nética de suas raças, e não de diferenças culturais ou de oportunidades.Foi nessa linha da preocupação com as diferenças individuais quese desenvolveram os primeiros estudos psicológicos com o objetivo deavaliar a inteligência. Um dos pioneiros desses estudos, o pesquisadorfrancês Alfred Binet, interessou-se especialmente pela mensuração dainteligência através de testes.Quem foi Binet?Alfred Binet nasceu em 1857 e viveu até 1911. Formou-se emMedicina, mas desde cedo interessou-se pela psicologia da crian-ça e do deficiente, área em que se tornou conhecido.Em 1904, quando era diretor do Labora-tório de Psicologia Fisiológica da Universi-dade de Sorbonne, participou de uma comis-são de médicos, educadores e cientistas, no-meados pelo ministro da Instrução Pública daFrança, que tinha como objetivo estabelecermétodos e formular recomendações para oensino de crianças deficientes mentais. Binetfoi incumbido da tarefa de desenvolver uminstrumento que permitisse identificar as crian-ças mentalmente deficientes.Como resultado de seu trabalho nessacomissão e de suas pesquisas anteriores, elepublicou em 1905, com a colaboração deThéodore Simon, a primeira escala para amedida da inteligência geral. Essa escala,que se tornou conhecida como escala Binet-Simon, passou por duas revisões: a primeira,em 1908, e a segunda, em 1911, pouco antes da morte de Binet.Pode-se dizer que o desenvolvimento dessa escala marcou oinício da medida da inteligência, tal como a conhecemos hoje.Os testes de Binet e Simon foram traduzidos e utilizados tambémem muitos outros países e deram origem a inúmeras revisões,realizadas por outros pesquisadores, bem como inspiraram aelaboração de outros testes de inteligência.No Brasil, seus estudos e testes foram introduzidos em 1916por educadores ligados ao Laboratório de Psicologia Pedagógi-ca do Rio de Janeiro.Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral que não de-1 3pende das informações ou das experiências adquiridas no decorrer daQuem foi Gesell?Pesquisador norte-americano que viveu entre 1880 e 1961,Gesell foi o principal expoente das teorias do desenvolvimentoque dão maior ênfase ao papel da maturação. Desdemuito cedo, logo que formado na Escola Normal (Ma-gistério), dedicou-se à carreira de professor. Foi dire-tor de colégio e escreveu sua primeira tese sobre umassunto ligado à pedagogia. Depois de doutorar-seem psicologia, Gesell retomou o seu trabalho comoprofessor em uma escola primária. Alguns anos de-pois, decidiu-se por fazer o curso de Medicina e assimque o concluiu foi nomeado professor de Higiene daCriança na Escola de Medicina de Yale, cargo queocupou até a sua aposentadoria.Em 1915, Gesell passou a empregar a psicologiacom vistas a proporcionar ajuda pedagógica àscrianças desadaptadas. Ele é, por isso, consideradoo primeiro psicólogo escolar norte-americano.Preocupado com a criação de uma ciência do desenvolvimentohumano que integrasse todos os recursos da psicologia experimen-tal, da biologia evolutiva e da neurofisiologia, de 1920 a 1961 Geselldedicou-se à pesquisa científica e à publicação de livros e artigos.4vida do indivíduo. Segundo ele, as principais características da inteli-gência seriam as capacidades de atenção, de julgamento e de adaptaçãodo comportamento a objetivos:Parece-nos que na inteligência há uma faculdade fundamen-tal... Esta faculdade é o julgamento, também chamado bom sensoprático, iniciativa, a faculdade de adaptar-se às circunstâncias. Jul-gar, compreender e raciocinar bem; estas são as atividades essen-ciais da inteligência.(Binet e Simon, O desenvolvimento da inteligência nas crianças.Apud Bee, F(.)É importante compreender que, nessa perspectiva,e de algumas deA descoberta da leitua: momento de prazersuas convenções básicas — o nome dealgumas letras, o modo de traçá-las, adirecionalidade, etc. E apreendem também suas funções sociais — paraque, para quem, por que, e onde, e como se escreve.Elas brincam de escrever, como Rafael, que aos 3 anos e meio en-trega para a mãe um papel cheio de letras traçadas por ele, dizendo:^5JC10^ _^^ \A10-^Nj \_Si tr— Toma, mãe. Isso é uma carta pra você.— Ah! Que bom, Rafa! Lê a carta pra mim!— Não! Você é que lê! Eu escrevi a carta pra você!(Episódio envolvendo urna das autoras e seu filho.)Nesse episódio, a criança, que aprendeu a traçar algumas das le-tras do seu nome com o irmão e os primos, utiliza esse conhecimentopara produzir alguma coisa "para ser lida", ou seja, algo que reúnedeterminadas características daquilo que seus parceiros sociais maisexperientes tomam como objeto de leitura. Ela produz (essa é a inten-ção revelada por ela diante do produto pronto) uma carta, produtocultural típico de uma sociedade letrada. A elaboração da função socialda escrita, mais do que de sua lógica interna, é o que se destaca nessaatitude da criança.Pela mediação do outro é que a lógica da escrita começa também aser elaborada. As crianças pedem a adultos (ou a crianças mais velhas)que escrevam ou leiam para elas. Tentam escrever e ler, imitando o queobservam e fazendo suposições a respeito das características e das re-gras de funcionamento da escrita, e procuram verificar, entre aquelesque são leitores, a adequação de suas suposições.São muitos osestímulos que ascrianças recebempara desenvolvera leitura.182 -, lumet&osmAltale1109r4183184As crianças do pré exploram as letras de plástico, tentandocompor palavras. Uma das meninas, após justapor uma série deconsoantes, chama a professora e pede a ela que leia o que es-creveu.Ruth, a professora, vai emitindo sons correspondentes às le-tras justapostas.A criança desmancha a combinação de letras e volta a fazeruma nova justaposição de consoantes. Novamente ela pede à pro-fessora que leia o que escreveu e a professora repete o tipo de lei-tura que fez antes.A criança então pergunta:— Ruth, por que será que eu só consigo escrever em inglês?(Depoimento da professora Ruth Jofily Dias, professora da EMEIMeia Lua, do município de Paulínia, SP, a quem agradecemos aautorização para a utilização desse episódio.)Enquanto para Emilia Ferreiro o papel do adulto (inclusive o pro-fessor) deve ser o de possibilitar o desenvolvimento da escrita, criandocondições estimuladoras e conflitos cognitivos (situações em que a crian-ça percebe contradições entre suas hipóteses e os princípios da escritaconvencional) para que ela descubra por si mesma as chaves secretasdo sistema alfabético (1985: 60), Vygotsky considera fundamental aparticipação do outro no processo em que a escrita vai se tornandoparte da criança, destacando e diferenciando o papel do professor.Vygotsky considera que o ingresso na escola representa para ascrianças um novo tipo de relação com a escrita, que, além de ser inten-sificada, passa a ser sistematizada.Nessa instituição, todas as crianças são colocadas diante da tarefade interpretar convencionalmente a escrita. O papel do professor é dife-rente daquele desempenhado pelos adultos que com elas convivem dia-riamente. Na família, o adulto intervém ocasionalmente e, em geral,quando solicitado. Na escola, a ação do alfabetizador é intencional eexplícita: ele proporciona à criança um contato sistemático com a escri-ta padronizada, que, entrecruzando-se com suas elaborações iniciais,acaba por substituí-las.Também diferentemente de Emilia Ferreiro, Vygotsky não conside-ra que as relações da criança com a escrita sejam estritamente cog-nitivas. A escrita não é apenas objeto de conhecimento. Ela constitui oconhecimento, sendo uma forma cultural de ação no mundo.A palavra materializada sobre o papel não é um fim em si mesma.Ela cria relações entre os indivíduos: "A criança aprende a ouvir, a en-tender o outro pela leitura; aprende a falar, a dizer o que quer pela escri-ta. Mas esse aprender significa fazer, usar, praticar, conhecer. Enquantoescreve, a criança aprende a escrever e aprende sobre a escrita"(Smolka,1988: 63).Sugestão de atividadesOrganizando as informações do textoReproduza e preencha o quadro abaixo, sintetizando as concepçõesde desenvolvimento e aprendizagem da escrita adotadas pela psi-cogênese (Emilia Ferreiro) e pela abordagem histórico-cultural (Vy-gotsky e Luria).Refletindo sobre as informações do textoNo texto apresentamos as seguintes afirmações:"A criança constrói seu próprio conhecimento para apropriar-se doconhecimento do outros" (E. Ferreiro)."Nós nos apropriamos dos conhecimentos das gerações que nosprecederam, para construirmos o nosso próprio conhecimento"(Vygotsky).Explique e compare a duas afirmações, buscando no texto os argu-mentos que as sustentam.Exercitando a análiseA partir das leituras e discussões sugeridas até aqui, analise a si-tuação seguinte:No ônibus havia um anúncio de chapéu, com um chapéu mas-culino desenhado em destaque. Abaixo, a marca do chapéu,PRADA, escrita em maiúsculas e o endereço da firma. O avô,encontrando um amigo, diz-lhe entusiasmado que estava justa-mente ensinando seu neto a ler e que ele aprendia com grandefacilidade. Apontando para o anúncio, objeto de treino desde oinício da viagem, o avô pede ao garotinho que leia o mesmo. Ogaroto prontamente:PsicogêneseConcepção de escritaA relação da criançacom a escrita185186—PE-ERRE-A-DE-A.— Muito bem, diz o avô, e o que está escrito?—PE-ERRE-A-DE-A.— Sim, muito bem. E isso é o quê? Leia lá.— Chapéu.(Episódio registrado por Nunes, T. no texto 'Leitura e escrita: pro-cessos e desenvolvimento', In: Alencar, E. (org.). Novas contribui-ções da psicologia aos processos de ensino e aprendizagem. SãoPaulo: Cortez, 1992.)Trãbalho de campoVamos observar crianças de 2 a 7 anos, que ainda não estejam sen-do alfabetizadas, e descrever o modo como se relacionam cotidiana-mente com a escrita. Para isso, vamos nos dividir em dois grupos.• Cada um dos alunos do primeiro grupo deverá observar uma crian-ça e descrever suas eventuais tentativas de uso do registro escrito,para que ela o utiliza, e como ela se relaciona com a escrita presen-te no seu espaço doméstico.• Cada um dos alunos do segundo grupo deverá observar uma crian-ça não alfabetizada e descrever a relação que ela mantém com omaterial escrito existente na pré-escola e a utilização que ela faz deregistros gráficos nesse contexto (para que e como).Para um melhor aproveitamento desse trabalho de campo, sugeri-mos que cada criança seja observada mais de uma vez e que sejam ob-servadas crianças de idades diferentes, dentro da faixa de idade in-dicada.O seguinte roteiro poderá ser útil à observação e ao registro:• Registre a idade da criança, o dia, o local, a hora e quanto tempodurou a observação.• Descreva a situação em que você observou a criança (onde elaestava, o que fazia, quem a acompanhava, etc.).• Que tipo de material escrito chama a atenção da criança ou estásendo explorado por ela? O que ela faz e o que diz em relação aomaterial escrito? Que finalidade atribui a ele?• Com quem ela compartilha sua exploração ou comentários? Comoo faz? Como o outro participa dessa situação? O que diz? O quefaz?• Se a criança estiver numa situação de produção de escrita, descre-va também o que ela está fazendo. Que material está utilizandopara isso? Que tipo de marcas produz? Em que condições as pro-duz? Que significado ou função atribui a elas (está escrevendo oque, para que, para quem) Como e com quem compartilha a ativi-dade? Como o outro participa da atividade? O que faz, o que diz?Peça à criança o material produzido. Se ela não quiser dá-lo, respei-te sua decisão.Se você dispuser de câmara de vídeo ou de gravador, poderáutilizá-losa idéia de inteli-gência não se confunde com os conhecimentos adquiridos pelo indiví-duo durante sua vida. Habitualmente, consideramos como muito inteli-gente uma pessoa que demonstra ter um vasto conhecimento; ou seja,dizemos que os mais inteligentes (entre nossos colegas, por exemplo)são os que sabem mais.No entanto, o que define a inteligência de um indivíduo não é a quan-tidade de conhecimentos que ele possui, mas sua capacidade de julgar,compreender e raciocinar. Essas capacidades, segundo Binet, não podemser aprendidas, mas, ao contrário, são biologicamente determinadas. As-sim, a inteligência é vista como um atributo do indivíduo fixado pela he-reditariedade e, como tal, variável de uma pessoa para outra.Padrões de desenvolvimento: o que é próprio decada idade?Mas, se as pessoas são diferentes umas das outras nas suas apti-dões, traços de personalidade ou de inteligência, existem também mui-tas semelhanças entre elas. A maioria dos bebês, por exemplo, torna-secapaz de se sentar antes que possa se arrastar, engatinhar e depois andar.Do mesmo modo, quando começa a falar, a criança primeiro diz apenaspalavras isoladas, e só depois junta duas ou mais palavras, formandofrases. Ou, então, antes de desenhar casas, animais ou carros, a criançarabisca traços e círculos.Essas seqüências parecem se repetir sempre em relação à maioriadas crianças, o que sugere a existência de certo padrão de desenvolvi-mento humano. Esse fato tem chamado a atenção de muitos pesquisa-dores desde as primeiras décadas deste século. Um dos primeiros psicó-logos a se interessarem por essa questão foi Arnold Gesell, nos EstadosUnidos. Ele se preocupou com a evolução da criança, do nascimentoaos 16 anos, e estudou as formas que seu comportamento vai tomandono decorrer dessa evolução.Pode-se dizer que Gesell foi o primeiro teórico da maturação, uma vezque defendia a prioridade dos fatores de maturação sobre os fatores deaprendizagem, ou de experiência, na evolução do comportamento dacriança. Para ele, o que explica a existência de um padrão de desenvolvi-mento comum à maioria das crianças é o processo de maturação biológicainerente às transformações por que passa o comportamento da criança.Assim, a evolução psicológica da criança seria determinada biolo-gicamente, do mesmo modo que o crescimento do feto no útero mater-no. Seus comportamentos e formas de pensar tornam-se mais comple-xos à medida que ela cresce, que seu sistema nervoso, sua estruturamuscular, etc. se desenvolvem. O ambiente social e as influências exter-nas, de modo geral, limitam-se a facilitar ou dificultar o processo dematuração. Por exemplo, uma criança que raramente é tirada do berço edeixada à vontade no chão, certamente vai demorar mais para.enga-tinhar ou andar. Em condições adequadas, seu desenvolvimento se pro-cessaria no ritmo e na seqüência determinados pela maturação.Tanto Binet quanto Gesell, acreditando que a inteligência e o desenvolvi-mento psíquico da criança são biologicamente determinados, preocuparam-se em descrever comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária.Binet estava interessado, como já dissemos, em medir e comparar ainteligência das pessoas. Mas, se podemos medir a altura ou o tamanhodo dedo de uma criança simplesmente usando uma fita métrica, medir ainteligência é bem mais complicado. Enquanto aptidão geral do indiví-duo, a inteligência não pode ser medida diretamente, mas apenas atra-l516vés de algumas de suas realizações. Por isso, para construir um teste deinteligência, Binet precisava conhecer o que crianças são capazes defazer em cada idade.Essa também foi uma necessidade experimentada por Gesell. Preo-cupado em compreender a evolução da criança, ele procurou estabele-cer escalas de desenvolvimento que permitissem comparar os compor-tamentos de uma criança com aqueles que eram esperados, ou conside-rados "normais", para sua faixa etária.Mas como foram criados os testes de inteligência e estabelecidas asescalas de desenvolvimento?Essa é uma pergunta importante, porque sua resposta nos mostra umpouco como o conhecimento é produzido na área da psicologia. Partindodo princípio de que a hereditariedade e a maturação são os fatores maisdecisivos na determinação da inteligência e na evolução do comporta-mento da criança, tanto Binet quanto Gesell dedicaram-se a pesquisas.Pesquisando a criança: a construção dos testes deinteligênciaBinet partiu da experimentação e da observação do que as criançaseram capazes de fazer em idades variadas. Ele procurou selecionar proble-mas ou questões cuja solução envolvesse os efeitos combinados da aten-ção, do juízo e do raciocínio e não dependesse de aprendizagens anteriores.Essas questões eram organizadas em grupos por idade, de acordocom o seguinte critério: se um teste era resolvido satisfatoriamente por60% a 90% das crianças de determinada idade estudadas, ele era consi-derado adequado para aquela idade.Um exemplo: se todas ou quase todas as crianças de 6 anos fossemcapazes de comparar dois pesos, essa tarefa era considerada muito fácilpara essa idade; se 60% a 90% das crianças de 5 anos estudadas resol-vessem o problema de maneira correta, ele era aceito como adequadopara essa faixa etária. Do mesmo modo, se quase nenhuma das criançasde 4 anos estudadas conseguisse copiar um quadrado, essa tarefa eraconsiderada difícil demais para essa idade.Seguindo esse procedimento, Binet selecionava um número deter-minado de tarefas, em ordem crescente de dificuldade, para cada idade.Assim, o seu teste de inteligência geral, destinado a avaliar pessoas dos3 anos até a idade adulta, era composto por vários conjuntos de proble-mas: um para as crianças de 3 anos, outro para as de 4 anos, outro paraas de 5 anos, e assim sucessivamente.Por meio desses testes, a inteligência é avaliada pelo desempenhonas tarefas. O número de testes que a criança consegue resolver determi-na a sua idade mental ou o seu quociente de inteligência (QI). Se ela con-seguir resolver todos os testes propostos para a sua idade, sua inteligên-cia será considerada normal. Se ela também resolver corretamente al-guns dos testes propostos para crianças mais velhas, seu QI estará acimada média. E se, ao contrário, ela acertar apenas questões propostas paracrianças mais novas, sua inteligência será considerada abaixo da média.Você sabe o que é o QI?Embora confundido por muita gente com a própria inteligên-cia, o QI (quociente intelectual) é basicamente uma comparaçãoentre a idade mental e a idade real da criança (idade cronológica).A idade mental é determinada pelo número de tarefas de um tes-te que a criança consegue resolver corretamente. Por exemplo, se elaacerta todas as tarefas atribuídas ao grupo de 10 anos, diz-se que elatem idade mental de 10 anos, seja qual for sua idade cronológica.O QI é obtido quando se divide a idade mental de uma criançapela sua idade cronológica. Suponhamos que uma criança de 8anos consiga resolver todos os problemas propostos para a idadede 10 anos, mas nada além desse nível. Diremos que sua idade men-tal é de 10 anos e, para calcular o seu QI, dividiremos 10 por 8, oque dá um resultado de 1,25. Por convenção, esse resultado é mul-tiplicado por 100, para que o QI possa ser expresso em númerosinteiros. Isso significa que, em nosso exemplo, a criança tem um QIde 125, que é considerado acima da média.QI = idade mental x 100idade cronológicaAssim, quando a idade mental e a idade cronológica foremas mesmas, o QI será sempre 100. Se a idade mental for inferiorà idade cronológica, os resultados serão sempre inferiores a 100,o que indicará um QI abaixo da média. Se, ao contrário, a idademental for superior à idade cronológica, o QI será sempre supe-rior a 100, ou acima da média.Pesquisando a criança: a elaboração das escalas dedesenvolvimentoÀ semelhança de Binet, Gesell também se utilizou da observação eda experimentação com crianças para elaborar suasescalas de desen-volvimento. No entanto, ele introduziu uma importante inovação técni-ca na observação e no registro do comportamento da criança: as câme-ras cinematográficas.Na Clínica do Desenvolvimento da Criança, criada por ele em1930 na Universidade de Yale, Gesell montou um observatório fotográ-fico, que era um hemisfério de 4 metros de diâmetro e 2,5 metros dealtura, equipado no alto e nas paredes laterais com câmeras cinemato-gráficas. Enquanto Gesell submetia as crianças a vários testes — sem-pre voltados a descobrir o que são capazes de fazer em cada idade — ascâmeras rodavam, registrando todas as reações que elas apresentavam. 17aumento do controle da cabeça: gradativamente as costas do bebê (que,no recém-nascido, são arredondadas) ficam mais alinhadas, e a criançatoma-se capaz de manter a cabeça levantada, podendo, então, permane-cer sentada sem apoio.Primeiras 4semanas de vida:o dorso do bebêé uniformementearredondado,havendo falta decontrole dacabeça.Entre 4 e 6semanas o bebêtem o dorsoarredondado e acabeça é erguidapor algunsmomentos.Entre 8 e 12semanas o dorsoainda éarredondado e acabeça já selevanta mais,porém o bebêainda tende apender o corpopara a frente.Entre 16 e 20semanas o bebêtem o dorso maisalinhado e acabeça é mantidaereta semvacilação.19Binet, por sua vez, preocupava-secom aqueles comportamentos que, numadeterminada idade, pudessem ser tomadoscomo indicadores do nível de inteligênciada criança. A evolução ou o desenvolvi-mento dos comportamentos consideradostípicos não o interessaram de modo espe-cial, mas sim a capacidade da criança derealizá-los na idade tida como adequada.Mas, apesar das diferenças, podemosdizer que Binet e Gesell estabeleceram pa-drões de comportamento com a finalidadede avaliar a inteligência ou o desenvolvi-mento da criança. O pressuposto de que osfatores biológicos (hereditariedade ematuração) são os mais decisivos na deter-minação da inteligência e do desenvolvi-mento leva a supor que tais padrões decomportamento são independentes de fa-tores externos ou do contexto social emque as crianças vivem. Desse modo, nãoimporta o lugar e a época em que a criançaviva ou as condições materiais e as possi-bilidades educacionais a que tenha acesso:a criança "normal" deve apresentar taiscomportamentos.No entanto, é importante lembrar que eles chegaram à definiçãodos padrões de comportamento de cada faixa etária a partir de pesqui-sas realizadas nas primeiras décadas do século, com determinados gru-pos de crianças (francesas e norte-americanas). Logo, os comporta-Os filmes obtidos eram posteriormente analisados. Gesell procura-va, então, destacar diversos aspectos da evolução do comportamentoda criança. A postura, a locomoção, a ação de agarrar, os jogos, as con-dutas sociais, etc. eram minuciosamente analisados e descritos com oobjetivo de captar as formas que esses com-portamentos tomam no decorrer do desenvol-vimento da criança.A partir dessas análises, tornava-se possí-vel estabelecer que comportamentos eram típi-cos de cada faixa etária, como, por exemplo,começar a engatinhar, colocar-se de pé e andarcom apoio, subir em cadeiras ou sofás e cami-nhar sozinha.Engatinhar e andar sozinho: estágiosdiferentes do desenvolvimento infantil.Essas pesquisas, baseadas na análise dos filmes, foram denomina-das por Gesell pesquisas normativas, já que visavam à apreensão doritmo e da seqüência "normais" do desenvolvimento. Assim, ao enume-rar os comportamentos considerados típicos de cada faixa etária, é esseritmo e essa seqüência que as escalas de desenvolvimento expressam.A questão dos comportamentos típicosTanto Binet quanto Gesell ocuparam-se em definir os comportamen-tos típicos de cada faixa etária, embora a partir de perspectivas diferentes.Como já apontamos, Gesell não apenas destacava quais são oscomportamentos infantis comuns a determinada idade, mas tambémprocurava retratar a maneira como esses comportamentos evoluem,transformam-se. E o caso, por exemplo, da capacidade da criança demanter-se sentada sem apoio.E possível observar, nas figuras a seguir, que a evolução dessecomportamento deve-se ao progresso do alinhamento das costas e do1820mentos considerados típicos foram aqueles apresentados pela maioriadas crianças que eles estudaram, e foi a partir daí que se definiu o queé normal ou não.Esse procedimento é bastante coerente com os princípios teóricospelos quais Binet e Gesell se orientaram. Se o ritmo e a seqüência dodesenvolvimento são biologicamente determinados, espera-se que cer-tos comportamentos apareçam sempre na mesma seqüência e na mesmaidade, quer se trate de crianças européias de classe média, quer de crian-ças do interior do Nordeste brasileiro.As relações entre desenvolvimento e aprendizagem eas influências do inatismo-maturacionismo na escolaSe o ritmo e a seqüência do desenvolvimento são biologicamentedeterminados, qual a sua relação com os processos de aprendizagem?Antes de responder a essa pergunta, é importante lembrar que os pes-quisadores da abordagem inatista-maturacionista não tinham como ob-jetivo o estudo da aprendizagem. No entanto, ao destacar o papel defatores internos na determinação da inteligência e do desenvolvimento,essa abordagem considera que aquilo que a criança aprende no decorrerda vida não interfere no processo de desenvolvimento.De acordo com a perspectiva inatista-maturacionista, a aprendiza-gem é que depende do desenvolvimento. Ou seja, o que a criança écapaz ou não de aprender é determinado pelo nível de maturação desuas habilidades e do seu pensamento ou, ainda, pelo seu nível deinteligência.Essa concepção tem tido bastante influência na escola, desde suaelaboração. Pode-se dizer que o inatismo-maturacionismo marca o co-meço da relação entre a psicologia científica e a educação. Como vi-mos, a construção dos primeiros testes de inteligência de Binet eSimon foi resultado de uma necessidade emergente nos meios educa-cionais franceses da época: a de identificar as crianças mentalmentedeficientes e estabelecer métodos que tornassem o ensino acessível aelas. O trabalho de Gesell também foi orientado por fins ligados àeducação, especialmente a de crianças consideradas desadaptadas.No Brasil, as principais pesquisas psicológicas sobre crianças da-tam do início do século. Educadores, geralmente vinculados às EscolasNormais (antigo nome dos cursos de Magistério), implantaram na déca-da de 20, em suas escolas, laboratórios de Psicologia Experimental e dePsicologia Pedagógica. Nesses laboratórios, as crianças eram submeti-das a exames destinados a medir suas reações psicofísicas (discrimina-ções visuais, auditivas, etc.), e foi através deles que se introduziram nopaís os primeiros testes psicológicos. O primeiro teste para avaliar aprontidão de crianças para a alfabetização foi desenvolvido por um edu-cador, Lourenço Filho.A idéia de que a criança é portadora dos atributos universais (bioló-gicos) do gênero humano produz ou justifica a crença de que caberia àeducação- fazer aflorar esses atributos naturais, desenvolvendo aspotencialidades do educando de modo harmonioso. Tal concepção teveo mérito de chamar a atenção para as especificidades da criança, para ascaracterísticas, habilidades e capacidades dos educandos, colocandoem destaque noções como prontidão, maturidade, aptidão.Mas, ao mesmo tempo que atribuem à escola o papel de "cultivar"o indivíduo, de possibilitar o seu desenvolvimento harmonioso, as pro-postas pedagógicas orientadas por essa perspectiva consideram quepara aprender os conteúdos escolares a criança precisaria já ter desen-volvido determinadas capacidades. Isso acaba gerando a idéia de queexiste uma idade bem precisa para aprender certos conteúdos. Ou, ain-da, que o proveito que a criança tira das situações de aprendizagemdepende de seu nível de prontidão ou maturidade.Essas noções, além de circularem entreos agentes do processoeducacional, influenciando, muitas vezes, o cotidiano da escola, tam-bém dão sustentação à prática de utilização de testes psicológicos paraavaliar as possibilidades educacionais da criança.E fato bem conhecido que testes de prontidão (para a leitura, porexemplo) e testes de inteligência têm sido amplamente utilizados para aavaliação de crianças em idade escolar, penalizando muitas delas. Osresultados de tais testes têm, historicamente, impedido que inúmerascrianças tenham acesso ao conhecimento e à própria escolarização, aofornecerem indicadores de sua "imaturidade" ou de seus "déficits" deinteligência. Há crianças, por exemplo, que são retidas na pré-escola oupermanecem nos exercícios preparatórios, às vezes um ano inteiro, por-que "não estão prontas" para aprender a ler e escrever; outras são envi-adas às classes especiais porque "não têm condições" intelectuais deseguir o curso normal da escolaridade.21'22Sugestão de atividadesOrganizando as informações do texto1. Organize um quadro explicando, resumidamente, o que é:• hereditariedade;• maturação.2. Monte um quadro que apresente um resumo de como se explica, naabordagem inatista-maturacionista:• inteligência;• desenvolvimento.3. Explique a relação existente entre desenvolvimento e aprendizagem,de acordo com essa abordagem.Refletindo sobre o texto1. Dividam-se em dois grupos, para discutir a seguinte frase: "Algumaspessoas são mais inteligentes que outras em razão de sua herançagenética".2. O grupo 1 deve se reunir e pensar em argumentos a favor dessa frase(durante dez minutos).3. O grupo 2 pensará em argumentos contra essa frase (durante dez mi-nutos).4. Organizem o debate entre os grupos. Mas lembrem-se: quem é dogrupo 1 só pode falar "a favor" da frase e quem é do grupo 2 devefalar "contra".5. Registre em seu caderno suas opiniões sobre os aspectos favoráveis edesfavoráveis da abordagem analisada.Trabalho de campo1. Para realizar esta pesquisa, cada aluno deverá entrevistar uma pessoaque tenha filhos (mãe ou pai) e uma professora (de pré-escola ou de1! a 4! série). Explique à pessoa que você está realizando um trabalhoescolar e precisa da ajuda dela.• Pergunte à mãe (ou ao pai) sobre o que se lembra a respeito dodesenvolvimento dos filhos. O que mais lhe chamou a atençãonesse processo? O que foi motivo de encantamento e o que foimotivo de preocupação? Por quê? Registre ou grave as respostasobtidas. Caso a pessoa queira lhe mostrar fotos da criança ou ano-tações sobre ela, observe-as atentamente e sintetize as informa-ções proporcionadas por esses materiais.• Pergunte à professora quais são as situações a que ela presta aten-ção para analisar o desenvolvimento de seus alunos. Procure sabero que a encanta e o que a preocupa em seus alunos. Peça a ela quedescreva algumas situações ou experiências que foram marcantesem seu trabalho com as crianças. Registre as respostas obtidas.2. Em grupo, organizem os dados obtidos, reunindo as respostas seme-lhantes. Destaquem nas respostas dadas pelos pais e professoras osaspectos que as associam à visão inatista-maturacionista do desen-volvimento.Concluído o trabalho, convém guardar os registros das entrevistas e oresultado da Organização dos dados estabelecida pelo grupo, poiseles serão utilizados em atividades referentes aos próximos capí-tulos.Exercitando a análiseLeia o livro A Terra dos Meninos Pelados, de Graciliano Ramos(Editora Record). Nesse livro, o autor conta a estória de Raimundo, ummenino considerado "diferente" ...Após a leitura, responda:• De que tipos são as diferenças de Raimundo?• Quais as conseqüências dessas diferenças na vida do menino?Em grupo, discutam essas questões, relacionando-as com as idéiasapresentadas no capítulo a respeito do desenvolvimento humano.Sugestão de leiturasA curva do sino. Folha de S. Paulo, 30 de outubro de 1994, p. 6-4 a 6-6.BEE, H. A criança em desenvolvimento. São Paulo: Harper e Row doBrasil, 1977.Capítulo 3A abordagemcomportamentalistaAo contrário do inatismo-maturacionismo, a abordagem compor-tamentalista destaca a importância da influência de fatores externos, doambiente e da experiência sobre o comportamento da criança.Enquanto aquela abordagem enfatiza o papel de fatores biológicosinternos, como a hereditariedade e a maturação, o comportamentalismoparte do princípio de que as ações e as habilidades dos indivíduos sãodeterminadas por suas relações com o meio em que se encontram.John B. Watson foi o fundador do movimento comportamentalista(ou behaviorista, do inglês behavior, que significa "comportamento")na psicologia. Ele definiu a psicologia como a ciência do comportamen-to, como um ramo objetivo e experimental das ciências naturais.Quem foi Watson?John Broadus Watson nasceu em 1878, nosEUA, e viveu até 1958. Formou-se em Filosofia,pela Universidade de Funnam, aos 22 anos, maslogo interessou-se pela psicologia animal, área emque desenvolveu sua tese de doutoramento.Em 1908, assumiu o cargo de professor de Psi-cologia na Universidade Johns Hopkins, onde conti-nuou suas pesquisas com animais.Após algumas tentativas de formulação de prin-cípios que considerava mais objetivos para o estudoda psicologia — desestimuladas pelas críticas —,Watson publicou, em 1913, um artigo intitulado "Apsicologia como um behaviorista a vê", considera-do o lançamento oficial da escola behaviorista.O fato de incluir a psicologia entre as ciências naturais deve-se àcrença na existência de uma continuidade entre o animal e o homem.Ou seja, para os comportamentalistas, embora o comportamento do ho-mem difira do dos animais em razão de um maior refinamento e com-plexidade, ambos podem ser explicados pelos mesmos princípios. Des-se modo, o comportamento humano não é privilegiado como objeto depesquisa: no comportamentalismo, estudam-se tanto o comportamentohumano quanto o comportamento animal.Mas o que é comportamento?Na perspectiva de Watson, podemos dizer que o comportamento ésempre uma resposta do organismo (humano ou animal) a algum estí-mulo presente no meio ambiente.Por estímulo, Watson entende toda modificação do ambiente quepode ser captada pelo organismo por meio dos sentidos. Assim, as res-postas são modificações que ocorrem no organismo em decorrênciadesses estímulos, como, por exemplo, alterações na expressão facial,mudanças na posição do corpo, ações ou movimentos de qualquer tipo.Imaginemos um pequeno animal silvestre bebendo água na beirade um riacho. Ao captar um ruído de passos de animal no mato, ele saicorrendo. Na linguagem comportamentalista, diremos que o ruído (estí-mulo) provocou, no animal, uma resposta: o ato de correr.O que interessa à psicologia, entendida como Uma ciência naturale objetiva, é a relação entre estímulos e respostas — fatos exterioresque podem ser empiricamente observados. O que ocorre no interior doorganismo entre um dado estímulo e uma dada resposta não pode serobservado e, portanto, não interessa aos psicólogos comporta-mentalistas. No exemplo do animal silvestre bebendo água, o compor-tamento do animal é explicado pela relação entre o estímulo (o ruído) ea resposta desencadeada por ele (correr), e não a partir de determinadoestado interno do organismo.Veja bem: isso não significa que Watson descarte a existência de pro-cessos internos no organismo. Ele apenas considera que tais processosdevem ser estudados pela fisiologia. A psicologia, segundo sua concep-ção, cabe o estudo das respostas do organismo aos estímulos do meio.Assim, os problemas de que se ocupa o comportamentalismo são:prever a resposta, quando se conhece o estímulo, e identificar o estímu-lo, quando se conhece a resposta. Ou seja, o estudo do comportamentodeve possibilitar o conhecimento das relações estímulo-resposta, dasquais ele é o resultado. Assim, cabe ao comportamentalista descobrirquais são os estímulos que provocam determinado comportamento.De acordo com essa concepção, o comportamento animal ou huma-no é sempre uma adaptação, uma reação aos estímulos, às alterações quese processam no ambiente. Essa postura ambientalista opõe-se a qual-quer tipo de inatismo. Para Watson, não existem aptidões, disposiçõesintelectuais ou temperamentos inatos ou hereditários. O que existe é certapropensão para responder a certos estímulos de uma forma determinada.2526Comportamento e aprendizagemPara o comportamentalismo, a aprendizagem é um tema central.Ao enfatizar a influência dos fatores externos e ambientais, essa con-cepção teórica afirma que o mais importante na determinação do com-portamento do indivíduo são as suas experiências, aquilo que ele apren-de durante a vida. Aliás, podemos dizer que o comportamentalismoconfunde-se com uma teoria da aprendizagem, uma vez que sua preo-cupação básica é explicar como os comportamentos são aprendidos.Skinner, outro importante comportamentalista, cujo trabalho deucontinuidade a algumas das formulações de Watson, distingue dois ti-pos de aprendizagem: por condicionamento clássico e por condiciona-mento operante.A aprendizagem por condicionamento clássico envolve um tipo decomportamento determinado, que é sempre provocado por um estímulotambém determinado. Ela envolve uma reação do organismo ao meio enão uma ação do organismo sobre o meio.Digamos que alguém dê um sopro em seus olhos. Você automatica-mente irá piscar. Piscar é uma reação, uma resposta a um estímulo. Nãose pode dizer que tenha sido uma resposta aprendida. No entanto, setoda vez que alguém sopra em seus olhos soa uma campainha, podechegar um momento em que você piscará ao ouvir tal campainha, mes-mo na ausência do sopro. Dizemos, então, que você aprendeu a piscarquando ouve determinado som.Em relação à primeira parte do nosso exemplo, podemos dizer queo sopro é o estímulo que provoca a reação de piscar. Essa reação, comojá dissemos, é um tipo de resposta não aprendida, é um reflexo do orga-nismo. A medida que o sopro é associado a um som determinado, essesom passará a servir como um estímulo que também provoca a respostade piscar. Nesse caso, o som é chamado pelos comportamentalistas deestímulo condicionado, porque, por si mesmo, ele não provoca a reaçãode piscar, mas apenas quando é associado a outro tipo de estímulo (osopro) que automaticamente desencadeia tal reação.Esse é um exemplo de aprendizagem por condicionamento clássi-co, em que estão envolvidos um estímulo condicionado e uma respostaque é simplesmente uma reação do organismo. Esse tipo de aprendiza-gem não implica nenhuma iniciativa por parte de quem aprende. Ouseja, a pessoa aprende a piscar quando ouve um som determinado por-que sua reação original acabou se associando a um novo estímulo.Já a aprendizagem por condiciona-mento operante se dá de forma bastantediferente, apoiando-se não em reaçõesprovocadas por estímulos, mas emcomportamentos emitidos pelo próprioorganismo que são seguidos por algumtipo de conseqüência.Se o comportamento é seguidopor uma conseqüência agradável, eletende a se repetir. Ao contrário, se aconseqüência for desagradável, o com-portamento tem menos probabilidadede se repetir. Essas conseqüências,chamadas pelos comportamentalistasde reforçadores, "modelam" o compor-tamento dos indivíduos, sendo respon-sáveis pela criação dos hábitos.Segundo a concepção de Skinner,a grande maioria dos comportamentosdas pessoas é aprendida por condicio-namento operante. A birra de uma crian-ça, por exemplo, é um comportamentoaprendido. Se a criança chora eesperneia e a mãe (ou outro adulto) lhedá algo que ela deseja (como um doce,um brinquedo, um refrigerante), ocomportamento da criança é reforçado e tende a se repetir em outrasocasiões. Da mesma forma, uma criança pequena que sozinha leva ocopo de água à boca, tende a repetir esse comportamento se for elogia-da e beijada pela mãe. Mas, se a mãe a repreender todas as vezes (te-merosa de que a água seja derramada), ela provavelmente deixará deter esse comportamento.Quem foi Skinner?Burrhus Frederic Skinner; psicólogo norte-americano, nascidoem 1904, foi o criador do que ele denominou "análise experimentaldo comportamento ", método que permite prever e con-trolar cientificamente o comportamento humano.Doutorou-se em Harvard, em 1931, e depois dealguns anos lecionou na Universidade de Minnesotae na Universidade de Indiana, da qual foi presidente.Regressou a Harvard como professor e pesquisadorem 1947.Skinner interessou-se pela análise da aprendiza-gem verbal, pelo adestramento de pombos, pelas má-quinas de ensinar e pelo controle do comportamentomediante reforço positivo.Até a sua morte, em 1980, desenvolveu trabalhosde aplicação tecnológica dos princípios da análise ex-perimental do comportamento no campo do ensino e notrabalho psicoterapêutico. Além disso, dedicou-se àelaboração de uma filosofia, o behaviorismo, que se vincula ao mo-vimento de análise experimental do comportamento.Para Skinner abirra é umcompormmentoque se aprende.27As crianças, aprincípio, nãotêm medo dosanimais.28Pesquisando a criança: condicionamento emodelagem do comportamentoA idéia de que os comportamentos e as habilidades do indivíduosão sempre aprendidos a partir da influência do ambiente serviu de basepara pesquisas psicológicas que tinham como objetivo estabelecer ummétodo que permitisse prever e controlar cientificamente o comporta-mento humano ou animal.Para que você saiba um pouco sobre as pesquisas que auxiliaram aprodução de conhecimentos relativos a como os comportamentos sãoaprendidos, destacaremos aqui as pesquisas mais conhecidas de Watsone Skinner.A aprendizagem de comportamentos emocionais: umapesquisa de WatsonInteressado em saber como as crianças aprendiam comportamen-. tos emocionais, Watson realizou uma pesquisa com crianças de 4 mesesa 1 ano de idade que haviam sido criadas em hospitais e nunca tinhamvisto nenhum dos animais ou objetos utilizados no experimento.Vários animais foram apresentados às crianças no laboratório e emum jardim zoológico. Suas reações eram todas anotadas pelo pesquisa-dor. O resultado dessas situações foi sempre o mesmo: não se verificounenhuma manifestação de medo nas crianças.Watson já havia verificado que situações como exposição a umruído forte, perda do equilíbrio ou sensação de dor provocavam rea-ções de medo nas crianças. Para ele, essas seriam as situações originaisque suscitariam medo.Como explicar o medo de tanta coisa que muitas crianças mais ve-lhas e até mesmo adultos sentem? Watson afirma que medo de cachor-ro, de escuridão, de insetos, e outros tipos de medo, é um sentimentoaprendido através de condicionamento. Ele resolveu verificar se erapossível produzir, em laboratório, uma reação de medo.O sujeito da experiência foi uma criança de 11 meses que original-mente não demonstrava medo a animais peludos, como o coelho e orato branco. Quando, no laboratório, era apresentado à criança um ratobranco e ela o tocava, um ruído forte — de uma barra de aço golpeadacom um martelo — era produzido. A criança manifestava então reaçõesde medo: estremecia e começava a chorar.Após várias repetições desse procedimento, a criança passou aapresentar reações de medo diante do rato branco quando este lhe eraapresentado sozinho (sem o ruído). Watson verificou, ainda, que tal rea-ção estendia-se a outros animais ou objetos que lembravam o rato bran-co: um coelho, um cão, um casaco de peles ou um chumaço de algodão.Você pode reconhecer nessa experiência uma situação experimen-tal de aprendizagem por condicionamento clássico. Um estímulo queoriginalmente não provocava a resposta de medo (o rato branco) foiassociado a outro que naturalmente a provocava (um ruído forte), tor-nando-se, assim, um estímulo condicionado. A reação de medo a ani-mais peludos foi, portanto, aprendida pela criança.Com esse experimento, Watson procurava comprovarde vida, produzindo "escritas" e "leituras" não compatíveiscom a escrita convencional.Tal qual Olívia no episódio relatado anteriormente, ela começa di-ferenciando a escrita do desenho.AC) EAEm seguida, preocupa-se com a disposição das letras conhecidasou com o número de letras utilizadas, tentando marcar diferenças entreas palavras que deseja (ou é solicitada a) registrar.Fonte: Reflexões sobre alfabetização— Emilia Ferreiro. Cortez, p. 23.Conforme desenvolve a capacidade de prestar atenção às caracte-rísticas sonoras da palavra falada, a criança começa a estabelecer rela-ções entre as partes da palavra escrita e a quantidade de partes que reco-nhece na palavra falada. Ela passa, então, a representar cada sílaba comuma letra..iKhDA sRAFAEL-q* .A criança pode utilizar letras convencionais cujo traçado conhece,para representar a escrita, sem estabelecer nenhuma diferenciação entreas palavras, como na ilustração a seguir.s E ASEFonte: Reflexões sobre alfabetização — Emilia Ferreiro. Cortez, p. 22.S K^^ tv rn JFonte: Reflexões sobre alfabetização — Emilia Ferreiro. Cortez, p. 26.178179180As informações fornecidas por adul-tos leitores (inclusive a professora na es-cola) a respeito de especificidades da es-crita não são mecanicamente acrescenta-das às elaborações da criança.Ela vai passando de uma forma deescrita para outra, à medida que vai sedando conta, por si mesma, das contra-dições entre sua interpretação da escritae a escrita convencional. Nesse proces-so, ela reelabora gradativamente suashipóteses, por meio de acomodações su-cessivas, até chegar à lógica da escritaalfabética.O conjunto dessas formas de escrita que nos parecem "erradas" doponto de vista convencional são, segundo Emilia Ferreiro, "erros cons-trutivos": é passando por essas hipóteses que a criança vai construindo(reinventando) a lógica do sistema alfabético. Nesse sentido, os errosrevelam o raciocínio da criança sobre o que é escrever e as etapas pelasquais ela vai passando no processo de construção da escrita.Nos estudos realizados por Emilia Ferreiro e seus colaboradorescom crianças de diversos meios sociais em diferentes países (Argentina,México, Espanha, Brasil), as formas de escrita mostradas nas ilustra-ções acima apareceram de modo sistemático, regular e na mesma pro-gressão. O que diferia de uma criança para outra era o tempo de duraçãode cada etapa e o tempo de passagem de uma etapa para outra. As regu-laridades observadas comprovavam, segundo ela, que o desenvolvi-mento da escrita envolve uma série de concepções e de relações cujaelaboração não pode ser atribuída à influência do meio, nem à aprendi-zagem, mas, sim, ao desenvolvimento cognitivo da criança.Isso acontece, explica Emilia Ferreiro, porque a criança "é um su-jeito que pensa. Um sujeito que assimila para compreender, que devecriar a fim de assimilar, que transforma o que vai conhecendo, queconstrói seu próprio conhecimento para apropriar-se do conhecimentodos outros" (1987: 103; o destaque é nosso).A criança integra-se às práticas sociais de escritaJá para Vygotsky e Luria, a escrita é mais do que um sistema de for-mas lingüísticas organizado segundo uma lógica com a qual o sujeito seconfronta, esforçando-se por compreendê-lo. Ela é uma forma de lingua-gem, uma prática social própria de membros de uma sociedade letrada.A escrita nos confere o título de cidadãos. É por meio do registrolegal, nosso primeiro documento, que somos inscritos no rol de habitan-tes do país, temos nossa nacionalidade definida.A escrita nos faz ser classificados como alfabetizados ou analfabe-tos, e arcar com as vantagens e desvantagens de pertencer a um ou aoutro desses grupos.Como sistema de signos (conjunto organizado de marcas externas quenos permitem representar ou expressar objetos, eventos e situações da reali-dade), a escrita age sobre nossos processos psicológicos, transformando-os.Sua utilização, por exemplo, transforma nossa memória. Ao fazer-mos uma lista de compras por escrito, ao anotarmos um endereço ou osingredientes e o modo de preparo de uma receita, não só liberamosnossos neurônios da necessidade de reter mecanicamente algumas in-formações, como também aumentamos enormemente a quantidade deinformações que podemos armazenar. A escrita nos permite esquecerinformações que, tendo sido registradas, podem ser recuperadas.Ela também transforma nossa atenção, nossos modos de buscar in-formações. Pense, por exemplo, nos usos de placas informativas.Por não ser nem natural (ela é produção cultural) nem arbitrária(escrever não é marcar quaisquer traços sobre qualquer superfície), aelaboração da escrita não começa dentro de cada um de nós. Apro-priamo-nos dos conhecimentos das gerações que nos precederam paraconstruirmos o nosso conhecimento. Nesse sentido, a elaboração da es-crita pela criança tem início nas suas relações sociais (cotidianas eescolarizadas), contando sempre com a participação do outro.Nas sociedades letradas, como a nossa, a escrita vai sendo gra-dativamente apontada e destacada para a criança pelos adultos leitores.Aline, de 3 anos, pega um pedaço de papel e pede à avó:— Vá, faz Aline...A avó escreve no papel: ALINE.A criança não aceita e volta a pedir.— Faz Aline, vovó.A avó, na tentativa de entender e atender ao pedido da neta,desenha urna menininha, e Aline mostra-se satisfeita.Alguns dias depois, a criança faz de novo o mesmo pedido à avó.A avó pega lápis e papel e desenha a menininha.A criança retruca:— Assim não, vovó. A outra...E, pegando o lápis, faz risquinhos no papel, enquanto diz:— Assim, Aline, Aline pequenininha.E, enquanto traça rabiscos maiores, vai dizendo:— Aline grande...(Episódio relatado por uma professora durante curso ministradopelas autoras.)É na interação com a avó que Aline, ao tomar contato simultanea-181mente com duas formas de simbolização — o desenho e a escrita —,Fonte: Reflexões sobre alfabetização —Emilia Ferreiro. Cortez, p. 29.descobre a possibilidade de usar marcas para representar. A avó, ao es-crever o nome da menina no papel, não determina os significados dodesenho e da escrita, mas desencadeia essa elaboração em Aline.As crianças mais velhas também participam da progressiva inte-gração da criança à comunicação escrita. Elas compartilham com asmais novas suas relações com a escrita, lendo, desenhando e escreven-do para elas, ensinando-lhes os nomes das letras e a escreverem o pró-prio nome, brincando de escolinha, etc. A elaboração ativa dos conteú-dos e formas de organização da es-crita depende, fundamentalmente,das possibilidades que as criançastêm (ou não) de utilizar e comparti-lhar a escrita em suas interações.Num país como o nosso, agrande maioria das crianças temcontato incidental com a escrita, pormeio de rótulos de produtos, de pla-cas e propagandas na rua, quandovai aos supermercados, vendo TV...Elas convivem com a escrita.Nas grandes cidades, com o au-mento de freqüência à pré-escola, a utilização de papéis, lápis, tintas e ocontato com a escrita têm se intensificado e sido submetidos a um modode organização mais sistemático.Essas crianças, assim, além de conviver com a escrita, a utilizam e or-ganizam algumas de suas convenções no espaço das relações escolares.Apenas um número reduzido de crianças brasileiras tem, na vidaem família, como Aline, oportunidade de conviver com leitores, papel,lápis, livros de história, jornais, revistas.Em algumas dessas famílias, os paislêem histórias para as crianças, escrevempalavras com elas e para elas. Nessecaso, essas crianças vão além da situaçãode convivência com a escrita, passando autilizá-la. Assim, mesmo sem dominarautônoma e convencionalmente a escrita,elas começam a elaborar e a compreen-der, desde muito muito cedo, seus princí-pios de organização e sua natureza.Nas relações que mantêm com a es-crita, as crianças apropriam-se de técni-cas para sua utilizaçãoe de algumas deA descoberta da leitua: momento de prazersuas convenções básicas — o nome dealgumas letras, o modo de traçá-las, adirecionalidade, etc. E apreendem também suas funções sociais — paraque, para quem, por que, e onde, e como se escreve.Elas brincam de escrever, como Rafael, que aos 3 anos e meio en-trega para a mãe um papel cheio de letras traçadas por ele, dizendo:^5JC10^ _^^ \A10-^Nj \_Si tr— Toma, mãe. Isso é uma carta pra você.— Ah! Que bom, Rafa! Lê a carta pra mim!— Não! Você é que lê! Eu escrevi a carta pra você!(Episódio envolvendo urna das autoras e seu filho.)Nesse episódio, a criança, que aprendeu a traçar algumas das le-tras do seu nome com o irmão e os primos, utiliza esse conhecimentopara produzir alguma coisa "para ser lida", ou seja, algo que reúnedeterminadas características daquilo que seus parceiros sociais maisexperientes tomam como objeto de leitura. Ela produz (essa é a inten-ção revelada por ela diante do produto pronto) uma carta, produtocultural típico de uma sociedade letrada. A elaboração da função socialda escrita, mais do que de sua lógica interna, é o que se destaca nessaatitude da criança.Pela mediação do outro é que a lógica da escrita começa também aser elaborada. As crianças pedem a adultos (ou a crianças mais velhas)que escrevam ou leiam para elas. Tentam escrever e ler, imitando o queobservam e fazendo suposições a respeito das características e das re-gras de funcionamento da escrita, e procuram verificar, entre aquelesque são leitores, a adequação de suas suposições.São muitos osestímulos que ascrianças recebempara desenvolvera leitura.182 -, lumet&osmAltale1109r4183184As crianças do pré exploram as letras de plástico, tentandocompor palavras. Uma das meninas, após justapor uma série deconsoantes, chama a professora e pede a ela que leia o que es-creveu.Ruth, a professora, vai emitindo sons correspondentes às le-tras justapostas.A criança desmancha a combinação de letras e volta a fazeruma nova justaposição de consoantes. Novamente ela pede à pro-fessora que leia o que escreveu e a professora repete o tipo de lei-tura que fez antes.A criança então pergunta:— Ruth, por que será que eu só consigo escrever em inglês?(Depoimento da professora Ruth Jofily Dias, professora da EMEIMeia Lua, do município de Paulínia, SP, a quem agradecemos aautorização para a utilização desse episódio.)Enquanto para Emilia Ferreiro o papel do adulto (inclusive o pro-fessor) deve ser o de possibilitar o desenvolvimento da escrita, criandocondições estimuladoras e conflitos cognitivos (situações em que a crian-ça percebe contradições entre suas hipóteses e os princípios da escritaconvencional) para que ela descubra por si mesma as chaves secretasdo sistema alfabético (1985: 60), Vygotsky considera fundamental aparticipação do outro no processo em que a escrita vai se tornandoparte da criança, destacando e diferenciando o papel do professor.Vygotsky considera que o ingresso na escola representa para ascrianças um novo tipo de relação com a escrita, que, além de ser inten-sificada, passa a ser sistematizada.Nessa instituição, todas as crianças são colocadas diante da tarefade interpretar convencionalmente a escrita. O papel do professor é dife-rente daquele desempenhado pelos adultos que com elas convivem dia-riamente. Na família, o adulto intervém ocasionalmente e, em geral,quando solicitado. Na escola, a ação do alfabetizador é intencional eexplícita: ele proporciona à criança um contato sistemático com a escri-ta padronizada, que, entrecruzando-se com suas elaborações iniciais,acaba por substituí-las.Também diferentemente de Emilia Ferreiro, Vygotsky não conside-ra que as relações da criança com a escrita sejam estritamente cog-nitivas. A escrita não é apenas objeto de conhecimento. Ela constitui oconhecimento, sendo uma forma cultural de ação no mundo.A palavra materializada sobre o papel não é um fim em si mesma.Ela cria relações entre os indivíduos: "A criança aprende a ouvir, a en-tender o outro pela leitura; aprende a falar, a dizer o que quer pela escri-ta. Mas esse aprender significa fazer, usar, praticar, conhecer. Enquantoescreve, a criança aprende a escrever e aprende sobre a escrita"(Smolka,1988: 63).Sugestão de atividadesOrganizando as informações do textoReproduza e preencha o quadro abaixo, sintetizando as concepçõesde desenvolvimento e aprendizagem da escrita adotadas pela psi-cogênese (Emilia Ferreiro) e pela abordagem histórico-cultural (Vy-gotsky e Luria).Refletindo sobre as informações do textoNo texto apresentamos as seguintes afirmações:"A criança constrói seu próprio conhecimento para apropriar-se doconhecimento do outros" (E. Ferreiro)."Nós nos apropriamos dos conhecimentos das gerações que nosprecederam, para construirmos o nosso próprio conhecimento"(Vygotsky).Explique e compare a duas afirmações, buscando no texto os argu-mentos que as sustentam.Exercitando a análiseA partir das leituras e discussões sugeridas até aqui, analise a si-tuação seguinte:No ônibus havia um anúncio de chapéu, com um chapéu mas-culino desenhado em destaque. Abaixo, a marca do chapéu,PRADA, escrita em maiúsculas e o endereço da firma. O avô,encontrando um amigo, diz-lhe entusiasmado que estava justa-mente ensinando seu neto a ler e que ele aprendia com grandefacilidade. Apontando para o anúncio, objeto de treino desde oinício da viagem, o avô pede ao garotinho que leia o mesmo. Ogaroto prontamente:PsicogêneseConcepção de escritaA relação da criançacom a escrita185186—PE-ERRE-A-DE-A.— Muito bem, diz o avô, e o que está escrito?—PE-ERRE-A-DE-A.— Sim, muito bem. E isso é o quê? Leia lá.— Chapéu.(Episódio registrado por Nunes, T. no texto 'Leitura e escrita: pro-cessos e desenvolvimento', In: Alencar, E. (org.). Novas contribui-ções da psicologia aos processos de ensino e aprendizagem. SãoPaulo: Cortez, 1992.)Trãbalho de campoVamos observar crianças de 2 a 7 anos, que ainda não estejam sen-do alfabetizadas, e descrever o modo como se relacionam cotidiana-mente com a escrita. Para isso, vamos nos dividir em dois grupos.• Cada um dos alunos do primeiro grupo deverá observar uma crian-ça e descrever suas eventuais tentativas de uso do registro escrito,para que ela o utiliza, e como ela se relaciona com a escrita presen-te no seu espaço doméstico.• Cada um dos alunos do segundo grupo deverá observar uma crian-ça não alfabetizada e descrever a relação que ela mantém com omaterial escrito existente na pré-escola e a utilização que ela faz deregistros gráficos nesse contexto (para que e como).Para um melhor aproveitamento desse trabalho de campo, sugeri-mos que cada criança seja observada mais de uma vez e que sejam ob-servadas crianças de idades diferentes, dentro da faixa de idade in-dicada.O seguinte roteiro poderá ser útil à observação e ao registro:• Registre a idade da criança, o dia, o local, a hora e quanto tempodurou a observação.• Descreva a situação em que você observou a criança (onde elaestava, o que fazia, quem a acompanhava, etc.).• Que tipo de material escrito chama a atenção da criança ou estásendo explorado por ela? O que ela faz e o que diz em relação aomaterial escrito? Que finalidade atribui a ele?• Com quem ela compartilha sua exploração ou comentários? Comoo faz? Como o outro participa dessa situação? O que diz? O quefaz?• Se a criança estiver numa situação de produção de escrita, descre-va também o que ela está fazendo. Que material está utilizandopara isso? Que tipo de marcas produz? Em que condições as pro-duz? Que significado ou função atribui a elas (está escrevendo oque, para que, para quem) Como e com quem compartilha a ativi-dade? Como o outro participa da atividade? O que faz, o que diz?Peça à criança o material produzido. Se ela não quiser dá-lo, respei-te sua decisão.Se você dispuser de câmara de vídeo ou de gravador, poderáutilizá-los
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